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Ex-estagiário do D.O.M., chef diz que comer fora era "pesadelo"

Depois de estagiar no D.O.M e vender cachorro-quente, o colombiano Dagoberto Torres voltou ao Brasil há três anos à frente do Suri Ceviche Bar

7 out 2013 - 14h57
(atualizado em 8/10/2013 às 12h31)
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<p>Há três anos, Dagoberto Torres veio pela segunda vez para o Brasil e não tem planos de voltar para a Colômbia tão cedo</p>
Há três anos, Dagoberto Torres veio pela segunda vez para o Brasil e não tem planos de voltar para a Colômbia tão cedo
Foto: Marcelo Pereira / Terra

“Nunca vi a comida como uma profissão para mim”. Era assim que pensava o colombiano Dagoberto Torres antes de comandar a cozinha do Suri Bar, badalado restaurante de ceviches da capital paulista, de despontar como um dos chefs “gringos” mais disputados do País e de passar pela cozinha do sexto melhor restaurante do mundo como estagiário, o D.O.M., de Alex Atala.

Apesar do currículo, Dagoberto demorou para enxergar as possibilidades da cozinha, mas era inevitável que o rumo da vida convencesse o colombiano de 30 anos de que teria que trabalhar entre forno e fogão. Mas, isso levou tempo. Por quase uma década, a culinária esteve presente na vida do chef “como uma forma de ganhar um dinheiro extra”, mas nunca como uma atividade que podia se tornar seu sustento oficial.

O talento veio cedo, aos 13 anos, quando Dagoberto abriu uma barraquinha de cachorro-quente em frente a uma das farmácias do pai em uma pequena cidade da Colômbia - a família tinha farmácias em três cidades da região de Chaparral. Tudo começou por causa da aversão que, ainda adolescente, Dagoberto sentia por fazer refeições fora de casa. “Comer em restaurantes era um pesadelo para mim, então minha mãe começou a me ensinar umas coisas um pouco mais elaboradas para eu poder cozinhar”. Naquela época, os pratos elaborados preparados por ele, eram os populares cachorros-quentes, sanduíches e pizzas. O prazer em cozinhar cresceu e, como resultado, as barraquinhas de lanches ficaram abertas por dois anos e foram sucesso. “Ganhava muito bem, mais do que deveria ganhar uma criança”, lembra.

Os planos continuaram e, aos 16 anos, abriu uma pizzaria em sociedade com o pai e, mesmo com a clientela crescendo, o local “era um ótimo negócio” mais por ser um lugar oficial para reunir os amigos.  Depois, veio um restaurante, uma lanchonete na capital Bogotá e outra pizzaria.

<p>Dabogerto Torres cuida da cozinha do Suri com a ajuda de mais dois cozinheiros</p>
Dabogerto Torres cuida da cozinha do Suri com a ajuda de mais dois cozinheiros
Foto: Marcelo Pereira / Terra
<p>O Suri surgiu da ideia de Dagoberto de montar uma cevicheria em São Paulo, que foi abraçada por quatro sócios, que ele conheceu quando chegou ao aeroporto</p>
O Suri surgiu da ideia de Dagoberto de montar uma cevicheria em São Paulo, que foi abraçada por quatro sócios, que ele conheceu quando chegou ao aeroporto
Foto: Marcelo Pereira / Terra

No meio disso tudo, Dagoberto estava tentando se estabelecer em outras áreas. E arriscou! Começou três faculdades diferentes: administração de empresas, administração financeira e veterinária. Largou as três e a conclusão foi uma só. “Durante todo esse tempo a única coisa que eu não largava era a cozinha”.

Mesmo assim, “bateu o desespero”. A solução foi agradar os pais e pensar em se tornar médico. Mas, durante os estudos uma amiga abriu os olhos do futuro chef. “Ela disse: ‘Dago, como você é bobo. Você cozinha desde os 12 anos, você sempre esteve envolvido com isso, por que não tenta?”, comenta. O jeito foi prestar dois vestibulares e ver a decisão mais difícil da vida bater na porta. Aprovado em duas universidade públicas – uma de medicina, outra de gastronomia - teve que finalmente decidir.  “Talvez tenha sido a melhor escolha que eu fiz, que foi continuar no caminho da cozinha”, afirma.

Desde então, Dagoberto estava oficialmente dentro da gastronomia. Aos 21 anos, ele entrou na prestigiada universidade SENA, na Colômbia. A dedicação era exclusiva aos estudos, com uma rotina puxada de aulas desde o início da manhã até o fim da tarde.

Depois de graduado, mochila nas costas e foi atrás do sonho e da vontade de conhecer a culinária latino-americana. Foi no saguão do aeroporto que escolheu o Brasil como primeiro  destino.  “Já tinha referência de São Paulo como uma grande capital gastronômica da América, onde você podia ter contato com os grandes cozinheiros”.

Oito dias depois de ter chegado a capital paulista, conseguiu seu primeiro emprego, na cozinha do bar Posto 6, na Vila Madalena.  Sem falar nenhuma palavra em português, aprendeu tudo na cozinha. “Eles diziam: isto se chama panela, isto se chama faca. As pessoas perguntavam ‘ele é gringo?’ e eu respondia, ‘acho que sim, sou’”, lembra. Depois de mais de três anos em terras brasileiras, o português agora é afiado e, por incrível que pareça, falar o espanhol com os parentes na Colômbia é que tem feito Dagoberto enrolar a língua.

Objetivo: trabalhar no D.O.M.

Mas, outro objetivo guiava o colombiano. “Eu vim com um propósito meio definido que era fazer estágio no restaurante D.O.M. Eu tinha que passar por lá, de alguma forma”, enfatiza.

A missão parecia simples. Um dia bateu à porta do restaurante com a esperança de conseguir uma vaga, mas recebeu uma “má notícia”. A atendente informou que era preciso enviar uma carta de apresentação e esperar o processo seletivo por pelo menos seis meses, já que muitas pessoas também pediam uma chance. Mas, a surpresa chegou três dias depois com a ligação da mesma atendente perguntando se ele teria interesse em um estágio. “Foi muito rápido. Acho que quiseram dizer ‘olhe, vou dar uma oportunidade para ele já que ele veio até aqui”, diz.

Ficou por lá por pouco mais de um ano.  Primeiro, como estagiário, depois passou a trabalhar no buffet de eventos e, em seguida,  era um dos cozinheiros do menu degustação. Dagoberto garante que trabalhar no restaurante superou “muito mais” suas expectativas e que o aprendizado das teorias defendidas por Alex Atala foram mais importantes do que qualquer receita do chef que reproduzia. “A disciplina que se tem ali, o carinho pelo produtos brasileiros, é um respeito total pelo trabalho”.

Pensar na culinária como um todo, olhar para produtores como parte da cadeia foram algumas destas teorias que Dagoberto levou.  “Passar pelo D.O.M. foi o que me fez voltar novamente e olhar para o meu país e os países vizinhos”.  Com este novo olhar, mochila nas costas de novo e o chef partiu rumo ao Equador, Argentina, Bolívia e muitos outros países latinos.

<p>O restaurante mostra que o ceviche é um prato democrático, que aceita e agrega diferentes tipos de sabores</p>
O restaurante mostra que o ceviche é um prato democrático, que aceita e agrega diferentes tipos de sabores
Foto: Marcelo Pereira / Terra
<p>Cogumelos e mandioca são alguns dos ingredientes misturados aos ceviches da casa</p>
Cogumelos e mandioca são alguns dos ingredientes misturados aos ceviches da casa
Foto: Marcelo Pereira / Terra

O ceviche entra em cena

Apesar de pouco tempo no Brasil nesta primeira passagem por aqui, o premiado restaurante serviu de palco e “laboratório perfeito” para, até agora, a principal experiência gastronômica realizada por Dagoberto: trazer o ceviche para São Paulo. “O ceviche faz parte do dia a dia das pessoas de toda a América Latina, com exceção do Brasil. Eu, por exemplo, descobri que o ceviche não era colombiano com uns 18 anos”, comenta. O prato, basicamente feito com peixe cru, limão e pimenta, é originário do Peru, mas foi incorporado por toda a latino-américa. Percebendo que São Paulo, capital gastronômica da América, não tinha uma cevicheria decidiu começar o projeto.

Na cozinha do DOM, arriscava misturar ingredientes – que pedia emprestado do restaurante para usar em suas experiências - e contava com a ajuda dos colegas de trabalho para experimentarem os pratos.  “Foi lá que comecei a trabalhar no projeto do Suri”, lembra.

Alex Atala nunca experimentou nenhum desses ceviches, mas reparava nos testes que o colombiano fazia.  “O Alex é um grande chef e, apesar de trabalhar com ele, o via muito longe e, de alguma forma, eu também tentava passar totalmente desapercebido”, comenta. 

Mas, mesmo “nos cantos”, o aprendiz era imensamente influenciado por um dos melhores chefs do mundo. “Sempre que ele me mostrava algum prato, eu automaticamente já estava colocando aquilo no ceviche”. Uma dessas influências entrou no cardápio do Suri. Um caldo de cogumelos que Dagoberto repetiu inúmeras vezes no D.O.M. se tornou a inspiração de um dos ceviches, que também leva o ingrediente.

<p>O restaurante, com capacidade para pouco mais de 50 pessoas, tem decoração temática</p>
O restaurante, com capacidade para pouco mais de 50 pessoas, tem decoração temática
Foto: Marcelo Pereira / Terra

<p>O Suri Ceviche Bar foi aberto há três anos, em Pinheiros, na capital paulista</p>
O Suri Ceviche Bar foi aberto há três anos, em Pinheiros, na capital paulista
Foto: Marcelo Pereira / Terra

Suri: o sonho

O Suri Ceviche Bar foi inaugurado há três anos no bairro de Pinheiros, em São Paulo, em uma história de sucesso da segunda, e que promete ser longa, temporada de Dagoberto no Brasil. Depois de viajar pela Am. Latina e voltar para a Colômbia, onde abriu um restaurante de comida local, recebeu o contato de um amigo dizendo que um grupo de investidores gostou do projeto da cevicheria e gostaria de dar andamento ao restaurante. Sem conhecer ninguém, Dagoberto começou a trocar e-mails e telefonemas com o grupo de quatro sócios, até chegar ao Brasil para abrir o restaurante. “No dia em que cheguei, conheci todos os sócios no aeroporto. Eles me trouxeram para o Suri, que estava quase finalizado já. Acho que foi um jeito bem diferentes de começar um negócio”, diz.

No Suri, Dagoberto aplica uma culinária simples, usa somente forno e fogão, e mostra que o prato é, antes de tudo, democrático e que aceita uma infinidade de sabores. Além do costume colombiana, ingredientes brasileiros, como alho frito, entram na composição e, outros elementos ganham também destaque, como a mandioca e a banana. No entanto, o cardápio vai além do prato tradicional e traz outros alimentos típicos do países ao redor do Brasil.

Em um ambiente simples, simpático e acolhedor, o balcão fica no centro do salão e as pessoas acompanham de perto o desenrolar dos pratos. “Temos que mostrar que o ceviche é replicável. As pessoas que me veem cozinhando aqui no balcão, chegam e falam que isso é muito fácil de fazer. A maior parte da inspiração para os novos pratos do Suri vem dos meus clientes”, diz.

A visita

Com a ajuda de dois cozinheiros, Dagoberto toca a cozinha do Suri. Mas, foi justamente no dia em que nenhum deles foi trabalhar que o antigo chefe e admirado profissional apareceu no restaurante.  Alex Atala e sua família foram jantar no Suri “no pior dia possível”, diz Dagoberto.  “Logo que abrimos o restaurante, fui até o DOM convidá-lo para vir conhecer o Suri, mas ele disse ‘sabe que não vou a restaurantes, Dago”. Pronto, a história ficou por isso mesmo, até que anos depois ele apareceu. Feliz com a presença do chef, Dagoberto lamenta apenas não ter tido tempo de “dar a atenção que queria dar a ele”, lembra.

<p>O chef produz uma culinária simples e prioriza a qualidade dos ingredientes</p>
O chef produz uma culinária simples e prioriza a qualidade dos ingredientes
Foto: Marcelo Pereira / Terra
<p>Depois do ceviche, Dagoberto é um entusiasta da comida de rua e vê as barraquinhas como forma de divulgar a cultura local</p>
Depois do ceviche, Dagoberto é um entusiasta da comida de rua e vê as barraquinhas como forma de divulgar a cultura local
Foto: Marcelo Pereira / Terra

Comida de rua

Além da opinião dos clientes, a influência da comida de rua é outro ponto crucial na carreira e na vida de Dagoberto. Desde que voltou ao Brasil e tem se aventurado mais pelas ruas da cidade, tem experimentado diversos pratos e feitos amigos - durante toda a conversa ela cita histórias de vários vendedores de comida que conhece pelas esquinas. Além da paixão pela mandioca, o caldo de mocotó, o alho frito e o frango a passarinho lideram a lista de descobertas. “Como fanático pela comida de bar, conheci o frango a passarinho. Juro que foi viciante! Cada vez que via um boteco, entrava, comprava e, se não tivesse fome, guardava para experimentar mais tarde”, diz.

Mas, nem tudo agrada. Dagoberto não se satisfaz com o costume paulistano de comer pão com manteiga no café da manhã, já que na Colômbia, como manda a tradição, o desjejum é bem parecido com o almoço. "Eu não vou mais a padaria porque saio irritado, já vou começar o dia mal". Mas, foi no Pontal do Coruripe, em Alagoas, que ficou feliz da vida ao encontrar cuscuz e carne de panela no café da manhã.

Vindo de um país onde o costume de comer na rua é muito mais forte do que no Brasil, Dagoberto enxerga que por aqui é possível fazer muito pelos vendedores e consumidores. A começar, pelo incentivo governamental em viabilizar a venda e o consumo dos produtos. “A rua, para mim, é a carta de apresentação da cidade. Em países como Peru e México, por exemplo, as pessoas veem a comida de rua não como um cara que está se apropriando de um espaço público, mas como alguém que está promovendo a cultura local”.

Fonte: Terra
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