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"Me prepararam para ser político", diz ícone da cozinha peruana

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O chef peruano Gastón Acurio nasceu em uma família com quatro irmãs mulheres, sendo que nenhuma delas sabe cozinhar. Se dependesse dos pais, ele não chegaria nem perto das panelas, mas sim, do palanque. “Me prepararam para ser político”, conta, rindo. Para ele, a gastronomia tem um papel maior do que simplesmente lançar tendências ou alimentar pessoas, é um meio para valorizar os ingredientes e produtores locais.

Gastón Acurio gosta de feijoada, de bolinho de bacalhau, e tem o chef Alex Atala como um amigo. "Acompanhei seu início de carreira, na busca do reconhecimento do produto brasileiro"
Gastón Acurio gosta de feijoada, de bolinho de bacalhau, e tem o chef Alex Atala como um amigo. "Acompanhei seu início de carreira, na busca do reconhecimento do produto brasileiro"
Foto: Léo Pinheiro / Terra

Acurio é dono do Astrid&Gastón, fruto da parceria com a mulher, que conheceu em Paris, durante os estudos. Fundado em 1994, o restaurante nasceu com ares franceses, mas, ao longo dos anos, acampou a missão de revelar as tradições peruanas, que também foi replicada nos outros empreendimentos do casal. Em 2011, entrou para a disputada lista dos 50 melhores restaurantes do mundo, organizado pela revista Restaurant.

Ele também é autor de livros, está à frente de programas de TV e de um centro de formação em cozinha peruana, dirigida aos jovens menos favorecidos. Além disso, é idealizador da Mistura, gigante feira gastronômica que reúne desde agricultores regionais até chefs renomados. Não por acaso, se tornou um dos principais expoentes gastronômicos do Peru e grande porta-voz dos sabores locais – do ceviche às cinco mil espécies de batatas, das quais sente orgulho.

Gosta de feijoada, de bolinho de bacalhau, e tem o chef Alex Atala como um amigo. “Acompanhei seu início de carreira, sua causa solitária, na busca do reconhecimento do produto brasileiro, por sua própria cidade”, conta, ao mesmo tempo que relembra uma experiência inusitada vivenciada ao lado do brasileiro, em um congresso, onde degustaram insetos. “O mais divertido era ver a cara das pessoas”, diverte-se.

Entre os dias 5 e 9 de novembro, Acurio está no Brasil para a Semana Mesa SP e falou com exclusividade ao Terra claro, sobre a cozinha peruana, mas também sobre a forma honesta e despretensiosa com a qual enxerga o papel dos profissionais da área. Ele acredita que um chef precisa ter sempre o espírito de uma “criança travessa”, curiosa e sem medo de experimentar. “Velho amargo não serve para cozinha”, brinca.  Acompanhe os principais trechos desta entrevista.

Terra: Na sua opinião, quais são as principais conexões entre a gastronomia brasileira e a peruana?

Gastón Acurio: Dois terços do território do Peru é Amazônia. E grande porção do território brasileiro é Amazônia também. A fronteira é política, mas os povos são irmãos, falam a mesma língua, têm os mesmos produtos, têm a mesma relação com a natureza. Mas em algum momento a política nos dividiu. O Peru tem uma enorme variedade de batatas, e nenhuma dessas chega ao Brasil. Imagina que bonita seria a vida do brasileiro com cinco mil tipos de batatas? (rindo)

Terra: Pois é, com uma já somos felizes...

G.A.: Mas no Peru não se dança samba! E somos muito ruins no futebol também (rindo). Temos que aprender a desfrutar nos integrando. Do lado do Peru temoa toda a cordilheira dos Andes, onde se inventou produtos que hoje em dia são universais. A batata, o tomate, o feijão e o milho. E é importante recordar isso para entender a importância que a América tem na civilização mundial. É um território onde compartilhamos muito.

Visitei um mercado no Rio de Janeiro onde pequenos produtores com territórios pequenos na Amazônia cultivavam pimentas diferentes. São exatamente iguais as que temos na Amazônia, no Peru.  E conversando com o agricultor me lembrou de um tempo que, no Peru, não conhecíamos muito nossos produtos. Ele me contou que não era fácil vender essas pimentas no Rio de Janeiro. Que as pessoas conheciam só uma variedade e só queriam comer desse tipo, e só os cozinheiros valorizavam o seu produto. No Peru, hoje em dia, depois de muitos anos, o consumidor, o cozinheiro e o produtor são uma pessoa só. Trabalhamos muito, com muito orgulho, para provar tudo o que nossa diversidade tem. Acredito que a grande tarefa em toda a América Latina é começar a ver que se tem poder para trocar coisas.

Terra: A que você atribui essa mudança de visão do peruano, que passou a acreditar mais nos próprios produtos?

G.A.: Essa é uma pergunta que sempre nos fazem e nunca sabemos responder bem, porque são circunstâncias que se juntam. Um mundo que passou a ser mais curioso do que antes, um país que saiu de um período de terrorismo, de violência, e iniciou um período de esperança. Um grupo de pessoas que vive esse momento e reflete qual é a sua função como cozinheiro, como peruano, se sua função é tentar ser francês no Peru, ou se é tentar divulgar o próprio através do seu trabalho.

Terra: Então o papel dos restaurantes foi fundamental nesse movimento?

G.A.: Sim, foi fundamental.

Terra: A que você atribui o sucesso e aumento da procura pela culinária peruana em todo o mundo?

G.A.: Acredito que ao orgulho que os peruanos sentem por sua cozinha. Quando um peruano fala do seu país, fala de sua cozinha com orgulho, sempre. Essa é a nossa melhor propaganda. É como um brasileiro falando de futebol.

Terra: Quais as principais contribuições que a cozinha peruana traz para o brasileiro?

G.A.: A palavra é compartilhar. Eu venho aqui, como peruano, e tento pensar minha história com o ceviche, que é um ícone moderno no Peru. É preciso aprender a dialogar com os ingredientes. O ceviche tem uma preparação muito moderna, apesar da sua antiguidade, porque implica leveza e está muito conectada com a natureza. É muito minimalista, porque você usa somente quatro ou cinco ingredientes. É cítrico, refrescante, picante. É tão tradicional, mas moderno. O novo se volta ao velho e o velho se volta ao novo, é um ciclo.

Terra: Se você pudesse eleger um prato peruano imperdível, seria o ceviche?

G.A.: Sim, sem dúvida.

Terra: Tem algum ingrediente brasileiro que você levou para a sua cozinha?

G.A.: Farinha de mandioca, é super brasileira e permite fazer muitas coisas. Mas com muito respeito, não faço coisas brasileiras com ela, senão não seria a mesma coisa. Se eu fizer um prato brasileiro vai sair horrível (rindo).

Terra: Qual prato brasileiro mais gosta?

G.A.: Eu sempre como a feijoada, sempre. E tento buscar o tempo todo o melhor bolinho de bacalhau. E nunca encontro, porque sempre chega um melhor (rindo). Adoro o sabor.

Terra: Tem algum chef que admira no Brasil?

G.A.: Sou muito amigo do Alex (Atala). Viajamos juntos muitas vezes e ele foi muitas vezes para o Peru. Acompanhei seu início de carreira, sua causa solitária, na busca do reconhecimento do produto brasileiro, por sua própria cidade.

Terra: Por que você acha que essa luta dele foi solitária?

G.A.: Porque no início, a cozinha brasileira era muito mais aclamada fora do País do que dentro. Então teve que o mundo gritar “Alex Atala é um campeão”. Porque reconhecê-lo, é reconhecer o seu trabalho. E conhecer o trabalho é conhecer o produto. E conhecendo o produto essa força vai chegar aos produtores também. E em algum momento esse produto, que não se usa, não se comia nas cidades, vai estar no supermercado. Um restaurante pode ser muito mais coisa do que parece ser. Sempre se acreditou que o restaurante só abre as portas e dá de comer às pessoas ricas que podem pagar, mas ele não é muito mais do que isso. É um veículo para muitíssimas coisas, inclusive para formar pessoas.

Terra: Tem alguma experiência gastronômica que te marcou?

G.A.: Comemos coisas boas o tempo todo, mas existem experiências raras, aquilo que não conhecemos, que é muito extremo, que pode chocar. Eu estava presente em uma conferência em Copenhagen, na Dinamarca, com o Alex Atala, quando foram servidas umas balas com inseto. O mais divertido era ver a cara das pessoas. Era quase como um ato de valentia. E na verdade era lindo, tinha um sabor de limão, umas formigas com gosto de limão, todo mundo gostou. Foi um momento muito bonito porque significa que tudo é cultura, tudo na cozinha é cultura.

Terra: Você poderia citar um momento na sua carreira que te emocionou?

G.A.: Faz muito tempo. Eu achava importante criar uma feira, que agora se tornou um grande festival chamado Mistura (grande feira gastronômica peruana, da qual é criador). Quando a projetamos, o objetivo era que todos fossem iguais, incluindo produtores, camponeses dos Andes, cozinheiros, para que as pessoas que não conhecessem os camponeses comprassem seus produtos.

Pensamos que tinha que haver uma tarde em que os cozinheiros, autoridades, políticos, dariam um prêmio aos agricultores que de alguma maneira haviam preservado espécies da nossa diversidade durante muito tempo. Então chegou esse momento da premiação e um dos produtores de batatas, que vivia há cinco mil metros de altura, em uma montanha, recebeu o prêmio.

Estava vestido com roupas tradicionais, as pessoas aplaudiram. Eu achava que ele estava contente por atrair novos clientes: “vou vender mais batatas”. Mas ele estava lá recebendo o prêmio com muita alegria em nome da família dele, que havia esperado por 500 anos este momento. Aí eu entendi absolutamente tudo. Não tem nada a ver com dinheiro, é outra coisa.

Terra: Se você não fosse chef, que profissão seguiria?

G.A.: Me prepararam para ser político, desde pequeno. Estava tudo pronto e falaram para mim ‘você vai ser presidente’, e eu disse ‘não, eu vou ser cozinheiro’ (rindo). Por toda vida na minha casa se falava de política.

Terra: E quando decidiu enveredar para a cozinha?

G.A.: Nasci. Vem de dentro. Nasci para isso. Tenho quatro irmãs, nenhuma cozinha.

Terra: Com que frequência você vem para o Brasil? Vem sempre para a filial do seu restaurante aqui?

G.A.: Sim, pelo menos duas vezes por ano. Estamos desenhando um prato porque queremos incorporar a pop art peruana e criar uma linguagem de maneira que o ceviche venha em louça própria, única.

Terra: Como é o seu processo de criação de novos pratos?

G.A.: Imaginação, sentimento, como nostalgia e ilusões, e técnica. Quando você nasce para ser cozinheiro, tudo o que você vê tem a ver com cozinha. Até um semáforo. Às vezes é estético, você vê um semáforo, verde, amarelo, pode pensar na apresentação de um prato. E é preciso olhar para a vida como cozinheiro e como uma criança travessa. Velho amargo não serve para cozinha.

Terra: E o que você cozinha em casa?

G.A.: Exatamente o mesmo que você! (rindo)

Terra: Arroz, feijão, ovo frito?

G.A.: Sim, arroz com ovo, meu prato favorito! E se você tiver o ovo de uma galinha que tem nome, apelido, é melhor ainda (rindo). 

Fonte: Terra
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