Hákarl: conheça o petisco feito de carne de tubarão apodrecida
Esta iguaria irlandesa já foi criticada por chefs renomados e causa polêmica até os dias de hoje
Nós sabemos que muitos pratos típicos de diversos países e culturas são julgados equivocadamente por estrangeiros que não conhecem as tradições e histórias por trás daquela receita, porém, há alguns que desafiam o bom senso. Um exemplo é o ortolan, prato francês feito com pássaro inteiro que é afogado em conhaque e passa por um processo cruel de engorda ou o hákarl, uma iguaria profundamente enraizada na tradição islandesa, que consiste nada mais nada menos do que carne de tubarão apodrecida.
Conheça o hákarl
Imagine encontrar um petisco que, à primeira vista, parece mais um queijo em cubos ou finas tiras de presunto Parma, mas depois descobrir que se trata de um prato feito com carne de tubarão podre. Este é o hákarl, um prato que é encontrado nos cardápios de bares e restaurantes em toda a Islândia.
Acompanhado frequentemente por uma dose de Brennivin, uma aguardente local que equivale à nossa cachaça, o hákarl é uma experiência sensorial única. No entanto, até mesmo entre os habitantes locais, ele provoca reações extremas. É frequentemente descrito como tendo um sabor de amônia misturada com carne e, como muitas comidas exóticas, divide opiniões de forma inequívoca.
Até lendas da culinária internacional não foram poupadas pela ousadia do hákarl. O saudoso chef americano Anthony Bourdain, conhecido por sua busca incansável por sabores autênticos e aventuras culinárias, rotulou o hákarl como o "prato mais repugnante" que já experimentou. E não é apenas ele: o renomado chef e apresentador de TV escocês Gordon Ramsay foi tão surpreendido pelo sabor ousado do hákarl que não pôde conter sua reação de repulsa, chegando ao ponto de cuspir a iguaria diante das câmeras.
Agora, você pode se perguntar: o que faz com que o hákarl tenha um sabor tão desafiador?
A resposta reside na espécie de tubarão da qual a carne é obtida. Originário das águas congelantes do Ártico, o tubarão-da-groenlândia é conhecido por ser um dos peixes mais venenosos do mundo.
A necessidade de sobreviver nas águas gélidas do extremo norte do hemisfério levou o tubarão-da-groenlândia a desenvolver altos níveis de ácido úrico e óxido de trimetilamina, substâncias que funcionam como anticoagulantes e reguladores químicos para manter o animal vivo. Essas mesmas substâncias são responsáveis pelo sabor singular e, para alguns, avassalador do hákarl.
Como é feito o preparo do prato?
O processo de preparação do hákarl segue um método verdadeiramente singular de purificação e preservação, uma técnica que ecoa as práticas dos antigos Vikings islandeses. Nesse ritual culinário, o tubarão é inicialmente abatido e sua cabeça, que não possui utilidade como alimento, é separada do corpo. O cadáver do tubarão é então colocado em um buraco raso na areia, e uma série de pedras é cuidadosamente disposta sobre ele, com a intenção de extrair os líquidos indesejados da carcaça.
Nessa localização, o tubarão permanece por um período que varia entre 6 a 12 semanas, fermentando em meio aos próprios fluidos corporais que contribuem para sua notória toxicidade. Embora o método continue a ser usado nos dias de hoje, ele evoluiu para um processo menos primitivo.
Após o tempo de fermentação, o tubarão é retirado do solo e cortado em tiras, para então ser colocado em uma cabana especialmente designada, onde ficará secando por um período de 2 a 4 meses — sim, você leu corretamente.
Os mestres na produção do hákarl confiam em seus sentidos, especialmente o olfato, para determinar quando a carne atingiu o ponto de maturação adequado. Além disso, outra indicação de que a iguaria está pronta é quando a superfície da carne do peixe adquire uma casca exterior amarronzada, uma verdadeira crosta envelhecida que é cuidadosamente removida antes do consumo.
Se você é um aventureiro culinário em busca de experiências verdadeiramente únicas, o hákarl é uma escolha que certamente testará os limites do seu paladar. Mas lembre-se, como em todas as jornadas gastronômicas, a chave é a coragem de explorar novos territórios culinários, mesmo que isso signifique enfrentar sabores que desafiam as normas convencionais. Como dizem, "não julgue um livro pela capa" - e no caso do hákarl, essa é uma lição que ressoa de maneira singular.