Estudo vê indícios de que vinho francês tem origem italiana
O processo de fabricação dos tradicionais vinhos franceses – considerados os melhores do mundo – tem raízes italianas, sugere um novo estudo. A revelação, que coloca em xeque a origem de um principais símbolos de orgulho nacional da França, além de alimentar ainda mais a rixa histórica que o país tem com a vizinha Itália, foi publicada na revista científica americana Proceedings of the National Academy of Sciences.
A descoberta baseou-se na análise dos primeiros objetos dos quais se tem notícia usados para produzir a bebida em território francês. Após testes feitos em laboratório, os pesquisadores encontraram vestígios de vinho em ânforas (vasos antigos) que teriam sido importadas dos etruscos, povo que habitou a região onde atualmente se situa a Itália, cerca de 500 a.C.
Uma prensa para vinhos localizada na mesma região da França onde foram feitas as descobertas revelou que a bebida conquistou rapidamente o paladar dos franceses e propiciou o surgimento de uma indústria local que conquistaria rapidamente o mundo.
O estudo também verificou que o vinho continha um tipo de resina à base de plantas e pinheiros, o que, segundo os pesquisadores, pode ter ajudado a conservá-lo durante o transporte.
Mistério
Os primórdios da fabricação de vinho são cercados de mistério, principalmente porque a bebida deixa poucos marcadores químicos - espécie de ‘pegadas’ - que ajudam cientistas a refazer sua história.
Os primeiros exemplos de vinificação conhecidos – como é chamada a transformação da uva em vinho – remetem a regiões onde hoje se localizam o Irã, a Geórgia e a Armênia.
A partir dessas localidades, a fabricação de vinho moderna teria se espalhado lentamente em direção ao Ocidente até chegar à Europa. As pesquisas foram conduzidas pelo americano Patrick McGovern, do Museu da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e sua equipe.
Em 2004, ele já havia conduzido experimentos que sugeriam que o vinho à base de arroz tenha se desenvolvido na China ao mesmo tempo em que a bebida começou a ser fabricada no Oriente Médio.
Mesmo assim, detalhes de como o vinho transpôs as fronteiras do Oriente Médio, incluindo para a França, permaneciam pouco claros. Nesse novo estudo, McGovern e sua equipe tentaram reconstruir parte dessa história. "É possível que o vinho tenha chegado à França pelo extremo norte do continente, através da Alemanha, pela Romênia", disse ele à BBC News.
"Porém, nossas descobertas fornecem um conjunto definitivo de provas de que a bebida entrou no país pela Itália", acrescentou McGovern.
Análise
As constatações de McGovern e sua equipe vieram após a análise de ânforas encontradas na França, vasos antigos usados pelos gregos para carregar líquidos e sólidos no casco dos barcos.
Os etruscos, uma civilização pré-romana que habitava o atual território da Itália, teriam incorporado a cultura dos vinhos dos fenícios – que espalharam o consumo da bebida pelo Mediterrâneo desde a Idade do Ferro - que usavam, por sua vez, ânforas com fins similares.
Sabe-se que o povo etrusco comercializava mercadorias com o sul da França nessas ânforas – mas ainda não está claro se eles carregavam vinho ou outras mercadorias dentro delas.
A equipe liderada por McGovern focou suas pesquisas na cidade costeira de Lattara, próxima à cidade de Lattes, no sul de Montpellier, onde a importação das ânforas só terminou por volta do período 525-475 a.C.
Eles usaram uma ferramenta analítica de alta precisão, chamada cromatografia, gasosa acoplada à espectrometria de massa, que lista as moléculas absorvidas pela cerâmica das ânforas.
Os resultados mostraram que havia indícios de vinho nela, assim como uma resina à base de pinheiro e componentes herbais.
Mas o que surpreendeu os cientistas foi a descoberta de uma prensa de vinhos, onde as uvas eram colocadas para serem masseradas e seu líquido, retirado.
"Em uma cidade cercada de muralhas como essa, é atípico achar uma prensa de vinhos de um período tão antigo", disse McGovern. "A descoberta de uma prova química na prensa foi uma surpresa".
A descoberta segue um padrão já visto em outros lugares – de que o vinho foi introduzido por um agente externo, mas que a cultural local tratou de buscar cultivar as uvas à sua própria maneira, criando as bases da indústria nacional.
"Dali, a vinificação espalhou-se pelo Rio Reno, videiras foram transplantadas, cruzadas com tipos de uvas mais selvagens e toda a sorte de cultivo se desenvolveu, ganhando o mundo", afirmou McGovern.
"Grande parte do vinho que conhecemos hoje veio dos vinhedos franceses, que derivam do cultivo dos etruscos", explicou. "Ainda há várias lacunas a serem preenchidas, mas estou entusiasmado com os nossas primeiras descobertas."