Como a pornografia tem levado cada vez mais adolescentes a buscar plásticas vaginais
A britânica Anna diz que pensou em fazer uma labioplastia quando tinha 14 anos, porque achava que seu corpo era diferente do que considerava normal; Brasil é campeão mundial nesse procedimento cirúrgico.
"Não sei de onde tirei a ideia de que minha vulva não era não era bonita o suficiente, que não tinha um bom aspecto", diz Anna*, uma jovem britânica que quis fazer uma labioplastia aos 14 anos.
O procedimento faz com que os lábios da vagina sejam encurtados ou remodelados.
"Acho que gostaria que ela fosse menor. As pessoas ao meu redor assistiam a pornografia e eu criei essa ideia de que (a vagina) deveria ser simétrica e não protuberante", conta ela à BBC. "Pensei que a aparência de todas era igual (a de atrizes pornográficas), porque não havia visto imagens de pessoas comuns."
Anna acabou desistindo de submeter-se à cirurgia, mas o procedimento é cada vez mais popular entre adolescentes - algo que é desaconselhado por especialistas internacionais, já que o corpo de meninas menores de idade ainda está em desenvolvimento.
O Brasil é o campeão mundial em labioplastia: foram 23.155 procedimentos estéticos do tipo no país em 2016, segundo pesquisa da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS, na sigla em inglês). Não há, no entanto, dados referentes a adolescentes.
Já no Reino Unido, em 2015 e 2016, mais de 200 meninas se submeteram à labioplastia, de acordo com o NHS, o serviço de saúde pública britânico - e 150 delas tinham menos de 15 anos.
Nos Estados Unidos, 560 menores de idade passaram pelo procedimento em 2016, aponta a Sociedade de Cirurgia Plástica Estética do país.
Expectativas com a aparência
Muito disso parece ter a ver, assim como no caso de Anna, com uma expectativa irreal de aparência física.
Especialistas dizem que as imagens de vulvas divulgadas em vídeos ou fotos de pornografia, populares em sites e nas redes sociais, tornam-se referência para muitos jovens - mas costumam ser retocadas e não representam a variedade de forma, cor, tamanho e assimetria que existe na realidade.
"Me lembro de pensar que não deveria ser tão difícil: corta um lado para que os dois fiquem iguais e simétricos, depois você toma muitos analgésicos e pronto", diz Anna, hoje com 20 anos.
Com o passar do tempo, porém, ela parou de se preocupar com a aparência.
"Percebi que existem muitas versões do que é normal", afirma. "Agora que posso ver, colocando em perspectiva, que estou feliz de não ter feito a operação porque eu não eu precisava. Sou totalmente normal. Completa e absolutamente normal."
Preocupação dos médicos
A mudança de opinião de Anna, no entanto, não parece uma tendência.
Médicos se dizem preocupados com os números crescentes de pacientes que querem passar por essa intervenção - que é o procedimento cirúrgico que mais cresce no mundo. Entre 2015 e 2016, o número de labioplastias subiu 45%, segundo a ISAPS.
A ginecologista Naomi Crouch, que também dirige a Sociedade Britânica de Ginecologia Pediátrica e Adolescente, disse que ainda está para conhecer uma jovem que realmente precise da intervenção.
"As meninas às vezes vêm aqui dizendo 'eu odeio isso, quero tirá-lo', e para uma garota se sentir assim em relação a qualquer parte do seu corpo - especialmente uma que é íntima - é muito perturbador."
Paquita de Zulueta, clínica geral com mais de 30 anos de experiência, diz que foi só nos últimos anos que as adolescentes começaram a ter esse tipo de incômodo.
"Estou vendo meninas novas, de 11, 12 e 13 anos, pensando que algo está errado com sua vulva - que elas têm formato errado, tamanho errado e quase expressando repugnância", afirma.
"Sua percepção é que de que os lábios internos devem ser invisíveis, quase como numa Barbie, mas a realidade é que há uma variação gigante (entre as mulheres). É muito normal que os lábios se sobressaiam."
Ela culpa as imagens irreais da pornografia e das redes sociais por essa distorção.
"Não há educação suficiente (sobre o assunto) e ela deve começar muito cedo, explicando que existe uma variação e que - assim como nós somos diferentes em nosso rostos - somos diferentes lá embaixo também, e está tudo bem."
O NHS diz que não realiza a operação por motivos estéticos, apenas por questões clínicas (a mesma diretriz é adotada pelo SUS no Brasil).
No entanto, segundo Zulueta, algumas garotas aprenderam a exagerar seus sintomas para obter justificativas médicas para a cirurgia.
"(Elas sabem) que estarão mais propensas a conseguir a operação se disserem que (os lábios) estão interferindo no sexo, na prática de esporte."
Para a ginecologista, a cirurgia deve ser feita apenas em meninas que tenham uma anormalidade médica.
"Acho difícil acreditar que haja 150 meninas com uma anormalidade médica que gere a necessidade de uma operação nos lábios vaginais."
Padrões irreais
Além de Anna, a BBC conversou com três adolescentes de uma escola da Inglaterra sobre as expectativas construídas hoje a respeito da aparência do corpo.
Todas dizem se sentir pressionadas ao comparar-se com as imagens que veem na internet.
"Algumas semanas atrás, havia algo no Snapchat que dizia: 'existem quatro tipos de vulva' e as categorizavam em vários tipos. E então você pensa: o que acontece se eu não me encaixar nessas categorias?", conta uma das meninas à BBC.
"Os rapazes têm uma certa imagem de meninas e acreditam que você precisa se esforçar para alcançar essa imagem", diz outra.
A reportagem perguntou se elas estavam preocupadas com o impacto que o consumo de pornografia entre os meninos têm sobre as imagens criadas em torno do corpo feminino.
"Não é algo realista. (As mulheres) ou têm seios falsos ou fizeram cirurgia... e então quando um casal começa a ter relações sexuais você acha que seu corpo deveria ser daquele jeito", conta outra jovem.
Meninas admitem que há certas "expectativas" sobre órgãos genitais femininos, "como não ter pelos pubianos". "Há uma percepção de que os pelos púbicos são algo sujo", concordam as três.
*O nome foi alterado para preservar a identidade da entrevistada.