Pão francês continua sendo o rei das padarias. Mas até quando?
Hoje, o pãozinho é consumido por 41 milhões de brasileiros todos os dias, mas novos tipos de pães podem ameaçar esse reinado
A cena se repete todo dia, em qualquer cidade do Brasil: a pessoa entra na padaria, pede meia dúzia de "pãezinhos", paga e vai embora com seu saco de papel repleto da iguaria para casa. Pãezinhos, pão francês, cacetinho, pão de sal -- pode chamar como quiser, é o mesmo produto há décadas. Mas será que o pãozinho está com seu reinado ameaçado?
Hoje, os números estão do lado do pão francês: ele é consumido por 41 milhões de brasileiros todos os dias, de acordo com os dados do Sindicato dos Industriais de Panificação e Confeitaria de São Paulo (Sampapão). Só na cidade de São Paulo são consumidos 25 milhões de pães, comercializados pelas panificadoras da capital paulistana. Ao todo, no estado de São Paulo, são consumidos 45 quilos de pães ao longo de um ano.
Não existe, hoje, nenhum outro produto que ameace essa hegemonia. Nem a baguete, o brioche e os pães artesanais. O pãozinho francês ainda é a comfort food do brasileiro.
De um lado, a qualidade do pãozinho
Nos últimos anos, porém, algumas coisas começaram a mudar nesse cenário -- por mais que os números comprovem como o pãozinho continua sendo o preferido. Pra começo de conversa, algumas padarias estão mudando a forma de fazer pão em seus bastidores.
"Os custos de produção e dificuldade de mão de obra vão acabar forçando muita padaria a comprar esse item da indústria de grande porte", explica José Carlos Gomes, dono da padaria Fabrique. Sobre isso, Paladar já falou que a qualidade é um ponto que preocupa.
Hoje em dia, padarias estão usando a chamada pré-mistura (4% de proteína) para elaborar o pão francês, que conta ainda com aditivos químicos e anti-mofo. Além disso, tem um alto teor de sódio para estruturar a massa e muito fermento para acelerar a fermentação. O que gera um pão nada nutritivo e de difícil digestão causando estufamento gástrico.
“É um produto de alimentação básica e busca-se um custo baixo. Em função disso, a maioria das padarias utiliza essa pré-mistura”, disse Fábio Freitas, proprietário da Sagrado Boulangerie, na época da reportagem. “A gente não utiliza esse tipo de ingrediente. São produtos desenvolvidos através da seleção de um a um dos insumos, fazendo a seleção da farinha. Buscamos o melhor sabor do pãozinho francês aliado com uma boa alimentação”.
Do outro, a chegada dos pães artesanais
Por outro lado, o comportamento do consumidor passou a ganhar uma nova camada: a busca por pães artesanais, com menos açúcar e mais ingredientes naturais.
“Atualmente, há procura por produtos mais saudáveis, com mais fibras, menos açúcar e sem conservantes”, explica Gustavo Fernandes, dono da Padaria Ceci, a mais premiada no concurso Padocaria. “Isso ajuda a demanda da padaria aumentar, uma vez que o setor pode customizar com grande facilidade e possui uma ampla oferta de produtos artesanais”.
Não à toa, percebe-se como dá para encontrar as chamadas “padarias artesanais” com mais facilidade em São Paulo. Os primeiros casos surgiram com mais força entre os anos de 2018 e 2019. Essas casas, que começaram a desenvolver em terras paulistanas essa identidade que hoje é replicada aos montes, geralmente nascem de histórias similares: eram pessoas descontentes com as opções de panificação e que resolveram colocar a mão na massa, literalmente. Abriram seus negócios na cidade em busca de um novo pão.
Agora, as padarias tradicionais querem diversidade. "O pão artesanal continuará aumentando a participação de mercado, mas não a qualquer custo. A questão da qualidade e o preço coerente deverá sempre ser respeitada pelas padarias que se lançam nesse mercado do pão artesanal", diz José Carlos Gomes, dono da padaria Fabrique
Para Ricardo Moisés, da padaria Mediterrain, a tendência de produtos em padaria é de que deve manter a diversidade de itens e opções que encontramos atualmente -- o que atende e facilita a vida do consumidor. "Mas também deverá haver alternativas de produtos menos industrializados e/ou naturais, uma tendência de conhecermos a origem do alimento, as características do fabricante ou produtor e suas melhores práticas", contextualiza.
Ainda assim, todos entrevistados concordam: o pãozinho deve manter seu reinado ainda por muito, muito tempo. "O pão francês é um alimento que desperta memórias afetivas, especialmente entre os paulistas e paulistanos. Símbolo das nossas padarias, ele se destaca pela sua simplicidade e pela facilidade de ser comprado em pequenas porções, adaptando-se a qualquer tamanho de família", diz Rui Gonçalves, presidente do Sampapão. "Por isso, é certo que continuará a ocupar seu espaço, convivendo harmoniosamente com os diversos tipos de pães".