Em São Paulo, vinícolas se preparam para lançar a própria 'rota do vinho'
Objetivo das empresas, em parceria com o governo do estado, é incentivar o turismo para as produtoras do vinho do interior de SP
A produção de vinho no estado de São Paulo nunca esteve tão em alta. De acordo com o Instituto de Economia Agrícola (IEA), o cultivo da uva aumentou oito vezes em 2023 -- foram 64 mil pés plantados, contra 7,8 mil em 2022. Além disso, abriram 40 novas vinícolas no ano passado, engrossando o total para 250. É nesse cenário promissor que produtores de vinho e o governo do estado estão lançando o projeto para concretizar a Rota do Vinho.
"Essas rotas são a resposta de um trabalho no qual estamos nos debruçando há pelo menos dois anos", conta a presidente da Câmara Setorial de Viticultura Vinhos e Derivados e uma das proprietárias da Vinícola Villa Santa Maria, Célia Pinotti Carbonari. "Acreditamos que a rota do vinho nos dará mais visibilidade. Como dizemos informalmente, o produto está pronto e as ações de incentivo ajudarão a colocá-lo na prateleira".
Ou seja: este é um desejo antigo de produtores, principalmente das cidades de Espírito Santo do Pinhal, São Roque, Louveira e Indaiatuba, como já acontece em países vizinhos.
Para isso, conta Célia, a Secretaria de Agricultura começou um mapeamento de toda a região para identificar as produtoras de vinho, os tipos de passeio e como o turista entra nessa equação. "Teremos cinco rotas e mais os enodestinos. Teremos oferta catalogada de opções para atender a diversidade de perfil do consumidor paulista e de todos os visitantes que quiserem conhecer nossos vinhos, nossa gastronomia e as belezas das vinícolas", diz.
É, assim, o passo que faltava para ir além. "Ao avaliarmos a construção do enoturismo paulista atual, vemos trabalhos individuais ou no máximo regionais. Não tínhamos uma organização de enoturismo a nível estadual ", diz Ariana Sgarioni, enóloga da Adega Beraldo di Cale e da empresa Enoconexão e presidente da Associação Paulista dos Produtores de Uva, Vinho e Derivados. "É importantíssimo que o público paulista saiba que pode encontrar uma gama de vinícolas para visitar em seu próprio estado. O consumidor quer conhecer novas regiões, novos terroirs, novos produtos. Então, com as rotas paulistas, ele verá que o estado oferece muita diversidade de produtos e muitas opções de visitas".
Turismo, desenvolvimento e cultura do vinho
Em um primeiro momento, a expectativa é que as rotas do vinho no interior paulista atraiam mais turistas interessados em experimentar a bebida. Afinal, o enoturismo só cresce: estima-se que, em 2023, essa modalidade tenha movimentado US$ 85,1 bilhões, e chegue a US$ 292,5 bilhões em 2033, segundo a consultoria Future Market Insights Global.
São Paulo quer, enfim, uma fatia desse bolo -- e precisa correr atrás, já que Chile, Argentina e Uruguai já estão com esse mercado bem consolidado na América do Sul. Isso sem falar de rotas consolidadas ao redor do mundo, como o Vale do Douro em Portugal; Rioja, Ribera del Duero, Jerez e Penedès na Espanha; Toscana, Piemonte, Vêneto e Puglia na Itália; Bordeaux, Champagne, Borgonha e Rhône na França; e Vale do Napa na Califórnia, EUA.
"São Roque recebe mais de 600 mil visitantes por ano, motivados pelas experiências de enoturismo na região. No entanto, há mais destinos que se destacam pela produção de vinhos e oferecem experiências voltadas ao enoturismo para visitantes", explica Roberto de Lucena, secretário de Turismo e Viagens do estado de São Paulo, em entrevista ao Estadão. "A iniciativa vai contribuir para o crescimento dos municípios que compõem as rotas, assim como as cidades localizadas num raio aproximado de 50 quilômetros que poderão promover o empreendedorismo local alimentado pela cadeia produtiva do vinho".
Além das rotas, é uma oportunidade do vinho paulista entrar mais no mercado nacional, hoje muito dominado pelas produtoras gaúchas, e fazer com que as vinícolas se tornem aptas a receber turistas, seja com visitas guiadas, hospedagem, oficinas, artesanato, poda e até passeio de trator. Pensando apenas nos estabelecimentos com estrutura, o Rio Grande do Sul domina, com 222 empreendimentos, segundo pesquisa do Sebrae do final de 2023.
Pensando apenas nas vinícolas com estrutura, São Paulo fica em terceiro lugar, com 39. Com a expansão de vinícolas no geral, é o momento também de expandir o enoturismo.
"Existem inúmeros setores e negócios que resultam da cadeia do vinho, o principal sendo o enoturismo. Este setor é de pequena escala, porém com alto valor agregado ao produto final com uma distribuição de renda e desenvolvimento econômico pouco visto em outros setores do agronegócio", diz Fabrizia Zucherato, diretora executiva da vinícola Guaspari. "É uma forma de manter os jovens nas cidades menores e de desenvolver novas profissões. O cenário hoje na maioria das rotas ainda é de estruturação. Precisamos ainda de mais estrutura de hotelaria e gastronomia e, principalmente, de estradas rurais".
Desafios e futuro
Hoje, o desafio é conseguir compreender uma lógica entre todas essas vinícolas. "Não estamos falando de uma rota em um bairro, cidade ou região, mas sim uma rota composta por vinícolas de todo um estado, que estão distantes geograficamente", diz Ariana. "As vinícolas entre si são diferentes, seja no perfil do vinho produzido, seja no grau tecnológico aplicado à produção, seja pelo perfil do produtor. Isso tudo terá que ser compatibilizado para que o durante o desenvolvimento seja um projeto harmônico e fortalecido".
Por fim, há uma expectativa de que, se essas rotas se popularizarem, o vinho paulista vai chegar mais longe. Com isso eu espero que em breve, muito em breve mesmo, São Paulo se torne um destino obrigatório para os enófilos que chegam a atravessar continentes em busca de experiências, e que poderão desfrutá-las por aqui", diz Célia. "Espero também que em breve não se refiram mais aos nossos destinos como Toscana ou Califórnia brasileira, mas que sejamos citados como os impressionantes e maravilhosos Vinhos Paulistas".