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Comecei a vender fraldinha por acidente e necessidade, diz Bassi

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A fraldinha hoje está presente em boa parte dos churrascos brasileiros. Mas há 46 anos ela nem mesmo era encontrada no País. O "pai" do popular corte de carne, Marcos Bassi, conta ao Terra, por e-mail, detalhes de como nasceu e se popularizou a fraldinha no Brasil. Ele disse que a fraldinha nasceu a partir de um pedido que recebeu de uma senhora francesa: "foi ela que me apresentou o corte 'bavete', como é chamado na França".

No começo, o açougueiro só comercializava sanduíche com a carne. "Vendia quase 1 mil lanches por dia", diz Bassi. Depois, quando a francesa viajou, ele se viu "com as peças na geladeira sem ter para quem vender". Foi quando surgiu a necessidade - e a oportunidade - de tornar a fraldinha o que ela é hoje.

Na entrevista, Bassi também dá dicas de como preparar essa carne magra, macia e saborosa e desmascara truques de "rodízios baratos": "usam o alho para maquiar o gosto da carne, que provavelmente não é picanha". Neste ano, o açougueiro comemora os 46 anos da fraldinha com um festival dedicado ao corte em seu restaurante, o Templo da Carne, em São Paulo. A intenção , segundo ele, é propagar mais ainda o corte. Leia a entrevista completa a seguir.

Terra: Você tinha apenas 17 anos quando criou a fraldinha. É isso mesmo? Você já estudava sobre os alimentos ou criou apenas pela prática? 

Marcos Bassi: Na verdade quem inventou a fraldinha foi Deus, ela sempre esteve dentro do boi, eu só descobri uma maneira de fazer que acabou agradando a maioria dos brasileiros. Conheci a fraldinha por uma senhora que frequentava minha casa de carnes na rua Humaitá - foi ela que me apresentou o corte "bavete", como é chamado na França. Eu preparava semanalmente as peças para ela levar, não sabia nem o gosto que a carne tinha. Quando eu tinha 19 anos, na casa de carnes atendia muitos estrangeiros que me pediam diversos tipos de cortes. A maioria deles eu não sabia o que era, tive que ir nos consulados para aprender e também pesquisar em livros. Se existisse o google, teria sido muito mais fácil. Na França, eles fazem na frigideira ou na chapa, em lugar nenhum do mundo se faz como no Brasil.

Terra: Qual foi o "pulo do gato" para a fraldinha se tornar um corte popular, no País inteiro? E qual foi o seu segredo para convencer as pessoas a experimentar? 

MB: Na verdade não teve pulo do gato, foram anos divulgando o produto para ele se tornar o que é hoje. Eu comecei vendendo a fraldinha dentro do pão, fazia sanduíche de fraldinha com molho de cebola ou vinagrete, vendia quase 1 mil lanches por dia para o pessoal do colégio Equipe. Depois quando abri a churrascaria Bassi, comecei a vender a peça inteira no espeto e indicar aos clientes.

T: Em que data exatamente é comemorado o aniversário da fraldinha? Como foi o começo da história da fraldinha, logo após a criação do corte?

MB: A fraldinha tem uma importância e um significado muito importante na minha vida, comecei a comercializá-la no início de 1967 por acidente e necessidade. A senhora que me encomendava as peças de "bavete" viajou de férias e eu fiquei com as peças na geladeira sem ter para quem vender. Foi então que comecei a fazer testes com a carne e descobri que era deliciosa. Depois, fiz experiências com todos os outros cortes do boi e descobri o sabor e o modo de fazer cada um deles. Agora, em 2013, resolvi colocar essa data no calendário de eventos do Templo da Carne, acho que é mais uma maneira de divulgar e prestigiar o corte que me trouxe tanto orgulho e alegria. A intenção é propagar mais ainda o corte. Percebe-se pelo preço cobrado que é bem acessível.

Terra: Na sua opinião, a fraldinha conquistou mais pela maciez ou pelo sabor?

MB: Os dois, a fraldinha é um corte que agrada principalmente as mulheres. A aparência é fantástica, não tem gordura aparente, é supermacia e com sabor único. O conjunto é maravilhoso.

Terra: Como deve ser o preparo da carne magra, seja na churrasqueira ou no fogão, para que ela fique macia?

MB: Não pode errar na temperatura e tempo de cocção. Na churrasqueira, é mais complicado, porque a tendência sempre é ressecar a carne. Peças magras de até 1,5 kg, devem ser assadas a 60 cm da brasa por aproximadamente 20 minutos de cada lado. No fogão, a melhor maneira é ficar assada, mas vai ficar como uma carne de panela, não vale a pena usar uma fraldinha pra isso.

Terra: Você já explicou que a picanha não pode pesar mais do 1,1 kg, senão vem com coxão duro junto. A fraldinha também tem um peso máximo?

MB: Sim, a fraldinha não pode pesar mais de 1 kg. Normalmente se vende a fraldinha com uma capa de gordura para servir de contra peso, na verdade aquele pedaço não serve pra nada.

Terra: No mundo inteiro, qual o corte de carne mais macio que você já comeu?

MB: É difícil dizer, cada carne tem uma textura. Fraldinha é a mais macia sem dúvida nenhuma, mas já comi contrafilé e picanha muito macios.

Terra: Como é o processo de criar um corte de carne? Leva minutos, meses, anos? O que exige do açougueiro?

MB: Criar cortes de carne é só com estudo. Pode levar dias, meses ou anos, depende da energia e do trabalho que você coloca em cima do negócio. O açougueiro tem que ser curioso, delicado e bom manipulador. Cortar a carne com perfeição e limpeza é fundamental, o açougueiro tem a obrigação de deixar a peça bonita, como se fosse uma joia. Depois tem que fazer experiências, assar, grelhar, cozinhar, comer crua, tem que saber qual o melhor jeito de fazer e o que se pode tirar de melhor de cada corte.

Terra: Enxerga potencial de popularidade em um novo corte de carne que você ou outro profissional brasileiro tenha criado? Pretende criar um novo corte ainda?

MB: Claro, muitos, tem muita coisa ainda para criar. No Brasil, ainda tratam a carne como mistura, falta cultura alimentar. Poucas pessoas sabem que ossobuco é uma delícia - o corte é vendido superbarato e ninguém consome. Pretendo criar muitas coisas, é para isso que o Templo da Carne se dedica: levar a cultura da carne ao consumidor.

 

Terra: Você também cunhou o termo "carnes nobres". Quando foi isso? Fora do Brasil, existe essa concepção também ou carne é carne (e cara em muitos países) e ponto?

MB: Já na casa de carnes enxerguei que existia uma demanda para cada tipo de carne. Quando abri a central frigorífica em 1982, já  rotulei-a como “Central de Carnes Nobres”. Fora do Brasil, existe uma cultura alimentar melhor. Claro que há a diferenciação de cortes, principalmente do filé mignon e contrafilé, mas se consome muito mais do boi do que nós brasileiros.

Terra: Qual parte do boi você acredita ser mais saborosa no Brasil? E qual é a mais subaproveitada por aqui?

MB: Não existe carne de primeira e carne de segunda, existe boi de qualidade e boi sem qualidade. Se você pegar um boi ruim, mal-alimentado e malcuidado, todas as partes dele vão ser ruins. No Brasil, valorizamos a picanha e todo o traseiro do boi. O dianteiro é usado para a indústria, mas existem cortes maravilhosos do dianteiro que servem inclusive para churrasco.

Terra: Você já disse que o melhor tempero para um bom churrasco é sal grosso sempre. Hoje, principalmente com a popularização do chimichurri, os molhos temperados têm sido cada vez mais comuns ao servir carnes. No seu restaurante, por exemplo, há um saboroso molho de alho com alecrim além do chimichurri. Há molhos que escondem o sabor da carne? Que tipo de molho realmente realça?

MB: Para levar a carne na grelha, eu uso apenas sal, seja triturado, grosso ou em pedras, aquele usado para peças grandes , como a costela de boi. Quando a carne está pronta, vai muito do gosto de cada um. Molho de cebola é uma delícia, vinagrete, chimichurri, molho de alho etc. O que acontece muito em rodízios baratos é o garçom te oferecer um pedaço de picanha com alho. Aí sim eles usam o alho para maquiar o gosto da carne, que provavelmente não é picanha.

Terra: Cebola, vinagrete, farofa, arroz temperado, salada, molhos... Qual acompanhamento você considera perfeito para uma boa carne num churrasco e num jantar mais íntimo?

MB: Uma boa salada e uma farofa benfeita e um molho de alho em cima da carne. Se for namorar depois, é melhor deixar os molhos de lado (risos).

Terra: Como é um almoço de domingo na família do Marcos Bassi? Qual prato geralmente é servido e quem comanda o preparo?

MB: Gosto muito de sair para comer, gosto de ver o movimento dos restaurantes e gosto muito de ver gente. 

Quando o almoço é em casa, gosto de fazer peixe. Adoro bacalhau em posta, assado com batatas, cebola, alho, tomate, azeitona preta e azeite.

Serviço:

Festival da Fraldinha no Templo da Carne

Menu: couvert completo (com pães, berinjelas, abobrinhas e patê de cenoura), arroz do cozinheiro (com salsinha, ovos mexidos, bacon e batata palha), farofa especial (com farinha de mandioca, ovos, bacon, linguiça, salsinha e alho) e fraldinha servida à mesa no espeto

Data: até 13 de fevereiro de 2013

Endereço: rua Treze de Maio, 668

Telefone: (11) 3288-7045

Horário: de segunda a sábado, das 11h à meia-noite e, aos domingos, das 11h às 18h

Valor: R$ 228 para 3 a 4 pessoas

Fonte: Terra
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