Como pais e filhos driblam fronteiras e saudade na pandemia
Viagens para visitar o ente que mora no exterior foram adiadas por causa do isolamento social e só restou aos familiares a tecnologia
Pais e filhos que vivem em países diferentes viram as distâncias ficarem ainda maiores durante a pandemia do novo coronavírus, que levou ao fechamento de fronteiras de alguns países da Europa, ou, por causa do bom senso dos viajantes, ao adiamento de viagens para dar aquele abraço afetuoso e matar a saudade.
Há seis meses sem ver a filha Ediania, o genro e os três netos que moram no México, o engenheiro mecânico aposentado Edson Campos, de 75 anos, ainda não sabe quando poderá confraternizar em família novamente. Segundo ele, a forma que a advogada encontrou para se fazer presente em sua vida foi por meio de chamadas de vídeo, que acontecem religiosamente às 17h. “Todos os dias a minha filha liga pelo WhatsApp e eu passo uma hora falando. A minha filha, o genro e os netos todinhos me mandam mensagens principalmente nas datas comemorativas”, conta.
Enquanto a visita da família “mexicana” segue sem data para acontecer, Edson conta com o apoio do outro filho, Edson Jobe, que assim como o pai mora em Recife. “Eu moro sozinho no apartamento, mas eu me encontro com meu filho e meus netos. Meu filho está trabalhando, mas tem um cuidado fora de série com o coronavírus. Chegou no apartamento tem que tirar o sapato, antes de abraçar alguém ele tira a roupa suja, toma banho e só depois vai conversar. Acho que o cuidado é grande até demais. Ele me liga todos os dias para perguntar como eu estou, se eu quero açaí, se eu quero sopa, que aí ele pede no aplicativo e manda entregar aqui em casa. Eu tive muita sorte de ter dois filhos muito bons e uma nora muito boa também”.
Que a pandemia potencializou a saudade é um fato. Mas a tecnologia e as telecomunicações avançadas viraram aliadas na distração do ócio e principalmente como ferramenta capaz de encurtar distâncias físicas, que Edson já está tão acostumado a lidar. Há mais de 10 anos sua filha mora longe. Antes do México, ela e sua família moraram em Nova York, Buenos Aires e Toronto. Sem falar que Edson tem 13 irmãos em Santarém, no Pará, sua terra natal. Nesse caso, matar a saudade presencialmente só uma vez ao ano e as ligações eram artigo de luxo.
“A minha mãe fazia uma festa que começava no fim do ano, com o Natal e juntava ao aniversário dela. As casas dos irmãos que moravam em Santarém pareciam hotéis. A gente passava o fim de ano todo fazendo essa grande confraternização. Para ir de novo, só quando existia um aniversário muito grande, como uma festa de 70 anos. Mas não era fácil ir sempre porque além de caro era mais difícil chegar. Para falar no telefone antigamente, era custoso. Então era mais difícil a gente se falar. Só com alguma emergência, aí pagava o telefone mesmo”, relembra.
A culpa é da fronteira
Quando Nathalia recebeu uma proposta de emprego para se mudar para Madri, na Espanha, ela escutou dos pais que era uma “decisão séria e muito pessoal”, mas foi o conselho do seu Saverio que fez ela tomar a decisão de cruzar o oceano.
“Meu pai foi a pessoa que me fez vir. Ele falou: “Você tem que ir, olha a oportunidade, se você não gostar, você volta, sempre vai ter o meu apoio, a minha casa. O meu pai foi a principal pessoa para eu tomar essa decisão, não me arrependo”, contou a gerente de produtos em entrevista ao Terra.
Porém, quando essa decisão foi tomada há dois anos e meio, nem filha, nem pai esperavam enfrentar uma pandemia que acabaria com os planos de se encontrarem duas vezes no ano. A jovem de 30 anos recebe a visita da família durante o verão europeu e vem para o Brasil para as festas de fim de ano. Foi uma maneira que eles encontraram para matar a saudade.
“Eu tenho passagem comprada para dezembro, mas não sei o que vai acontecer. Ficamos chateados [por os pais não poderem ter viajado em julho], a gente tá acostumado muito a se ver duas vezes no ano, está bastante complicado, estamos tentando não sofrer, pensando que vai dar tudo certo. Eu entendo que ninguém vai me impedir de ir e quando eu voltar, no máximo, a Espanha pode exigir que eu faça uma quarentena de 14 dias”, afirmou Nathalia.
A tecnologia é a principal aliada de Saverio na hora de matar a saudade da primogênita. “[O coração] aperta, o que ajuda é a tecnologia, ligação por câmera, ficamos com saudade. Ela liga todo dia. Sempre fomos juntos, fazíamos muita coisa, só a presença dela de não estar perto já é bastante complicado”, contou o profissional.
E esse contato ficou ainda mais próximo durante a quarentena, período em que a família sofreu dobrado. “É horrível, eu passei pelas fases da pandemia duas vezes, o fato de não ter família na cidade te faz menos envolvido, mas tinha dias que eu acordava chorando, você sentia o clima de luto, quando começou a repetir no Brasil, comecei a sofrer tudo de novo. Essa parte de sofrer duas vezes é difícil, tudo reabrindo aqui [Espanha], mas eu estava preocupada com as coisas que estavam acontecendo no Brasil, não estava no mesmo ritmo das pessoas aqui”, explicou Nathalia.
Apesar da saudade, o pai espera que a filha fique na Espanha: “Dói muito, mas eu torço muito para que ela goste de lá e nunca volte. Pela segurança que ela tem lá, eu costumo falar que ficava mais com o coração apertado quando ela morava aqui do que agora que está longe”.
E a gerente de produtos sabe desse desejo do pai. “Quando eles vieram me visitar pela primeira vez, no último dia perguntei se eles tinham gostado da minha cidade, o meu pai falou que eu não deveria voltar, minha mãe repreendeu, falou que depois ele fica chorando de saudade. Ele falou que via a qualidade de vida que eu tinha, que isso que é ser pai, saber o que é melhor para filha, isso foi uma coisa que ficou muito gravada”.
Neste Dia dos Pais, Saverio vai receber o carinho da filha mesmo distante. Ela afirmou que costuma mandar entregar presentes para família em datas importantes e aproveitou a entrevista para mandar uma mensagem. “Obrigado por tudo, eu não poderia ser metade do que sou sem ele, eu amo ele demais. O mais difícil é a saudade que tenho que lidar todo dia, mas sei que ele está feliz”, declarou.