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Por que não se deve abordar vítimas de violência doméstica como em "Terra e Paixão"?

Pressionar ou julgar não é opção; especialistas indicam a melhor forma de acolher as mulheres e encaminhá-las para a rede de apoio

22 mai 2023 - 16h24
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Débora Falabella como Lucinda em "Terra e Paixão"
Débora Falabella como Lucinda em "Terra e Paixão"
Foto: Globo/ João Miguel Jr.

Entre as pautas abordadas em "Terra e Paixão" está a violência doméstica. Na novela das 9 da Globo, Lucinda (Débora Falabella) apanha do marido, Andrade (Ângelo Antônio), e toda a cidade parece saber.

Ao longo de duas semanas, várias personagens já intercederam a fim de ajudar a vítima a sair do ciclo de violência. Veja alguns exemplos:

- No capítulo do dia 15 de maio, ao deixar o filho na escola, Lucinda conversou com a professora Menah (Camilla Damião) e disse que sofreu um "tombo horrível". A funcionária não acreditou. "Lucinda, a gente já se conhece tem um tempo e eu já te vi tomar outros tombos, mas a gente ouve falar do seu marido. Eu acho que tem um tipo de situação que uma mulher não pode aceitar".

- No capítulo do dia 16 de maio, a protagonista Aline (Bárbara Reis) reage ao ver Lucinda com o braço machucado. "Olha, eu nem deveria te ajudar. Eu poderia até sentir raiva porque você não quis me ajudar com as sementes, mas toda mulher que sofre violência diz que foi um acidente doméstico", apontou ao ouvir da gerente da cooperativa que o machucado ocorreu por uma queda na escada. "Acho que uma mulher deveria abrir os olhos da outra. Se o seu marido cometeu uma violência com você, você deveria ir à polícia, você deveria denunciar", seguiu, ouvindo como resposta que "não tem nada com isso".

- No mesmo capítulo, em conversa com a tia Angelina (Inez Viana), Lucinda defendeu o marido e ouviu: "Homem que agride mulher é homem que agride mulher. Sai dessa, minha querida. Até quando você vai suportar isso?", cobrou a tia.

Pressionar não ajuda

Ninguém pode negar: há boa intenção na ajuda. Mas essa não é a melhor forma de abordar uma vítima de violência doméstica. A assistente social Tânia Palma ressalta que é preciso se aproximar sem julgamentos e ciente deve ser da mulher.

"Tem uma questão que diz respeito às relações, tem coisas imbricadas que a gente não sabe, então isso precisa ser feito de uma forma que crie segurança pra ela denunciar", explica em entrevista ao Terra.

"No serviço, a gente cria vínculo e respeita a decisão. Dizemos: 'eu acompanho você, eu lhe dou a mão'. É sair da cobrança, do 'por que ela aceita aquilo?' para 'pode se abrir comigo, vai ficar em sigilo'", acrescenta. Tânia atual no Centro de Referência de Atenção à Mulher Loreta Valadares, em Salvador, e membro do Grupo de Trabalho de Feminicídio, do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

A avaliação profissional dela é semelhante a da advogada Thayná Silveira, cujo trabalho também é dedicado a mulheres vítimas de violência. Para profissional, é importante dar espaço para que a vítima fale, sem julgamentos, pois na ânsia de ajudar, algumas pessoas acabam destacando opiniões de cunho moralista ou de solução "racional e simples", o que não dialoga com a vulnerabilidade emocional de quem é violentada e nem dá conta das complexidades do meio social e familiar onde ocorrem as agressões.

"São vários fatores que estão envolvidos nesse processo, como por exemplo, a naturalização da violência por questões de repertório familiar, dependência emocional, dependência financeira, questões de religiosidade, vergonha, medo, culpa, machismo estrutural, descredibilidade jurídica e tantos outros fatores", pontua a advogada.

Bebida não é desculpa

Na novela, Lucinda é uma mulher independente - gerente da cooperativa que assiste os produtores rurais da região. Por outro lado, a trama escrita por Walcyr Carrasco já mostrou que ela se sente grata ao marido pela oportunidade profissional e que constantemente usa o abuso de álcool como justificativa para as agressões dele. O próprio Andrade, depois de ver a mulher machucada, prometeu parar de beber.

Embora vítimas de violência às vezes façam associações entre o álcool, drogas ou ciúmes, por exemplo, a assistente social ressalta que os movimentos de combate às agressões já superaram esse discurso. "Ele vai para o bar com os amigos, ele não agride as pessoas. Ele tem uma pessoa específica pra agredir porque ele acha que tem posse, que é dono", esclarece Tânia. 

Ela lembra que a própria simbologia patriarcal do casamento, com a mulher sendo entregue das mãos do pai ao marido, reforça esse imaginário de que a mulher está sob a guarda do homem.

A vítima não é obrigada a nada

É comum que as pessoas no entorno de uma vítima de violência a pressionem a denunciar. Mas as especialistas frisam que essa mulher não é obrigada a se encaminhar diretamente a uma delegacia e, pelo contrário, precisa ser acolhida também quando essa não é a decisão.

"Eu sempre uso uma frase onde 'a vítima não tem que nada'. Denunciar, por incrível que pareça, nem sempre é a melhor via, pois temos um panorama geral do que essa mulher está passando, mas não sabemos os pormenores, ou seja, não temos uma métrica sobre o risco de morte que ela está correndo", pontua Thayná.

A advogada defende que não cabe convencer a vítima a denunciar, mas sim conscientizá-la sobre a importância de romper o silêncio e o ciclo de violência. Nesse sentido, cabe esclarecer o que é a violência doméstica, oferecer ou indicar ajuda psicoterápica, apresentar políticas públicas e direcionar a mulher aos órgãos públicos especializados no atendimento.

Thayná também lembra que há sites com informações didáticas, feitos por organizações feministas. Uma delas é o Instituto AzMina, entidade na qual a advogada atua como gerente do app PenhaS, ferramenta gratuita e disponível para download nos smartphones, que visa informar, acolher e encaminhar as mulheres para apoio jurídico e psicológico.

Intervenção pode ser necessária

Ainda que a posição da mulher deva ser preferencialmente respeitada, vale o alerta de que terceiros podem e devem agir em situações de flagrante violência ou iminência de morte. Em casos assim, a advogada recomenda que se ligue imediatamente para o 190, a fim de tentar salvar a vida dessa mulher.

Quando não se trata de uma emergência, mas se deseja fazer uma denúncia e/ ou buscar orientação, os canais disponíveis são o 180 e o Disque 100.

Fonte: Redação Terra Você
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