Para médicos, hiperatividade pode surgir até os 12 anos
23 jan
2013
- 14h32
(atualizado em 24/1/2013 às 07h05)
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Uma possível modificação no manual que é considerado a bíblia da psiquiatria pode fazer com que mais crianças sejam diagnosticadas com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Se aprovada a proposta da quinta edição do Manual de Diagnósticos e Estatísticas (DSA), com previsão de ser publicado em maio, a idade limite para aparecerem os sintomas do transtorno será deslocada para 12 anos. Hoje apenas pode ser diagnosticado com a doença quem apresenta os primeiros sintomas até os 7 anos.
A recomendação atual acaba excluindo do diagnóstico crianças que apresentam sintomas apenas depois de entrarem na escola, período em que se tornam mais evidentes as dificuldades que podem estar relacionadas à doença, conforme observa o psiquiatra Luis Augusto Rohde, o único brasileiro convidado pela Associação Psiquiátrica Americana (APA) para participar da comissão que revisou os critérios de definição dos transtornos mentais.
Para confirmar que uma criança sofre do transtorno, o profissional da saúde deve também estar atento a uma série de outros critérios, entre eles a presença de sintomas como desatenção aguda e dificuldade da criança em esperar a sua vez, seja nas brincadeiras ou na hora de responder alguma pergunta. Além disso, deve ser considerada a frequência com que eles aparecem. O manual estabelece ainda que o déficit de atenção só pode ser diagnosticado se forem excluídas todas as outras possibilidades de transtornos de saúde.
Longe de ser um consenso entre profissionais da saúde, a possível mudança reacende a polêmica que coloca em lados opostos os defensores da proposta e os críticos que falam em abuso da medicação usada no tratamento, a Ritalina - de 2000 para 2008, a comercialização anual de caixas do remédio no Brasil passou de 71 mil para 1,147 milhões.
Para Rohde, se aprovada a quinta edição do DSA, a medida não aumentaria drasticamente o número de diagnósticos, já que existem outros fatores tão ou mais relevantes que, em conjunto, podem determinar o transtorno. O que assusta alguns especialistas são os diagnósticos indiscriminados. A psicóloga Cacilda Amorim, diretora do Instituto Paulista de Déficit de Atenção (IPDA), afirma que não são raras análises precipitadas que levam crianças simplesmente impacientes ou com dificuldade de aprendizado a serem medicadas sem necessidade.
O uso de medicamentos estimulantes do Sistema Nervoso Central para tratar o déficit de atenção em crianças, como o metilfenidato, conhecido comercialmente como Ritalina, é questionado por ser um psicoestimulante que pode viciar o paciente e tem uma série de possíveis reações adversas, como apatia, psicose, sonolência, além de problemas no sistema cardiovascular e nas glândulas endócrinas, responsáveis pelos hormônios do crescimento. Enquanto alguns profissionais acreditam que o consumo pode ser benéfico, se indicado em casos com grave intensidade e usado controladamente, outros alertam que não há pesquisas que comprovem que TDAH é uma doença neurológica, o que não justificaria a medicação.
Entre o grupo de questionadores, está a pediatra Maria Aparecida Affonso Moysés, professora titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Os critérios para diagnosticar o transtorno são normas sociais. Não há evidências científicas de que a doença é neurológica", afirma a pediatra. Na sua opinião, o uso de medicamentos estaria associado a uma política lucrativa vinculada à indústria farmacêutica. A reforma no manual da psiquiatria levaria a um aumento de diagnósticos de uma doença que, segundo a pediatra, não tem comprovação científica. Maria Aparecida não está sozinha. O National Institute for Health and Clinical Excellence apresenta estudos que apontam indícios comportamentais, e não biológicos, do transtorno, que, apesar disso, é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde.
Mas há argumentos bem fundamentados de todos os lados. Um estudo realizado por pesquisadores dos Estados Unidos e publicado em 2012 apontou que a doença existe independentemente de fatores culturais ou sociais. De acordo com a pesquisa, transtornos de déficit de atenção com mesma intensidade e frequência são iguais em diferentes lugares do mundo.
Como saber se seu filho sofre da doença
Somente um profissional da saúde experiente é capaz de julgar o transtorno e definir o melhor tratamento. Segundo Rohde, também coordenador do Programa de Déficit de Atenção do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, o tratamento é multimodal, ou seja, envolve uma combinação de medicamentos, psicoterapia e orientação de pais e professores para lidar com a criança.
Os problemas de hiperatividade e desatenção da criança tornam-se um transtorno de déficit de atenção quando atingem intensidade e frequência maiores do que é esperado para a sua idade. "Não é possível dividir as pessoas entre o grupo dos atentos e o dos desatentos, o que existe são níveis de desatenção", explica o professor da UFRGS.
Existem diversos sinais aos quais pais e professores devem estar atentos. Entre eles, ter dificuldade de esperar a sua vez, responder as perguntas de forma precipitada antes delas terem sido terminadas, envolver-se em brincadeiras que tenham mais chance de acontecer acidentes e parecer não estar ouvindo quando se fala diretamente com ela. Tais sinais podem levar a um prejuízo funcional, quando a criança começa a sofrer, por exemplo, por ser deixada de lado nas brincadeiras porque ela não quer esperar a sua vez.
Não existem testes neuropsicológicos ou exames que possam atestar o transtorno de déficit de atenção. O diagnóstico é exclusivamente clínico, feito por meio de uma conversa com um pediatra, neurologista infantil, psiquiatra ou psicólogo, desde que o profissional tenha experiência com crianças com desenvolvimento normal e com déficit de atenção. No entanto,o primeiro passo para resolvê-lo deve ser dado pelos pais, que devem estar atentos aos filhos e, se for o caso, aceitar sua condição e escolher a melhor forma de ajudá-lo, procurando orientação profissional e aprendendo a dar limites de uma forma adequada, sem cobrar da criança o que ela não pode dar.
Fonte: Terra