Abelhas além do mel: criadores e chefs fazem alerta para risco de extinção
Elas nunca estiveram tão em alta na cozinha; veja como esses insetos podem melhorar a qualidade do que comemos e bebemos
Sob risco de extinção, as abelhas nunca estiveram tão em alta nas rodas gastronômicas, pautando iniciativas em startups, como Agrobee, e grandes marcas, como a Nescafé.
Pois a MBee, especializada em meles de abelhas nativas e de Apis mellifera - presente em mais de 450 cozinhas -, levanta a bandeira do mel como ingrediente e destaca a importância do seu consumo para a preservação desses insetos. "O Brasil é um dos maiores exportadores de mel do mundo, mas o consumo no País ainda é baixíssimo, porque as pessoas tendem a enxergar o mel como remédio. Quando introduzimos os meles nos restaurantes, principalmente os nativos, abrimos a consciência das pessoas para seu potencial gastronômico e para a existência de mais de 300 espécies de abelhas", cravam Márcia e Eugênio Basile, sócios da MBee.
"Quanto mais gente consumir mel, mais apicultores e meliponicultores (criadores de abelhas nativas sem ferrão) vão surgir, preservando, assim, muitas espécies que estão em risco de extinção."
Um exemplo prático - e que a dupla se orgulha de contar - é o da abelha nativa emerina, cujo mel já era difícil de encontrar, quiçá fornecer para restaurantes. Com um potinho em mãos, Eugênio levou esse mel até Ivan Ralston para que o chef experimentasse, apenas a título de curiosidade. "Quero usar no Tuju!", devolveu o cozinheiro.
Quando ouviu que seria impossível, já que era uma abelha que quase ninguém mais criava, teimoso que só, Ivan desafiou Eugênio: "Pois, então, viabilize essa produção, que eu compro o que for preciso". Hoje, a MBee conta com quatro criadores de emerina, que fornecem cerca de 75 quilos desse mel por ano.
Com doçura muito baixa e alta acidez, com notas de limão e resina, esse mel, supercomplexo, é indicado para incrementar pratos salgados. Mas não na cozinha de Raphael Vieira, do 31 Restaurante, que criou um sorvete com esse "ouro líquido", como a MBee define os meles de abelhas nativas. "É campeão de pedidos do cardápio à la carte", comenta o chef.
A polinização das abelhas
Além dos diversos meles, própolis e pólens, a contribuição gastronômica das abelhas vai além do que os olhos menos atentos conseguem ver. "Costumo falar que a atividade mais importante das abelhas não é a produção de mel, mas, sim, os frutos que elas geram com a polinização", afirma Eugênio. Diversas plantas precisam de um agente para polinizar suas flores - cerca de 70% dos cultivos agrícolas dependem, em algum grau, da polinização das abelhas.
De olho nisso, a Agrobee tem conectado produtores rurais a criadores de abelhas, que alugam caixas de colmeias de Apis mellifera - aquela abelha mais famosa, com ferrão e listrinhas pretas e amarelas - para que elas polinizem a lavoura em questão durante a florada.
Parceira da startup, a Nescafé adota o chamado sistema de polinização assistida em cafezais por todo o País - são de mais 100 hectares, espalhados pela Bahia, Chapada Diamantina e Cerrado Mineiro. Os grãos cultivados se destinam à nova linha Origens do Brasil Colmeia, de café especial torrado e moído, que chega às prateleiras juntamente com um potinho do mel de flor de café, que as abelhas produzem enquanto estão alocadas nos cafezais. Com a presença das abelhas, além da maior produtividade, os pés de café produzem grãos maiores e de melhor qualidade.
Mas, olhe só, apenas lavouras que dispensam o uso de agrotóxicos (ou que usem compostos de baixa toxicidade) podem receber colmeias, já que as abelhas são extremamente sensíveis. "Ter lavouras com polinização feita por abelhas pode ser um indicativo de manejo ecológico e saudável", ressalta o especialista Ensei Neto, autor do blog Um Café para Dividir, publicado pelo Paladar.
O polêmico mel de laboratório
Apicultores e meliponicultores brasileiros ficaram em polvorosa com um vídeo que viralizou recentemente na internet sobre o "mel" produzido pela israelense Bee-io, que "parece mel, tem cheiro de mel, gosto de mel, mas não vem de uma abelha". O tal líquido seria produzido em laboratório, a partir do néctar de flores e da proteína extraída do estômago da abelha, com o intuito de "salvar a existência desses insetos".
Em resposta, produtores de mel, como a MBee, Heborá e Tupyguá, além de representantes de entidades de preservação das abelhas, como a SOS Abelhas Sem Ferrão, gravaram outro vídeo, "para combater a desinformação sobre as abelhas e os seus produtos".
"Esse vídeo parte da premissa equivocada de que produzir mel explora as abelhas, quando o que tem salvado muitas espécies é a própria atividade de criação", alerta Andrea Barrichello, da Beeliving, de Parelheiros. "O que mata as abelhas é o sistema agrícola convencional baseado em monocultura e o uso abusivo de agrotóxicos", complementa a bióloga e doutora em polinização Juliana Feres, da Heborá.
"A solução mais simples e eficaz para salvar as abelhas é recuperarmos as áreas de mata degradadas (para fornecer alimento e biodiversidade às abelhas) e produzir nosso alimento sem o uso de agrotóxicos", rebate Bárbara Tupiniquim, da Tupyguá.