Vida de miss mirim: saiba mais sobre o mundo dos concursos infantis
Para algumas meninas, ir à Disney e vivenciar o mundo das princesas é um grande sonho. Mas para aquelas que estão, desde cedo, no universo das misses, isto é algo bem próximo da realidade: coroas, faixas e vestidos pomposos são alguns dos elementos que as destacam de uma infância comum. É o caso de Pietra Gasparin, 6, que, no fim de outubro, embarca para a Euro Disney, em Paris, na França. Este é o prêmio por ter recebido a faixa de Mini Miss Brasil Universo 2013, que a leva a representar o País no concurso internacional.
As competições mirins são geralmente muito criticadas devido a uma série de fatores: a feminilização precoce e a busca incessante por um padrão de beleza irreal são apenas alguns deles. Mas, de acordo com o missólogo Evandro Hazzi, que descobriu Pietra, na França os concursos de beleza infantil são proibidos e este só existe porque vai contra o movimento de "adultização" das crianças. “É algo que foge da tal padronização de concursos de miss mirim”, completa Alê di Lima, assessor de Pietra, que é gaúcha de Passo Fundo, Rio Grande do Sul.
Claudia Gasparin, mãe da menina, reforça o discurso e conta que sempre tentou colocar outras questões à frente da beleza. Ao começar pelas festas de aniversário da filha, sempre temáticas e em prol de alguma causa: meio ambiente, proteção dos animais e união da família já foram algumas. “Este projeto da Disney vem para tirar este conceito de criança se maquiando, de não poder comer. Estamos entrando em um concurso para trazer um novo conceito de miss para a criança”, completa.
Segundo a mãe, Pietra ainda é uma novata no ramo das misses. No ano passado, ela foi convidada para participar do Mini Miss Passo Fundo 2012 e, de lá, saiu vencedora. “Eu fiquei surpresa, ela é totalmente crua. Eu posso dizer até que eu julgava este tipo de coisa e dizia ‘minha filha jamais vai entrar nisso’”, relembra.
O título de miss entrou na vida da filha como mais uma de suas atividades, que são muitas – entre elas, caratê, piano e hipismo, uma de suas paixões desde os três anos de idade. “Ela é uma criança normal, tem dias que está bem, tem dias que está cansada. Não tirei nada da vida dela”, explica. Esta será a primeira vez que Claudia e o marido saem do Brasil e a ida para Disney, de qualquer forma, seria o presente de aniversário dos pais para a filha este ano.
Passando o bastão
Enquanto Pietra ensaia os primeiros passos neste universo, Mirella Scheeffer, 13, já é uma profissional reconhecida, que se despede das passarelas infantis. No ano passado, ela venceu o concurso de Miss Universo Infantil e a vigência de sua faixa termina no fim do mês de outubro.
Ela é dona de vários títulos importantes e atua na área desde os 9 anos de idade. Também já foi eleita Miss Brasil Infantil e, recentemente, participou de um concurso de marca de brinquedos, no qual derrubou mais de 16 mil candidatas e acabou virando uma boneca. Os concursos abriram portas e renderam até um teste para Malhação, da Globo.
Mirella também tem seguidores no Twitter, no Facebook, fã-clubes e, com certa timidez, confirma que o assédio dos meninos também aumentou muito nos últimos meses. O interesse nos concursos começou por conta das irmãs mais velhas, que já desfilaram. “Eu via aquele mundo de princesas, coroas e vestidos e queria viver nesse mundo. Eu já tinha ideia do que era, mas fiquei boquiaberta no primeiro concurso e acabei me apaixonando”, diz, acrescentando que sempre foi vaidosa. “Eu sempre fui de pegar as roupas das irmãs, os saltos da mãe”, conta.
Miss na sala de aula
A maior preocupação apresentada pelas mães entrevistadas é a busca por um convívio social normal com as demais crianças. “Outro dia a Pietra queria levar a faixa e a coroa para a escola, para brincar. Eu deixei, mas falei para ela não levar para o recreio, para não gerar ciúmes”, conta a mãe.
Claudia conta ainda que a filha não teve grandes problemas e que tudo acabou virando uma grande brincadeira. Mirella, no entanto, não teve a mesma sorte e chegou a sofrer bullying na escola.
Depois de fechar um contrato com uma marca grande de calçados infantis, Mirella foi parar nos outdoors da cidade e, com isso, ficou ainda mais conhecida do que já era. “Ela disse que queria mudar de escola porque começou a se destacar e as colegas achavam que ela tinha algum tipo de vantagem pelo fato de ser miss”, conta Vera Scheeffer, mãe da adolescente.
Na ocasião, a diretora da escola foi acionada e marcou uma reunião geral, com todos os alunos, para resolver a situação. “Eu tinha uma ideia de que eu ia ser olhada de forma estranha, mas as pessoas falavam coisas horrendas para mim e qualquer coisa que eu fizesse, elas achavam um defeito”, lembra Mirella. Felizmente, ela não precisou sair da escola; voltou às aulas normalmente e tentou tirar algo de positivo da situação. “Dei a volta por cima e muita gente hoje tem vergonha do que falava e acabou se tornando meu amigo.”
Bastidores
Como mãe de miss, Vera diz que sempre tentou mostrar para a filha o lado positivo e o negativo deste universo. Os excessos, no entanto, podem ser vistos nos bastidores e, por algumas vezes, ela chegou a notar casos em que, nitidamente, a criança não está disposta a seguir este caminho.
Ela afirma que já viu nos bastidores crianças chorando e sem vontade de desfilar. “Tem meninas que passam mal horas antes de entrar na passarela porque deixaram de comer. Acho inadmissível”, conclui.
O sonho da mãe nem sempre corresponde ao da filha, e este é um grande problema, na opinião da psicóloga Marina Vasconcelos. “É um perigo fazer com que o filho realize o que ela não conseguiu realizar. A criança pode passar a se perguntar: ‘será que minha mãe vai gostar de mim se eu deixar de fazer?'”, pontua.
Do laquê aos cílios postiços
Outro ponto polêmico nos concursos infantis é o excesso de produtos e beleza, o que faz com que as candidatas pareçam mulheres adultas em miniatura. Na opinião de Claudia, equilíbrio é o segredo. “Maquiagem é algo que toda criança nessa idade ama. É a Pietra mesmo que escolhe as cores que ela quer, sempre combinando com o vestido, mas tudo muito suave”, afirma.
Mas, de acordo com a dermatologista Marcia Monteiro, de São Paulo, é preciso cautela, pois algumas crianças são muito sensíveis a substâncias químicas, podendo desenvolver quadros alérgicos. “Eu não recomendo o uso de maquiagem para crianças. Acredito que poderíamos liberar o uso, muito esporadicamente, a partir dos 15 anos de idade”, alerta, acrescentando que o uso precoce de alguns produtos também pode levar ao aparecimento de acne.
Ela também não recomenda alisamento, tintura ou tratamentos capilares mais agressivos. “Acredito que o maior dano em relação ao uso destas práticas de beleza na infância esteja relacionado ao aspecto psicológico. Ainda que seja dermatologista e deva alertar para os riscos à saúde da pele, não poderia deixar de ponderar que isto pode induzir a criança a acreditar que seja ‘feia’ ou ‘inadequada’. Da mesma forma, cria, muito precocemente, uma busca incessante por um ideal de beleza, muitas vezes irreal e inatingível”, analisa a profissional.
Madura antes da hora
De acordo com a psicóloga Marina, de um modo geral, as meninas que começam muito cedo não têm muita dimensão do território em que estão adentrando. “Para elas é uma fantasia que vira a realidade, mas elas não sabem o que isso vai repercutir”, afirma.
A psicóloga e analista do comportamento Lygia T. Dorigon reforça. “Nesta fase, as crianças são bastante influenciadas pelas suas referências, como pais e professores, e ainda têm poucas condições de avaliar a situação de forma adequada. Se a família conduz isso de maneira tranquila, como uma situação divertida, de descontração, a criança pode levar isso numa boa. Do contrário, se percebe que há uma pressão da família para que seja a melhor, pode ser que valorize a vida de ‘miss’ mais do que deveria, uma vez que ainda não está preparada para isso”.
Apesar das faixas, coroas e aplausos, a repercussão nem sempre é só positiva. Mirella conta que passou por um momento delicado após ser criticada por desfilar de biquíni. “Eu ouvi mais comentários negativos do que positivos. As pessoas realmente acham que meninas de 12 anos têm que estar brincando de boneca. Mas a minha roupa era um biquíni porque era um traje típico representando o Carnaval do Brasil, então não acho que foi uma exibição. Fui bastante julgada, mas não acho que foi vulgar”.
Aprender a lidar com críticas, reações negativas e o fracasso também faz parte deste universo. Para a psicóloga Marina, é preciso cautela para conduzir estas situações, para não “pular fases e atropelar o desenvolvimento”.
Em busca da perfeição
Outro ponto de atenção levantado pelas psicólogas é o exagero com a questão da vaidade. Na opinião das profissionais, o excesso de preocupação com a beleza deve ser dispensado na infância. “Não se pode incutir na criança uma vaidade exagerada, que pode virar também uma sexualização adiantada”, observa.
Lygia também considera esta questão como prejudicial à criança do ponto de vista psicológico. “Acho negativo uma situação que valoriza a beleza e atributos físicos, pois é importante que as crianças sejam valorizadas em outras competências também. É a fase de elas serem estimuladas em diferentes áreas e de ampliarem seus gostos e interesses. Uma rotina de concursos, focada nisso, faz a criança entender que é isso que é importante, ou seja, que é isso que precisa valorizar”, diz.
Mirella aprendeu a lidar com a cobrança das pessoas, mas afirma que não foi algo fácil. “O que me deixava desconfortável era a pressão que as pessoas colocavam em mim para eu ser perfeita. Mesmo sem te conhecer, elas fazem uma imagem de você”, afirma.
Segundo Lygia, o problema é quando a criança leva isso como uma situação estressante, com uma grande valorização em detrimento às suas outras competências. “Se isso ocorrer, pode ser que, quando adulta, a criança apresente dificuldades em termos de segurança e autoestima. Mas tudo isso depende menos da criança e mais da forma como as pessoas do seu entorno conduzem a situação”, conclui.
Os limites
A principal recomendação para as crianças que seguem este caminho é não deixar de lado as atividades de uma criança normal, colocando a vida escolar sempre em primeiro plano. “É preciso colocar um limite e não deixar que ela deixe de ir a escola, pratique os esportes e conviva com os amigos. Elas também precisam saber que não é fácil ser uma Gisele Bündchen. São pouquíssimas as que vão se destacar, então, terão que enfrentar as frustrações e entender que o sucesso não é para todo mundo”, diz Marina.
Lygia também recomenda que os pais fiquem atentos para o que a criança quer, gosta e sente. “A criança procura fazer aquilo que agrada os pais, especialmente quando tem uma boa relação com eles. Avalie se o sonho é mesmo da criança ou se é seu. Atente para outras habilidades e competências de sua filha. Valorize-a para além de seus atributos físicos. Quanto mais ela aprender coisas novas, mais forte será seu repertório comportamental e mais condições ela terá de escolher seu caminho futuro com segurança. Terá mais condições de ser feliz e isto, provavelmente, é o que deve ser mais importante”, completa.
Ela também ressalta que, por mais frustrações que uma criança passe, sempre é possível reconstruir um caminho. “A história por que cada um passa influencia a vida futura, mas não a determina. Experiências negativas deixam marcas, mas novas experiências criam novas marcas que podem se sobrepor às antigas. Desse ponto de vista, é sempre possível que alguém se recupere de histórias ou lembranças negativas”, afirma.
No caso de Pietra, a vida de miss ainda é uma brincadeira, segundo a mãe, que ela não leva como profissão. No de Mirella, a "brincadeira" já se desenha para um caminho futuro, já que o seu sonho é concorrer ao miss adulto e, quando concluir os estudos, “entrar na mídia”. “Quero ser atriz, fazer filmes e até cinema, quem sabe?”, conta, ressaltando que também pretende morar fora do Brasil – de preferência, em Londres. “É de onde são os integrantes da minha banda preferida, o One Direction", conclui.