Cozinheiro vende 3 mil kg de massa na rua por mês: 'não quero ficar milionário'
Com planos de inaugurar três novas Kombis até janeiro, Rolando Massinha lança livro com autobiografia recheado de receitas suas e de grandes chefs
Depois de trabalhar como fotógrafo, pintor, animador de trio elétrico e office boy, além de enfrentar uma época difícil em que não tinha onde morar, não conseguia se sustentar e passou por inúmeros “problemas técnicos”, o pernambucano Rolando Vanucci depositou todas as suas fichas em uma Kombi 1997. E foi há exatos seis anos e meio, que ele deu uma virada em sua vida com o Rolando Massinha, carro que vende massas no estacionamento de uma loja de lingerie na esquina da Av. Sumaré e rua Caiubí, em São Paulo.
Rolando é um homem de fala fácil, simpatia e gargalhadas. Sua simplicidade vem com inúmeros diminutivos na palavras e a mania de chamar as pessas de "neném". O empresário falou com exclusividade ao Terra sobre o sucesso no mundo da gastronomia e a nova empreitada, o lançamento do primeiro livro: Rolando Massinha, uma história de vida com receitas de amor. A obra é uma autobiografia recheada de receitas suas e chefs convidados, como Rodrigo Oliveira, do restaurante Mocotó. “Acho que tenho uma historinha legalzinha para contar, mas não pensava ir tão fundo. Na verdade, acho que todo mundo quer plantar uma árvore, ter um filho, escrever um livro”, brinca.
O negócio na Kombi deu muito certo e se multiplicou, mas ele conta que não tem a menor intenção de ficar rico ou milionário: "vou trabalhar e ganhar um tiquinho que dá para me sustentar". Hoje, são cinco veículos na empresa, dois para eventos e três nas ruas, um restaurante, uma fábrica de massas e um delivery. Todos os pontos juntos vendem aproximadamente três toneladas de massa por mês. O segredo? Nada de receita de família ou ingrediente secreto. “Não sou chef, sou cozinheiro metido à besta. Acho que faço uma comida gostosinha e saudável, mas o mais importante é atender bem o cliente”, diz.
Quem é Alex Atala?
Alex Atala, o único chef brasileiro que figura entre os cinco melhores do mundo segundo a revista Restaurant, é responsável pela apresentação do livro de Rolando. “O herói da cozinha de rua hoje se chama Rolando Massinha”, é assim que o premiado chef descreve o companheiro de panelas. Ele inclui na lista ainda os adjetivos guerreiro, batalhador e simples para comentar como Rolando se destacou como um entusiasta da comida de rua paulistana, um território hostil e proibido para barraquinhas que não sejam de cachorros-quentes.
Entre os comentários, claro que não podia ficar de fora a opinião de um dos brasileiros que mais entende de comida a respeito das massas servidas na Kombi: “ele faz uma comida italiana correta para os padrões e preços”, opina o chef. A aprovação do cardápio e gentileza de Atala ao escrever a apresentação do livro significa muito para Rolando, mas na mesma medida que a satisfação de qualquer outro cliente.
Ele avisa que não liga para hierarquias de primeiro ou segundo melhor chef e que desconhece premiações e grandes nomes da culinária mundial. “Só depois daquela galinhada que teve no Minhocão que vim saber e ouvir do Alex Atala”, recorda-se ao falar da refeição servida pelo chef durante a Virada Cultural, em maio de 2012, em São Paulo.
Chef convidados
Depois do episódio, Rolando quis conhecê-lo, eles se encontraram, conversaram e o chef “topou na hora” participar do livro. A mesma história repetiu-se com os outros chefs convidados a dividirem com ele uma receita. Carla Pernambuco, que comanda o Las Chicas, chamou o cozinheiro para participar do seu programa Brasil no Prato, no canal a cabo Bem Simples e, como “presente” cedeu uma receita.
Alberto Landgraf, líder do restaurante Epic, frequentava a Kombi semanalmente e Rolando nunca soube que ele era um chef revelação na cena paulista, até um amigo lhe perguntar se ele sabia quem era o cliente importante. Com ele, a relação é de amizade e, além da receita, Alberto trouxe a mãe de outra cidade para conhecer a Rolando Massinha.
Na lista dos 15 chefs que cederam receitas, estão também Carole Crema, Brunela Mar, Rodrigo Oliveira, Henrique Fogaça e Checho Gonzalez.
Problemas técnicos
Rolando Vanucci foi criado próximo ao bairro de Perdizes, em São Paulo, para onde se mudou com a família aos seis anos, por isso escolheu o local como ponto de parada para seu negócio. Negócio este que deu uma virada na sua vida há exatos seis anos e meio. Depois de trabalhar como sacoleiro, office boy, fotógrafo, animador de trio elétrico, pintor, entre outras ocupações, Rolando se viu em fases bem complicadas financeiramente, as quais ele chama de “inúmeros problemas técnicos”. Chegou a morar na rodoviária de Belo Horizonte por meses quando o salário de gerente de loja não era suficiente.
De volta para a capital paulista, recomeçou tudo do zero. Nessa nova fase, sobrou como animador de trio elétrico no carnaval e conheceu Andrea, sua mulher. Em seguida, veio a filha Isabela, de 13 anos, e as contas. Em mais um período difícil, Rolando decidiu arriscar: vendeu a casa por um preço abaixo do valor de mercado, pagou as dívidas e com o dinheiro que sobrou comprou uma Kombi e decidiu que faria dela mais um ponto de venda de comida. Mas, nada de cachorro-quentes, os pratos ali seriam nhoque, fettuccine e espaguete.
Massa e lingerie
Segundo o livro, nos primeiros dois meses de funcionamento, a Rolando Massinha não vendeu uma porção sequer. Era preciso contornar mais este obstáculo. A saída? O estacionamento da loja de lingeries Selleta logo em frente ao ponto inicial. O local tinha espaço para os clientes ficarem mais à vontade e, como troca, o movimento na madrugada serviria como segurança para o local.
O acordo deu certo e, mesmo com a aprovação do projeto que regulamenta a comida de rua em São Paulo, Rolando não pretende tirar a Kombi de lá. “Enquanto a Dona Sueli (dona da loja) me permitir, eu vou ficar. É uma parceria maravilhosa”, diz Rolando.
Estrela da TV
Mesmo com as mudanças, o Massinha só decolou mesmo depois que Rolando teve seus 15 minutos de fama ao ser abordado por produtores do Fantástico que circulavam pelo bairro da zona oeste de São Paulo procurando crianças para uma matéria de fim de ano. Ele apareceu na TV e, logo em seguida, as pessoas da região começaram a reconhecer e a clientela cresceu.
Nos mais de seis anos de Massinha, Rolando atribui muito do seu sucesso às aparições na televisão, sites e revistas. No livro, ele reserva agradecimentos especiais para Ana Maria Braga e Cátia Fonseca, apresentadoras que com quem já dividiu suas receitas.
O milagre da multiplicação das Kombis
Lideradas pelo nhoque recheado de quatro queijos, que é o carro-chefe da Kombi, as vendas de massas dispararam e o negócio deu certo. Há dois anos, Rolando abriu uma fábrica de massas, em seguida, montou um restaurante e um delivery, que servem nove tipos diferentes de massas.
Adquiriu duas outras kombis para fazer eventos e, na próxima semana, prepara-se para abrir a Rolando Doguinho e a Rolando Churrinho.
A primeira ficará estacionada em frente ao shopping Vila Olímpia e servirá hot dog gourmet com pão assado na hora em um forno dentro do veículo e feito com salsicha tipicamente alemã acompanhada de molhos diferenciados, como creme de gorgonzola com compota de gengibre. Já os churros terão lugar garantido ao lado da Rolando Massinha, em Perdizes, e, além da massa diferenciada, serão recheados com diversos tipos de brigadeiro gourmet.
Os planos não param por aí e, no final de janeiro, chega às ruas um novo espaço que servirá comida tailandesa. No cardápio, arroz com abacaxi acompanhado de frango ou filé mignon ao curry, e satay, espetinhos típicos de frango e carne marinados ao curry com leite de coco.
Rolando Massinha em números |
12.000 porções são servidas por mês |
3.000 kg de massa são vendidos por mês |
2.000 kg somente na Kombi principal |
17 funcionários atuais |
9 novos postos de trabalho criados |
450g é o tamanho da porção (250g de massa + molho, queijo e uma fatia de pão) |
R$ 12,50 é o valor do prato mais barato |
R$ 17,50 é o prato mais caro da Kombi |
3 anos sem aumento de preço |
5 Kombis têm a marca Rolando hoje |
R$ 18.000 foi o valor pago pela Kombi usada, quando comprada em 2007 |
Cozinheiro metido à besta
Dono de um negócio de sucesso no ramo da gastronomia e responsável pela criação dos pratos servidos poderia ser chamado de chef, certo? Para Rolando, isto está muito errado. Ele diz que não é chef de cozinha nem tem a menor intenção de fazê-lo. Para ele, é uma pessoa comum, que gosta de cozinhar e vive de servir a seus clientes mais do que agradar a todos pelo paladar. “Não sou chef, sou cozinheiro autodidata e metido à besta”, diz.
Sem nunca fazer curso, ele sempre “brincou de cozinhar” e há mais de 20 anos teve a primeira ideia de trabalhar com comida quando serviu fettuccine à bolonhesa ainda em Belo Horizonte. Na época, o negócio não deu certo, mas a receita – segundo ele, "muito simples" - é a que dura até hoje. “Ninguém é dono de nenhuma ideia. Tudo se copia, nada se cria. A única coisa que fiz foi agregar vinho na calabresa para deixar o molho mais saboroso e deu certo”, explica.
Para quem duvida que não tem mesmo nenhum grande truque de família ou ingrediente secreto, Rolando faz questão de divulgar o passo a passo. “Falo para Deus e o mundo, para quem quiser. Acho que o que mais vale é a receita de atender bem”, diz.
Cliente é amigo
E é exatamente assim que funciona o dia a dia nos negócios da rede. Cada cliente tem seu pedido associado ao nome logo no caixa e, quando o prato sai, é chamado individualmente no balcão da Kombi. “A primeira vez que o cliente vem, ele é realmente um cliente e, se ele voltar, na segunda já é amigo”, conta.
Para ele, o atendimento é o diferencial porque agradar e garantir que os clientes voltem somente pelo prato servido é mais arriscado. “A comida é paladar, tem pessoas que gostam, outras mais ou menos e outras vão odiar. Não tem como ter um produto que todo mundo vai gostar, mas o atendimento tem que ser 100% maravilhoso, tem que se sentir acolhido”, diz.
Apesar da relação de amizade e do clima descontraído entre Rolando e os clientes, o assunto fica sério quando o preço entra em cena. Na hora de pagar, os clientes não contam com mudanças no cardápio há três anos. Como? “Preciso enxugar um pouco no meu bolso, mas sou consumidor e também não gosto de pagar mais caro”. Os valores dos pratos variam entre R$ 12,50 e R$ 17,50.
Sem planos de ficar milionário
Com uma rotina de 18 horas de trabalho diário para dar conta de manter nos eixos tantos empreendimentos, Rolando pretende desacelerar a vida nos negócios nos próximos meses, por que afinal “tenho 53 anos, preciso começar a me cuidar”. Além da saúde, é o amor pelo Kombi na Sumaré que fala mais alto. “Preciso voltar pra minha kombinha, lá é minha cara, é vontade minha e desejo das pessoas que começaram desde o primeiro dia”, comenta.
Por isso, a solução encontrada é deixar que os funcionários (que estampam uma foto simpática no livro) cuidem de quase tudo - carros de eventos, Rolando Doguinho e Churrinho, restaurante e delivery – e repassem apenas uma pequena parte dos lucros ao empresário. Ficaria sob a responsabilidade dele apenas a Kombi principal e seu atendimento diário por lá. “Eles tocam, e eu ganho minha porcentagem. Não quero ficar rico nem milionário. Vou trabalhar e ganhar um tiquinho que dá para me sustentar. Preciso aproveitar com minha família a ótima vida que podemos ter agora”, explica.