Psicólogos contestam lei que proíbe a alienação parental
Celso e Antônia estão passando por um processo de separação conflituoso. As brigas entre os dois são constantes, e uma das estratégias de Celso para atingir a ex-mulher é colocar a filha do casal, Raíssa, contra ela. Apesar de a situação descrita pertencer à novela “Salve Jorge”, a alienação parental não é ficção, é um problema da vida real.
O termo Síndrome da Alienação Parental (SAP) foi proposto em 1985 pelo psiquiatra americano Richard Gardner para descrever a situação em que um dos genitores faz uma “campanha” difamatória incentivando a criança a romper os laços afetivos com o outro, normalmente durante divórcios em que há disputa pela guarda dos filhos. Segundo a psicóloga Cynthia Ciarallo, é o afastamento que um dos cuidadores passa a ter dos filhos por influência do outro, que o desqualifica, comprometendo a relação.
Psicóloga e terapeuta do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira, Jacqueline de Vicq identifica três estágios da SAP. No estágio leve, a criança se sente constrangida somente no momento em que os pais se encontram; quando afastado do guardião, mantém um relacionamento normal com o outro genitor. Já no estágio moderado, a criança demonstra insegurança em suas atitudes; e, em certos momentos, já mostra sensivelmente o desapego ao não guardião. No estágio mais grave, a criança pode ficar doente, perturbada ao ponto de compartilhar todos os sentimentos do guardião, não apenas escutando passivamente as agressividades dirigidas ao outro, mas também contribuindo com a desmoralização dele; e as visitas nesse estágio tornam-se inviáveis.
Para Cynthia, há duas questões do âmbito familiar que devem ser levadas em consideração quando se fala de alienação parental. A primeira delas é a concepção da criança e do adolescente como sujeitos de direito. “Em uma separação, que é um conflito de adultos, eles são tratados como propriedade, vistos como bens”, afirma a psicóloga, explicando que o litígio favorece essa tipificação.
A outra questão é a confusão entre conjugalidade e parentalidade. Ela ressalta que a dissolução do casamento não desfaz a relação entre pais e filhos, pois o vínculo e as responsabilidades permanecem. “É importante lembrar que a disputa é dos pais, não das crianças”, completa.
Lei polêmica
Desde 2010, quando foi sancionada a lei 12.318/2010, a alienação parental passou a ser proibida no Brasil. O texto considera alienação parental a “interferência na formação psicológica” para que a criança “repudie genitor” ou “que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos”. Caso seja constatada a alienação em meio ao processo de divórcio, o juiz pode advertir o alienador, ampliar a convivência familiar em favor do genitor prejudicado, estipular multa ao alienador, determinar alteração para guarda compartilhada ou invertê-la.
Integrante do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Cynthia afirma que a instituição reconhece a existência deste tipo de conflito nas famílias, mas é contrária à lei. Ela esclarece que, na visão do conselho, a lei tende a acirrar o conflito ainda mais e expõe os pequenos. “É criado um novo constrangimento, a criança é levada ao tribunal para depor contra alguém que ama, a situação a leva a pensar que os pais são maus e, se a alienação parental desgasta o vínculo com um dos genitores, o processo desgasta o vínculo com o outro”, explica ela.
Para Cynthia, a lei atende mais ao mundo dos adultos do que ao das crianças, que são as mais prejudicadas no processo. Por isso o CFP defende, como solução, a guarda compartilhada, que não passa a ideia de que o pequeno deve escolher entre o pai ou a mãe, e a modificação do papel da criança e do adolescente no âmbito familiar.