Pizzaria mais antiga do Brasil, Castelões completa cem anos
De Getúlio Vargas a Luiz Gonzaga, diversas personalidades frequentaram o salão da cantina localizada no Brás; carro-chefe é a pizza que leva o nome da casa, com mussarela, molho de tomate e calabresa
Atravessar as portas da Castelões, misto de cantina e pizzaria inaugurada em 1924 no bairro paulistano do Brás, é uma verdadeira viagem no tempo. Seja os objetos antigos, as linguiças penduradas no teto, as paredes amareladas - e repletas de fotografias -, ou o letreiro neon, tudo ali compõe uma certa atmosfera de nostalgia, que somente um restaurante antigo como a Castelões, que completará cem anos no próximo dia 1° de outubro, é capaz de manter.
Pelas mesinhas cobertas de toalhas xadrez passaram diversas personalidades, como o ex-presidente Getúlio Vargas (1882-1952), o pugilista Éder Jofre (1936 - 2022), o cantor e compositor Adoniran Barbosa (1910 - 1982), além de Luiz Gonzaga (1912 - 1989), mais conhecido como o rei do baião. Aliás, certa noite, o Gonzagão tocou uns acordes com a sua sanfona no salão da Castelões. "Eu era criança e me chamou a atenção aquele homem de jaqueta de couro branca, carregando uma caixa enorme com ele. Quando me viu, o Gonzagão me chamou para perto dele, tirou a sanfona da caixa e, para me mostrar como funcionava, tocou uns acordes. Aquilo me marcou muito, porque foi a primeira vez que vi uma pessoa da televisão", lembra Fábio Donato, 51 anos, terceira geração da família à frente da cantina e pizzaria.
A pizzaria mais antiga do Brasil
Fundada pelo napolitano Ettore Siniscalchi e pelo calabrês Vicente Donato em 1924 no bairro paulistano do Brás, o misto de pizzaria e cantina ganhou o nome de Castelões em homenagem ao time de futebol amador homônimo, formado por imigrantes italianos que viviam pela vizinhança. Após as partidas, os jogadores batiam ponto no mesmo imóvel da rua Jairo Góis muito antes dele se tornar um restaurante. Mas a visita não era por conta da estrutura de vestiários (inexistente, diga-se de passagem): ali havia um fogareiro com duas bocas, onde se preparava a comida que abastecia o time.
Além das massas frescas, a estrela do cardápio do restaurante eram as pizzas, que, naquela altura, não tinham o status de ícone da gastronomia paulistana. É possível que a Castelões tenha contribuído com a difusão das redondas por aqui. "Nos primeiros anos, depois que o restaurante fechava, um vendedor saía daqui com uma caixa carregada de pizzas. Elas eram vendidas à noite para os operários nas portas das fábricas. Com isso, o paulistano cultivou o hábito de comer pizza somente no jantar", conta o proprietário da Castelões.
Receita centenária
A pizza que deu fama à casa foi batizada com o nome da pizzaria: Castelões (R$ 136). A massa é uma receita napolitana, elaborada com farinha de trigo italiana, água, sal e fermento biológico seco. Após 72 horas de maturação, é aberta com as palmas das mãos até ficar com espessura fina, mas sem apertar as bordas, para que elas cresçam no forno.
A clássica cobertura leva mussarela em fatias, que são acomodadas por cima da massa. Na versão da Castelões, aliás, o molho vai por cima do queijo. "Como, no Brasil, os tomates eram muito aguados, foi uma alternativa encontrada pelo meu avô para que a massa não ficasse úmida e quebrasse no forno. E, até hoje, montamos a pizza assim", justifica Donato. A redonda é finalizada com fatias fininhas de calabresa feita com peperoncino e sementes de erva-doce, além de curada na casa - as linguiças penduradas no salão não são mero enfeite.
Em seguida, a pizza é assada no centenário forno de lastro da Castelões, que funciona a lenha e não tem medidor de temperatura. Só Donato consegue domá-lo. "Não tem uma quantidade certa de lenha, nem uma quantidade determinada de tempo. O negócio é ter paciência até o forno atingir a temperatura certa", diz ele.
Legado
Na década de 1950, Siniscalchi passou o comando da Castelões para Vicente Donato, que, posteriormente, a repassou para o seu filho, João Donato. Com a morte dele, em 2014, a Castelões ficou sob o comando de seu filho, Fabio. Formado em direito e engenharia mecânica automotiva, Donato chegou a trabalhar em companhias como a Mercedes-Benz, mas o amor pelo negócio da família falou mais alto. "Nunca deixei de vir trabalhar aqui aos finais de semana", conta ele.
Até hoje, Donato se emociona ao falar do pai, que faleceu poucos dias depois da pizzaria completar 90 anos. "Sinto falta de ter com quem compartilhar", resume ele, enquanto a sua namorada, a chef Claudia Pinho, enxuga suas lágrimas. Faz dois anos que ela dá expediente na Castelões, montando as pizzas ao lado de Donato, que pilota o forno diariamente.
Formada em gastronomia pelo Senac Campos do Jordão (SP), e com mais de uma década de experiência no ramo, Claudia também é uma das responsáveis pelas pizzas do autor, uma seção do cardápio dedicada aos sabores criados na hora, com os ingredientes que ela tem à mão. "O nosso 'date' é ir à feira em busca de produtos frescos", brinca ela.
Homenagem
A famosa cobertura da pizza da Castelões ultrapassou as fronteiras da cantina e ganhou espaço no cardápio de inúmeras pizzarias pelo Brasil afora. Donato perdeu as contas de quantas menções ao sabor consagrado na pizzaria, mas uma das homenagens mais famosas vem da Bráz Pizzaria, rede pertencente à Cia Tradicional de Comércio. Uma das redondas do cardápio leva o nome da pizzaria, com molho de tomate italiano, mussarela e calabresa artesanal (R$ 117).
Em comemoração ao Dia da Pizza, nesta quarta-feira (10), a Bráz lançou uma collab com a Castelões e criou uma nova versão da pizza, com cobertura de queijo caccio cavalo, molho de tomate italiano e dois tipos de calabresa artesanal (R$ 125). A receita ficará em cartaz até o dia 11 de agosto, tanto nas unidades da Bráz Pizzaria quanto na própria Castelões.
Chegar aos cem anos é um mérito e tanto para um restaurante. No entanto, para Donato, não existe uma receita para a longevidade. "Não tem segredo. É dedicação. É dar o seu melhor todos os dias", resume o proprietário da Castelões. Até hoje, ele é responsável por cada detalhe do funcionamento da cantina, que vai desde fazer as compras até as pizzas que saem do forno centenário. "É sacrificante, mas não é nenhum fardo. Eu me sinto feliz em dar continuidade a nossa história", finaliza ele.