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Homenagem a Ricardo Castilho

A coluna Le Vin Filosofia homenageia o jornalista e amigo, Ricardo Castilho

19 jun 2024 - 09h08
(atualizado às 17h23)
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Alex Atala, Janaina Rueda, Erick Jacquin, Claude e Thomas Troisgros, Rodrigo Oliveira, Bel Coelho, Eudes Assis, a lista de chefs que fizeram posts emocionados se despedindo do jornalista Ricardo Castilho é longa. No mundo do vinho, a relação é também enorme, de importadoras e críticos que lamentavam e choraram a morte prematura, aos 59 anos, do diretor editorial da revista Prazeres da Mesa nesta terça-feira, dia 18 de junho.

Ricardo Castilho
Ricardo Castilho
Foto: Reprodução / Perfil Brasil

Castilho, ou o "Editor", como alguns amigos o chamavam, não imaginava o quanto era querido. Mas a tristeza que se abateu na enogastronomia não deixa dúvidas disso. Ele foi figura importantíssima neste mundo como conhecemos hoje, das primeiras degustações de vinho que organizava como editor da Playboy até a trajetória vitoriosa da revista Prazeres da Mesa, que ele lançou com três sócios em 2003.

Até hoje essas degustações de vinho da Playboy mostram o pioneirismo de Castilho no mundo de Baco. No final da década de 1990, as provas já eram sempre às cegas (sem saber que amostra corresponde a qual rótulo) e com garrafas compradas no mercado, para manter a independência editorial. Nessa terça-feira, o sommelier Manoel Beato, do grupo Fasano, lembrava, emocionado, de como conheceu Castilho. Foi em uma degustação de 22 vinhos do Porto, que Castilho organizava para a publicação e o chamou para participar. "E eu não cuspi nenhum dos vinhos", lembra o sommelier sobre a regra número 1 de sobrevivência nesta área e que os novatos têm dificuldades de seguir.

Beato tinha recém-chegado ao Fasano, e os dois nunca mais saíram do mundo do vinho. Juntos, provaram muito brancos e tintos e torceram pelo Palmeiras, o time do coração dos dois - Castilho, aliás, um dia pediu para que suas cinzas fossem jogadas no estádio do seu time.

No meu caso, apesar de também palmeirense, não foi o futebol que nos aproximou. Conheci o Castilho quando fiz um artigo para a revista Gula, no início dos anos 2000, quando eu já queria entrar no mundo do vinho, mas ainda ganhava mais dinheiro escrevendo para a área de economia. Ele logo saiu da Gula e ensaiamos a ideia de escrever uma newsletter juntos, de notícias sobre esse setor, que nunca saiu do papel. Na época, ele tinha o projeto de ter uma revista de gastronomia, que deu certo e, assim, 20 anos atrás ele lançou a Prazeres da Mesa, junto com sua mulher, a Claudia Esquilante, e o casal Mariella Lazaretti e Georges Schnyder.

Eu entrei no número 2 da revista, primeiro como editora contribuinte e depois me tornei o seu braço direito. Ele dizia que o desafio era me fazer entender de gastronomia, o que acho que conseguiu, e confesso que tenho saudades de muitas das pautas que fiz por lá. Foram bons anos, em uma redação que se abria vinhos na hora do fechamento (aliás, não só nos dias do fechamento). E não raro tinha mil guloseimas para nos entreter entre um texto e outro.

Íamos juntos para as degustações e voltávamos discutindo os vinhos, as pontuações (numa delas, ele decidiu mudar a pontuação de até cinco estrelas, que a revista utilizava, para uma escala de até 100 pontos). Foram conversas que me ajudaram muito a entender não apenas da degustação, mas do mercado. Lembro como ficou bravo quando um leitor escreveu uma carta questionando um texto meu. Respondeu me defendendo, com bons argumentos. E deu ao leitor o prêmio de melhor carta do mês, o que significava a garrafa de um bom vinho argentino. Acho que o premiou só para poder publicar o seu texto em minha defesa.

Até que chegou o ano de 2008 e eu recebi um convite irrecusável para dirigir uma revista concorrente, a Menu. Castilho viu o convite quase como uma traição - assim como sempre foi generoso, ele era também muito ciumento de seus amigos. Demorou para ele me perdoar. Mas, aqui, o tempo foi o melhor remédio. E acho que umas boas taças de vinho também. Até porque eu deixei a revista no ano em que ela mais brilhou, com um evento batizado de Jantar do Século, no qual 16 chefs espanhóis, liderados por Ferran Adriá, vieram ao Brasil cozinhar juntos. E esse é apenas um exemplo da importância de Castilho para a gastronomia brasileira e porque a sua saída de cena será tão dolorosa.

Neste tempo todo, Castilho tentava conciliar os eventos de gastronomia, que não são poucos, e andava sumido do mundo do vinho. Mas na última semana, o encontrei por duas vezes ao redor das taças. A primeira no lançamento da safra 2015 do Barca Velha, um tinto ícone do Douro. No dia seguinte, em uma prova vertical com quatro safras do Vinha Barrosa, do português Luis Pato.

Se eu soubesse que seria a última vez que o veria, teria agradecido por confiar em mim. Eu era uma menina entusiasmada e estudiosa dos vinhos e querendo um espaço neste mundo, então muito dominado por homens. Que acreditava, assim como ele, em um jornalismo independente. Ele apostou em mim.

Obrigada, Castilho, para sempre meu editor.

Estadão
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