'A melhor forma de desintoxicação é o jejum', diz Bela Gil
Chef e nutricionista, irmã de Preta Gil é contra dietas que aceleram o metabolismo e recomenda apenas 3 refeições diárias
Bela Gil cresceu em uma casa onde o tema alimentação macrobiótica era algo frequente, e onde o pai, o músico Gilberto Gil, seguia uma dieta à base de alimentos naturais: muito arroz integral, muito tofu. Mas ao mesmo tempo em que a atenção sobre o assunto era grande, a censura, como já era de se esperar, não era algo tolerado: os filhos podiam comer o que tinham vontade.
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Até a adolescência, seguiu assim, sem muito critério. Até se deparar com a ioga e repensar sua relação com a comida. Neste momento, teve um reencontro com as referências deixada pelo pai e assumiu o seu amor pelo tema.
Bela morou por sete anos em Nova York, e se tornou chef e nutricionista formada pela Hunter College. No início deste mês, estreou no canal pago GNT “Bela Cozinha”, em que recebe convidados famosos como Carolina Dieckmann, Mariana Ximenes e a própria irmã, Preta Gil, propondo a mudança de hábitos alimentares com receitas saudáveis e criativas.
Medicina alternativa, veganismo, vegetarianismo, ayurveda e macrobiótica estão entre as suas linhas de estudo. Apesar de não ter enveredado para a música, ou para a política, como parte da família, ela não economiza nas palavras quando o assunto alimentação no Brasil entra em uma esfera um pouco mais profunda. “Poderíamos estar bem melhor se tivéssemos um incentivo do governo para isso. Um produto orgânico hoje em dia é bem mais caro do que o normal. Os produtores locais não têm apoio. Mas saúde não dá grana para ninguém, né?”, observa.
Ela também não se importa com a possível reação negativa que suas ideias, contrárias às mais tradicionais, pode causar. “Isso não me incomoda porque eu estou aqui para espalhar mais conhecimento, mostrar outro caminho. Não é o contra, como as pessoas pregam.”
Você acredita que comer de três em três horas faz bem? Que tomar 3 litros de água é essencial para o bom funcionamento do organismo? Que fruta nunca é demais no inverno, na prevenção de doenças? Repense. “Não quero acelerar meu metabolismo. Uma máquina que trabalha menos tem mais tempo de vida do que uma máquina que trabalha muito”, propõe a nutricionista. Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Terra.
Terra: Qual a influência da sua família, e especialmente do seu pai, na sua relação com a alimentação?
Bela Gil: Desde pequena a gente tinha uma boa alimentação, comia de tudo e não se proibia nada dentro de casa. Mas crescemos vendo ele (Gilberto Gil) comer coisas mais saudáveis, como tofu arroz e integral. Isso não me influenciou até minha adolescência, quando descobri a ioga. Foi quando olhei para a alimentação de um jeito diferente, quando entendi de verdade a alimentação do meu pai, que me influenciou bastante depois disso. Conversei muito com ele e passei a entender.
Terra: Sua irmã, Preta Gil, passou por uma reeducação em rede nacional para cuidar dos excessos da alimentação e falta de exercícios físicos. Se vocês foram criadas da mesma forma, o que explica terem uma relação tão diferente com a comida?
B.G.: A Preta é bem mais velha que eu, e somos filhas de mães diferentes, mas ela cresceu em uma casa com alimentação macrobiótica, teve até mais acesso que eu. Mas como eu disse, na adolescência a ioga me despertou uma consciência em geral, ela não teve isso.
As pessoas são diferentes, eu mesmo tenho outro irmão que é viciado em doce e refrigerante, que hoje em dia está se desintoxicando. O que me diferenciou dos outros irmãos foi a ioga. Mas a criação facilita muito, eu sempre gostei muito de vegetais, então ter que tirar as besteiras e colocar mais vegetais não foi difícil. Pra Preta foi muito difícil.
Terra: Então você acha que ainda que dois irmãos tenham a mesma educação alimentar, podem ter caminhos diferentes com a comida?
B.G.:
Eu na verdade tive uma mudança de paladar, uma reeducação. E ela está passando por este processo agora. Estes dias uns amigos dela, para sacanear, colocaram em um quarto de hotel que ela estava uma torta de maracujá, que é uma coisa que ela gosta. Ela foi comer e não conseguiu, achou muito açucarado.
Terra: Você disse em entrevista que comer frutas no inverno pode aumentar o risco de gripe. Qual seria a explicação para isso?
B.G.: A fruta é ótima, mas ela é ótima até um determinado ponto, até uma determinada quantidade. Tem vários fatores que influenciam o consumo da fruta na nossa alimentação, não tem a ver com a quantidade. A fruta tem muito açúcar, se você toma muito suco, por exemplo, não é legal, pela frutose.
Segundo que a fruta tem uma energia muito fria pelos conceitos da nutrição holística, da macrobiótica e da ayurveda, que acredita na energia dos alimentos e do corpo. A fruta tem energia fria e o inverno também. Os dois combinados provocam o resfriamento no nosso corpo. Eu tenho exemplos clínicos de pacientes crianças que cortaram o leite e a fruta e a criança parou de ficar resfriada, então é maior a questão.
Terra: Mas o que se o que as correntes mais tradicionais pregam é justamente o contrário, é o consumo de frutas para proteger o corpo, este baixo consumo no inverno não deixaria um déficit nutricional no corpo?
B.G.: Não, você pode fazer uma maçã no forno, uma compota. Você não fica com déficit de nenhuma vitamina que os vegetais possam te trazer.
Terra: Você também já disse que beber muita água pode não ser um bom hábito e contribuir para a retenção de líquido. Por que você afirma isso?
B.G.:
Quando eu falei isso, falei em um contexto. Quando estamos com sede é uma forma de o corpo manifestar a desidratação, mas eu sou contra essa coisa de ficar tomando água o dia inteiro sem o corpo pedir. A gente tem que aprender a ouvir e respeitar o corpo, tomar água sim, mas quando tiver com sede. Água demais, como qualquer coisa em excesso, faz mal.
Muitas pessoas falam que é preciso tomar três litros de água por dia, mas isso vai depender de muita coisa. Se você mora em um lugar mais quente, e faz mais exercício, vai precisar de mais água. E isso depende também do que você come, porque tem muitas frutas e vegetais que são ricos em água. Então não gosto de rotular ‘tome três litros de água por dia’, é preciso seguir os mecanismos do corpo.
Terra: Você é contra o hábito de comer em três em três horas, outro conceito muito difundido na área de nutrição. Qual é o seu argumento?
B.G.: A primeira coisa que as pessoas dizem é que comer de três em três horas acelera o metabolismo. Mas eu não quero acelerar meu metabolismo, porque o metabolismo mais lento faz você ganhar longevidade. Uma máquina que trabalha menos tem mais tempo de vida do que uma máquina que trabalha muito.
Obviamente quem tem problemas metabólicos precisa comer de três em três horas e ter uma rotina alimentar muito mais firme. Mas fora isso, não tem porque fazer o corpo trabalhar toda hora. Seria como varrer o chão e jogar sujeira ao mesmo tempo. Você precisa dar um tempo para ele se limpar, se desintoxicar. E a melhor forma de desintoxicação é o jejum.
Terra: E de quanto tempo é o jejum que você propõe?
B.G.: As pessoas devem jejuar entre as refeições. Se fizer o café da manha às 9h, o almoço às 13h e o jantar às 19h é um bom cronograma. Tudo depende do tipo da pessoa, não tenho muitas recomendações gerais, porque temos que excluir as pessoas com problemas metabólicos por exemplo deste jejum.
Terra: E dá para ficar tanto tempo sem comer?
B.G.:
O corpo acostuma. E você pode comer sim, uma bolacha de arroz, amêndoas, uma fruta. A fruta é ótima para ser consumida entre as refeições, não deve ser consumida junto com a comida ou como sobremesa.
Terra: Por quê?
B.G.: Porque ela dificulta a digestão. Então quando você come com a comida, ela vai ser digerida mais rápido e acabar atrapalhando a digestão dos outros alimentos. Ou seja, um atrapalha o outro.
Terra: Você já disse também que “não conta caloria”, mas as calorias acabam servindo com um parâmetro para muita gente. O que você propõe?
B.G.: Eu não conto caloria porque acho que nenhuma caloria é igual, 100 calorias de chocolate não são iguais as 100 calorias de brócolis. As pessoas não vão mais afundo, para saber a diferença de como o alimento é digerido no seu organismo. As calorias não são iguais e os efeitos dela no nosso corpo não são iguais.
Gosto muito de falar da densidade nutricional dos alimentos. O brócolis por exemplo é muito mais denso do que um refrigerante, que não te dá nada. Se você come comidas com bastante densidade nutricional , como vegetais, frutas e grãos, você não tem que se preocupar porque no geral elas tem poucas calorias e você vai ficar saciada antes de engordar.
Terra: Você já sofreu muita crítica por ir na contramão do que muitos nutricionistas pregam?
B.G.:
Não me trouxe nenhuma critica. Às vezes sai alguma coisa em rede social, pois hoje as pessoas falam o que querem e como querem, e fazem comentários que não são bem-vindos. Isso não me incomoda porque eu estou aqui para espalhar mais conhecimento, mostrar outro caminho. Não é o contra, como as pessoas pregam.
Com o programa, não tive nenhum comentário ruim, pelo contrário, estão demandando muito essa busca por uma alimentação mais saudável. Tive mais de 1 mil comentários e nenhum foi ruim.
A repercussão foi muito boa. As pessoas estão precisando dessa informação, porque tem muito a questão da moda, das coisas rápidas. A mídia é muito imediatista, querem dicas rápidas. Meu foco é saúde, a dieta para mim é uma dieta de vida e de saúde. Emagrecimento é uma consequência, e não o foco.
Terra: Muitas pessoas reclamam que para ser saudável é preciso ter dinheiro, já que poucas pessoas têm à mão uma nutricionista e uma cozinheira. Você acha que é possível ser saudável mesmo sem essas condições?
B.G.: Dá para ser saudável, mas infelizmente poderíamos estar bem melhor se tivéssemos um incentivo do governo para isso. Um produto orgânico hoje em dia é bem mais caro do que o normal. Os produtores locais não têm apoio. Acho que primeiramente tinha que ter um apoio governamental. Mas saúde não dá grana para ninguém, né? Ninguém quer saber.
Mas fora isso, eu acho que dá para a gente viver comendo bem, comendo comida de verdade. Uma pessoa consegue comprar um arroz, um feijão e legumes para fazer para uma família. E o arroz e feijão alimenta mais pessoas com menos dinheiro do que comprar um sanduíche.
Hoje é assim, quando se ganha um pouquinho mais de dinheiro já leva os filhos no para o fast food. Temos que voltar à comida de verdade. O que encarece uma alimentação são os as comidas processadas e industrializadas. Mas ninguém quer abrir mão de uma pizza por arroz e feijão.
Terra: Outra queixa comum de quem procura ter uma alimentação saudável, mas não consegue, é a falta de tempo. Tem solução?
B.G.:
Tem coisas que você pode fazer para ajudar nisso. Você pode chegar da feira e já lavar os vegetais, as frutas e deixar tudo na geladeira, assim quando chegar em casa é só cortar. Você pode cozinhar o feijão e congelar, ou cozinhar o arroz e já deixar na geladeira, que ele aguenta por dois, três dias.
Ser saudável é um estilo de vida. Você tem que se conectar. Não necessariamente precisa amar cozinhar, mas tem que ter contato com a comida, senão fica sempre a mesma desculpa ‘não gosto de cozinhar’.
Terra: O que você recomendaria para as pessoas que querem adotar uma alimentação mais equilibrada?
B.G.:
A recomendação é sempre comer mais comida, menos produtos industrializados. O estímulo tem que vir de dentro, você tem que fazer coisas que te estimule a comer melhor.
Fazer exercício faz você comer melhor, isso é certo. Converse mais sobre isso, busque mais informações. O conhecimento traz a vontade de mudar.
Se você não come nada de legal, tente colocar pelo menos um verde no prato. Comece aos poucos, com semente de linhaça, que é rica em ômega 3, e com os verdes, espinafre, couve. Se você não faz nada, adicionar pelo menos uma vez ao dia já é uma grande coisa.