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Chefs contam como é combater o machismo trabalhando em restaurantes

Cafira Foz, Mariana Sciotti e Telma Shiraishi mostram que mulheres no comando contribuem para um ambiente mais diverso e acolhedor

9 mar 2023 - 12h14
(atualizado às 12h24)
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Foto: Taba Benedicto/Estadão

Como sabemos, ainda falta muito para o mundo atingir a paridade entre homens e mulheres. O Dia Internacional das Mulheres foi ontem (08), mas relembrar a luta por mais equidade, respeito e direitos femininos em todas as áreas deve conviver conosco todos os dias.

Nas cozinhas não é diferente. Mas, embora o papel de cozinheiras tenha desde sempre estado com as mulheres no ambiente doméstico, quando falamos de profissionalização em restaurantes, muitas vezes elas seguem invisibilizadas.

Segundo mostrou um estudo realizado pela revista internacional 'Chef's Pencil', em 2022, apenas 6% dos restaurantes considerados os melhores do mundo são comandados por mulheres. A análise considerou 2.286 restaurantes com estrela Michelin em 16 países, assim como os 100 melhores estabelecimentos do mundo classificados pelo grupo 'The World's 50 Best' no último ano.

Felizmente, assim como no mundo, no Brasil, o cenário das mulheres na gastronomia vem mudando, ainda que a passos lentos. Nesta semana em que foi comemorado o Dia da Mulher, o Guia Michelin, em sua premiação, reconheceu o espaço que elas vêm conquistando e que isso precisa ser celebrado. No topo da lista, as mulheres ainda são raras, salvo quando são citadas ao lado do marido. Este ano, porém, Georgiana Viou, nascida no Benin, recebeu sua primeira estrela sozinha com o restaurante Rouge, em Nîmes.

Liderança

Indo um pouco no sentido oposto, Cafira Foz, 38, chef e proprietária do Fitó, decidiu trabalhar, desde que abriu seu restaurante, apenas com mulheres. Foi numa viagem à França ao lado do ex-namorado e ainda sócio, que ela descobriu que queria comandar uma cozinha. "Fiquei muito emocionada com as experiências gastronômicas. Quando voltamos, comecei a estudar, conhecer as técnicas, cozinhar muito e, quatro anos depois, abrimos", conta.

"Talvez por ter essa vivência e aprendido sozinha, aqui nesta cozinha, que foi a primeira que entrei, eu tenha demorado para me reconhecer como chef", conta. "Teve um profissional conhecido inclusive, que quando abrimos o Fitó, disse que "a comida era boa, mas era comida que se fazia 'para marido'. Pensei que devia ser muito difícil para um homem privilegiado ver uma mulher nordestina abrir um restaurante e fazer sucesso. Foi na pandemia que essa chave virou. "Neste lugar de urgência e privação eu consegui dar a volta por cima, manter meu restaurante e o meu pessoal. Claro que a técnica é importante, mas acho que ainda estamos presas a uma certa validação de uma escola, principalmente estrangeira, e da classe, para existirmos como profissionais."

Desde o início, para Cafira sempre fez mais sentido estar envolvida em questões importantes. "Entrar no meu restaurante e ver como clientes homens, mulheres, pessoas idosas, LGBTQ, pretas e diversas, sempre foi primordial. Se por um lado eu queria ter essa validação como chef, eu sentia que este era o meu caminho", conta.

Cafira conta que foi criada por sua avó, em um ambiente muito feminino, de mulheres muito fortes. "Sempre tive a perspectiva de que a vida para nós é mais difícil. Quando saí de casa, sentia essa dificuldade, mas achava que era um problema só meu", lembra. "Quando abri o restaurante, quis sair desse lugar de submissão, de sempre ter de responder aos homens. Mas onde estavam as mulheres das cozinhas? Elas sempre estiveram naquele lugar de chamariz, de hostess. As pesquisas mostram que as mulheres são responsáveis pelo gerenciamento das casas, mas quando isso vira profissão, pouquíssimas estão no comando. E as equipes têm pouca equidade de gênero", analisa.

Hoje, seis anos depois, ela se orgulha do modelo de negócio que comanda. No bar, no salão e na cozinha, ela conta com uma equipe de 35 funcionárias. Como o mercado geral brasileiro não contempla as necessidades femininas, as chefs criam seus próprios modelos de administração. Assim como Mari Sciotti, Cafira também traz um lado mais humano no dia a dia. "As mulheres, e eu inclusive, preciso de um ambiente sadio para trabalhar. As pessoas atribuem o lugar do chefe ao de uma pessoa que não sente dor, que não chora. As mulheres são sempre questionadas sobre suas atitudes, inclusive fora da vida profissional", diz. "Neste processo, construímos uma cultura empresarial que dá acesso às funcionárias a terapia e ginástica, fazemos rodas de conversas mensais com algum tema, fazemos pesquisa de clima, curso e estamos começando a ter um plano de carreira. Ainda não é o mundo perfeito, mas tenho buscado cuidar do bem-estar das pessoas, que assim como eu, têm suas vidas e dores pessoais e que precisam estar inteiras também como profissionais", conta.

Quando perguntada se há vantagens ou desvantagens em trabalhar com mulheres, Cafira é categórica. "Eu só vejo coisa boa. Eu nunca trabalhei com homens e não tenho vontade. Não que eu os odeie. Claro que na vida eu me relaciono, faço parcerias etc. Mas no projeto Fitó, trabalho apenas com mulheres – da agência de marketing à agricultura que fornece insumos para o restaurante. E também vejo um movimento bonito de chefs mulheres fazendo trabalhos juntas. Isso é realmente incrível."

Quebra de barreiras

Na cultura japonesa, quem geralmente ocupa lugares de destaque são os homens. Inclusive na gastronomia, onde eles comandam os restaurantes mais requintados e tradicionais. A chef Telma Shiraishi, do Aizomê, 53 anos, conta que, no Japão, pouquíssimas mulheres conseguem exercer a profissão da maneira como conhecemos. Elas são donas de restaurantes, mas são negócios pequenos e que servem uma culinária mais caseira.

Assim, Telma se destaca tanto por ser uma chef mulher como por ser dona da sua própria casa, que há 16 anos pratica uma culinária japonesa tradicional. O Aizomê começou como um restaurante pequenino, quase como um Izakaya, os bares japoneses, frequentados por executivos. Depois de cinco anos, Telma se viu sozinha, os outros dois parceiros deixaram a sociedade. "Imagine, uma brasileira, neta de imigrantes, sozinha, tocando um restaurante japonês, com toda a responsabilidade de atender uma clientela muito exigente", lembra.

Telma conta que os comentários depreciativos logo vieram e comandar uma cozinha não foi fácil. "Foi muito desafiado por parte dos clientes e da equipe, que eu tive de trocar várias vezes. Alguns não aceitavam ser liderados por uma mulher, outros achavam que eu não ia dar conta e deveria ficar na parte administrativa. Ouvia muito que o Aizomê não daria mais certo, que como era comandado por uma mulher já era", conta. "Durante uns dois anos, tive de me provar, mostrando que tinha seriedade, qualidade e sabores do Japão, que era o que eu pensava desde início. Com o tempo, eu consegui mudar a cultura. Hoje os postos de liderança na minha cozinha são de mulheres. Isso foi uma grande conquista", revela.

Para Telma, o espaço da mulher no campo profissional no Japão acompanhou a evolução no resto do mundo, aos poucos elas foram se libertando dos papéis de uma cultura milenar onde tudo é muito definido. Ela mesmo é uma prova disso. Seu primeiro reconhecimento veio em 2018, com um diploma de honra ao mérito vindo do governo japonês. A partir daí passou a comandar a cozinha do Consulado do Japão, onde é responsável pelas recepções e banquetes. E desde 2019, é Embaixadora para Difusão da Culinária Japonesa.

"Eu sou a primeira mulher a assumir o posto do chefe na residência oficial do consulado em São Paulo. É uma posição de imensa responsabilidade, mas me dá prazer pois posso brincar com as possibilidades que às vezes eu não consigo aplicar no restaurante. Fico contente de perceber a rapidez com que os japoneses responderam a essas evoluções. Por outro lado, fico feliz de ser reconhecida por estar fazendo a coisa certa. No começo eu tinha de entregar muito mais que meus colegas de profissão homens. Sou grata, pois por conta disso, tive de estudar mais, o que me possibilitou crescer e fazer o que faço hoje."

Estadão
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