Tudo o que você precisa saber para ter uma alimentação ayurvédica
A ciência milenar indiana olha para a alimentação como uma ferramenta de autoconhecimento e autocuidado
Você com certeza já ouviu falar sobre o ayurveda - a filosofia medicinal originária da Índia. Um dos seus principais pilares é uma visão integrativa do organismo - ou seja, analisá-lo por inteiro - e, nisso, a alimentação se torna uma ferramenta importantíssima. É por isso que a alimentação ayurvédica é uma vertente completa no ayurveda.
O QUE É AYURVEDA?
Para entendermos melhor a alimentação ayurvédica, vale a pena darmos um passo atrás para relembrarmos o que é o ayurveda. "É uma ciência milenar que, em sânscrito, significa: ayur - vida, e veda - ciência/conhecimento. Portanto, ayurveda traz conhecimentos práticos e filosóficos sobre saúde e bem-estar", explica Renata Serena , terapeuta ayurveda especialista em gastronomia consciente.
O ayurveda, ela explica, é considerado um dos sistemas medicinais mais antigos a ser continuamente praticado no mundo e, hoje, é apoiado por um sistema de saúde governamental na Índia e no Nepal, e também reconhecido pela sua importância e eficácia pelo Ministério da Saúde brasileiro e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
"Ayurveda é a ciência do corpo, da mente e do espírito, e incorpora uma filosofia baseada na (auto)consciência para trazer harmonia e equilíbrio para todas as áreas da sua vida", continua. "Um sistema único embasado nas leis primárias da natureza. É uma medicina holística e natural que considera a filosofia 'yatha pinde tatha bramhande', que significa: 'assim como no macro-cosmo, é o micro-cosmo'. Afinal, somos todos um."
Por isso, Renata explica que a filosofia é uma ferramenta incrível de conhecimento e de autoconhecimento, que pode ser explorada diariamente pela arte da auto-observação e da presença consciente - para ela, o ayurveda é um esforço de observação incansável da realidade.
ALIMENTAÇÃO AYURVÉDICA
Agora que já estabelecemos a base do ayurveda, hora de olharmos, especificamente, para a alimentação. Segundo Renata, a alimentação ayurvédica reconhece que cada ser humano nasce com combinações únicas de doshas (ou energias), e esse equilíbrio natural é responsável pela diferença física, mental e emocional entre as pessoas.
"Compreender essa singularidade energética, seu momento de vida e cruzar estas informações com a estação que estamos é chave para acessarmos a inteligência por trás desta filosofia no que diz respeito ao alimento", diz a profissional. "Assim como escolher a qualidade e quantidade dos alimentos a serem ingeridos dependem de inúmeros fatores, como nosso poder de digestão, estado de saúde geral, estado emocional, características no ambiente em que moramos, entre outros."
A partir do momento que compreendemos que não estamos isolados do meio, que fazemos parte de um todo maior e aprendemos a relacionar os ciclos da natureza com os ciclos do corpo, alcançaremos saúde, bem-estar e longevidade.
"Neste sentido a alimentação ayurveda é um dos pilares dentro desta Ciência (junto com o Sono e Celibato), que pode ajudar cada pessoa a criar seu próprio estado de saúde ideal", diz.
DIETA OCIDENTAL X ALIMENTAÇÃO AYURVÉDICA
O objetivo primordial da alimentação ayurvédica é colaborar para o equilíbrio entre o corpo físico, a mente, a alma e a energia vital (chamada prana).
"A boa saúde (física, mental, de alma e energia vital) é uma consequência de tal equilíbrio. E aqui já podemos destacar uma visão amplificada e integrativa do papel do alimento quando comparado a uma dieta ocidental", explica Renata. "A medicina milenar do Ayurveda entende que o 'alimento' é considerado remédio ou veneno dependendo da dose. E quando usado como remédio tem o poder de atuar em disfunções do nosso corpo, da mente, reverter sintomas e doenças, assim como prevenir patologias no longo prazo, além de aumentar a qualidade e expectativa de vida de um indivíduo."
Outra característica dessa chamada ciência é a visão e utilização dos ciclos circadianos e da sazonalidade como elementos que determinarão como e o que comer - por exemplo, no ayurveda, a alimentação do verão jamais será igual a do inverno, e entre outono e primavera também existem adaptações.
"Prestar atenção ao que se come, portanto, é um dos pilares para obter saúde física, psicológica e espiritual", completa.
BENEFÍCIOS DA ALIMENTAÇÃO AYURVÉDICA
"Podemos dizer que além de preconizar a busca pela consciência e bem-estar, foca na longevidade sem o desenvolvimento de doenças e uma maior conexão do nosso corpo e mente às necessidades vividas por ele", explica Renata.
Se parece difícil compreender como isso funciona, a profissional elenca outros importantes benefícios da alimentação pautada no ayurveda. Por exemplo:
- Ajuda a restaurar e manter um metabolismo forte (agni)
- Elimina ama - toxinas presentes em nosso corpo físico e mental
- Reduz o estresse e riscos de burnouts
- Retarda o processo de envelhecimento
- Aumenta os níveis de imunidade do corpo
- Melhora a força, resistência e vitalidade
- Aumenta o nível de felicidade e conexão
- Melhora a qualidade do sono e o intestino
- Proporciona maior nível de disposição e foco
Isso significa que pessoas que sofrem de fadiga, falta de foco ou energia, letargia após comer, qualquer tipo de indigestão, gases, inchaço, dores de cabeça ou dores em geral e irritabilidade sem motivo aparente podem se beneficiar de uma alimentação como essa.
COMO COMEÇAR NA ALIMENTAÇÃO AYURVÉDICA?
Primeiro de tudo, Renata explica que aderir ao ayurveda é ser corajoso, porque a filosofia é diferente de tudo o que aprendemos até agora.
"É entender que seu corpo depende de você e da sua relação com o ambiente e com o todo. É dormir a quantidade necessária de horas, se movimentar todos os dias, comer o que supre suas necessidades e sabendo guardar o silêncio restaurador necessário para abrir espaço", diz. "O sistema de alimentação ayurvédico, se analisado, é um sistema simples e inteligente e pode ser implementado por todos aqueles que buscam melhora na qualidade de vida e autoconhecimento."
Para a profissional, a principal questão dos dias de hoje é vivermos uma cultura que, primeiro, ainda cultua corpos muito magros e definidos e, segundo, oferece uma quantidade infindável de alimentos industrialmente produzidos e regras de alimentação que devem ou não ser seguidas (e que mudam o tempo inteiro).
"O problema é que a cultura da dieta desregula nossos controles internos, nos desconecta de nossas necessidades e gera compulsão. Numa visão ayurvédica, a alimentação deveria estar pautada na compreensão das necessidades do nosso corpo, mente e alma, da sua fome e da sua digestão", conta.
Por isso, um primeiro passo é observar a capacidade do corpo de absorver alimentos - e, entre comer e absorver, existe uma etapa chamada agni, a nossa capacidade de digerir um alimento, um pensamento, uma fala, um acontecimento… enfim, tudo aquilo que experienciamos.
"Quem se alimenta e não 'absorve o que comeu' forma toxinas (denominadas no Ayurveda de ama), que são os produtos que o seu corpo não usou e acumulou e que estão atrapalhando o seu bom funcionamento. No Ayurveda, uma pessoa saudável deveria comer duas vezes ao dia, com um intervalo de aproximadamente seis horas", explica. "Note que isso varia muito de acordo com o seu estilo de vida e constituição corporal."
A ideia tem a ver com dar o tempo para a digestão da refeição ocorrer completamente antes de comer de novo. Ah, e antes que a dúvida surja: não tem problema comer três vezes ao dia, apenas se atente para respeitar o sinal da presença da fome física entre uma refeição e outra.
"Ter consciência e presença para comer é o ato de retomar a conexão consigo próprio. Um ato de auto-amor. Observe se está comendo seu ovo cozido porque realmente tem fome, ou se é por tédio, por ansiedade, por vontade de fugir de uma situação, ou por alguma convenção social. Afinal, quando se sente exausto e sem energia, você precisa de uma pizza e uma cerveja ou de uma cama gostosa e uma boa noite de sono? Seu dia hoje foi estressante e triste, você precisa de um chocolate ou de um abraço?", questiona a terapeuta.
"VAMOS PARA A PRÁTICA?"
Algumas mudanças que você já pode começar a implementar são:
- Coma apenas quando tiver fome
- Busque alimentos de verdade e disponíveis na estação
- Pratique o hábito de se observar e sentir fome e, então, coma
- Coma apenas a quantidade necessária para saciar a sua fome física
- Permita "espaço" para digerir completamente o que foi ofertado ao corpo
- Respeite o ciclo circadiano, deixando a refeição mais importante para o almoço, e encerrando a última refeição, menor e mais fácil de digerir, ao entardecer
ALIMENTAÇÃO AYURVÉDICA E AS ESTAÇÕES DO ANO
Comentamos, alguns parágrafos acima, como a alimentação não se mantém igual ao longo do ano no ayurveda. As mudanças de estação são momentos de renovação para essa ciência, e devemos oferecer ao nosso corpo uma "parada técnica" para reorganizarmos o organismo - assim como fazem as plantas e os animais.
"Trata-se de um período auspicioso para o autocuidado, nos adaptando às mudanças da estação, mantendo nosso calor interno (agni) e imunidade altos para prevenir doenças, re-equilibrando nosso corpo, mente e espírito, propiciando um campo fértil para o despertar da saúde", elabora Renata.
Neste sentido, a alimentação nas transições das estações deve ser feita para preparar o corpo para que ele esteja apto a entrar na nova estação na sua melhor potência metabólica.
Ou seja, esse é um cuidado preventivo em que podemos implementar ajustes nas escolhas dos alimentos, práticas e rotinas, e amenizarmos os efeitos indesejados causados pela mudança do clima e desequilíbrios do nosso corpo, prevenindo o acúmulo de toxinas e desenvolvimento de doenças.
"AYURVEDA NA PRIMAVERA"
Agora estamos entrando na primavera, o que significa que esse é um momento de florescimento e renovação, de revitalização, para a natureza.
Os dias vão ficando mais quentes, estimulando o movimento da terra, e o brotar das sementes que se recolheram no solo durante o inverno, buscando agora um ambiente limpo, nutritivo e confortável para poderem crescer.
É a melhor estação do ano para a desintoxicação, transformação e criação de novos hábitos, aproveitando o fluxo de energia renovadora que a terra emana naturalmente nesta estação.
O agni - nosso fogo digestivo - está enfraquecido e nosso corpo pesado, pedindo uma alimentação mais leve para que possamos limpar os acúmulos e excessos do inverno.
Hora de fortalecer nossa digestão, de perder peso e toxinas acumuladas, re-equilibrando corpo, mente e espírito, revisitando escolhas através de práticas depurativas que nos permitam deixar para trás o que não nos pertence mais, abrir espaço e criar um ambiente interno fértil para a nova vida que queremos receber e brindar.
Ao deixarmos de lado estes pequenos ajustes que a chegada da estação pede, nosso corpo enfraquece, promovendo o acúmulo de toxinas e perda da potência máxima metabólica.