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Romulo Estrela: "Dever de desconstruir masculinidade tóxica"

Da fralda à janta, o ator, que é pai do Theo, defende a prática da paternidade ativa como o melhor remédio contra a sobrecarga das mães

4 ago 2020 - 10h08
(atualizado às 13h17)
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Romulo Estrela precisou atrasar em 30 minutos a chamada de vídeo pré-agendada com o Terra para falar sobre o Dia dos Pais. O motivo? A esposa do ator, Nilma Quariguasi, organizava as compras de casa e ele tinha de tomar conta do filho do casal, Theo, de 4 anos, por causa do imprevisto doméstico. Segundo o ator, que está no ar na reprise de Novo Mundo, as tarefas relacionadas à criança já eram divididas antes da pandemia, mas se intensificaram durante o isolamento social. À ele, cabe a lição de casa, o banho e até a preparação de algumas refeições, sempre conciliando a educação do filho às atividades profissionais, assim como faz a sua esposa.

Romulo Estrela conta como é estar 24hs com o filho Theo:

Por mais de uma hora, o artista maranhense deu exemplos de como contribui com a educação do filho dentro de casa e de que maneira a paternidade participativa minimiza a sobrecarga das mulheres que são mães. O relato do ator sobre a criação ativa de Theo inclui troca de fraldas, banho de chuveiro quando o menino ainda era um recém-nascido e até brincadeiras com a boneca Lola, que tanto repercutiu nas redes sociais. 

“Não vejo problema nenhum em meu filho brincar de boneca. É claro que, sem querer esconder um problema social que a gente precisa cada vez mais enfrentar, debater e desconstruir, é essa coisa da masculinidade tóxica, desse masculino que foi construído em cima do patriarcado, em que o homem não pode chorar, em que o homem não sente dor, precisa ser o provedor da casa, um milhão de conceitos a gente vai trabalhar. E eu como pai de menino tenho o dever de desconstruir, porque enquanto homem venho fazendo essa desconstrução também”, defende. 

Terra: Como você enxerga a paternidade hoje a partir do referencial que você teve do seu pai?

Romulo Estrela: Eu tive um pai muito presente. Pais, na verdade. Tudo o que eu conquistei hoje foi por causa do apoio incondicional que eu tive dos meus pais. A minha mãe é uma mulher que sempre trabalhou muito, dois expedientes, mas que fazia questão de almoçar com a gente em casa. O meu pai fazia questão de levar e buscar eu e a minha irmã na escola. Ou seja, eles sempre tiveram um espaço no dia para participar da nossa vida de alguma maneira. Posso te afirmar que tanto eu quanto ela nós tivemos pais incentivadores, que nunca tolheram a nossa criatividade. E eu acho isso importantíssimo para a criação de um ser humano hoje. Se você me perguntar algo que eu tenho na minha educação que eu estou passando para o Théo é isso. É essa liberdade para que o Théo seja o que ele quiser ser. Para que ele não cerce a criação dele, para que ele se mantenha sempre instigado a sonhar, a vibrar no lugar da criatividade, sem tanta forma, sem tanta norma. E eu acho que isso também não é algo que vem do Romulo, pai, ou da Nilma. Ou dos pais dessa geração. Por causa de todas as nossas influências do momento, do mundo em que a gente vive, e por conta do que a gente recebe dessas crianças, não tem como ser diferente. 

Ator da Globo "milita" contra masculinidade tóxica sendo pai participativo
Ator da Globo "milita" contra masculinidade tóxica sendo pai participativo
Foto: Instagram / Reprodução

Então você não acredita que existe uma fórmula pronta para criar um filho, certo?

Sempre digo e sempre disse que filhos precisam de pais atentos. Cada criança é uma criança, cada casa é uma casa. Não existe uma regra, não existe uma receita para você criar um filho. Uma das coisas que eu aprendi quando o Theo nasceu foi parar de julgar pais. E parar de falar que crianças são mal educadas... Nada disso. Tem uma coisa que a gente perde muito, que é a nossa inocência e a nossa ingenuidade. As crianças têm isso à flor da pele e eu cultivo muito isso no meu filho, é o que eu procuro fazer aqui na minha casa. A minha vida é como a vida de qualquer trabalhador. Eu tenho o meu horário de trabalho, as minhas demandas, as minhas necessidades, sou um indivíduo também, e não é fácil. A real é que não é fácil. E a gente faz escolhas o tempo inteiro. O que não dá é para a gente tentar achar um modelo e ficar infeliz ou ser infeliz por causa disso, entende? 

Justamente por estimular seu filho a ser quem ele é e quem ele pode ser, você permitiu que ele brincasse de boneca e até fez postagens falando da relação do Theo com esse brinquedo, tido como “de menina”. Como enxerga a repercussão que a postagem teve tanto em suas redes quanto em portais de notícias?

A gente tem muitos tabus para quebrar na nossa sociedade. Sem apontar dedos, eu entendo [a repercussão] porque me coloco no lugar de aprendiz de todas essas questões que estão enraizadas na nossa educação. Mas vejo a boneca sendo um brinquedo como um carro, um peão, um quebra-cabeça. O que houve foi uma quebra de expectativa para as pessoas, que acham que menino tem que brincar com boneco de guerra, de arma, e a menina tem que brincar de boneca. Assim como azul é de menino e rosa é de menina.

Nilma Quariguasi, Théo, o filho do casal, e Romulo Estrela
Nilma Quariguasi, Théo, o filho do casal, e Romulo Estrela
Foto: Instagram / Reprodução

Como o brinquedo chegou à casa de vocês? Qual a história dele?

O Theo ganhou essa boneca e ela ficou aqui em casa por um tempo até que resolvemos abrir. E ele se encantou pela boneca desde o primeiro momento. Independentemente de qualquer coisa ele cuidava dela. E eu fiquei tão feliz com essa reação do Theo porque eu percebi que repetia o que ele via dentro da casa dele: o cuidado e a atenção. E a Lola sempre adoece, fica com uma gripezinha e a gente tem que cuidar dela. No dia em que eu fiz a postagem que tanto repercutiu, o Theo amanheceu cuidando da Lola. Foi então que resolvi então fazer o vídeo, de maneira despretensiosa. Só depois que eu fiz os vídeos que eu me toquei que era uma boneca. Daí eu contei para a galera como surgiu a boneca, a história dela... Eu acho que nós que somos figuras públicas temos uma responsabilidade com o público que nos segue. Não que eu deva satisfação da minha vida para as pessoas, não é isso. Mas eu tenho, sim, uma relação onde quanto mais eu puder dividir com essas pessoas influências positivas, é isso o que vou fazer, é isso o que eu quero, é o que eu busco. De cara, sinalizei que tínhamos alguns tabus que precisam ser quebrados, como o fato de um menino brincar com uma boneca e isso não ser nenhum problema.

Que tipo de feedback os seus seguidores te deram sobre a chegada da Lola à família?

Você não faz ideia da quantidade de mensagem que eu recebi. Você não faz ideia. Eu não esperava a repercussão. O mais legal foi que eu só recebi mensagens bacanas a respeito disso. Crianças, pais, que também brincam, que também tem uma irmã que o irmão brinca com a boneca. Ou seja, problema nenhum com o fato de brincar com uma boneca. Fiquei feliz para caramba. Por um lado, fiquei surpreso com a repercussão. Por outro, fiquei muito feliz de ver que não é uma coisa que só acontece na minha casa. Tem uma infinidade de crianças que brincam com boneca e meninas que brincam de boneco e de carrinho. Meninos que usam rosa e que isso não é um problema. Depois eu li alguns comentários que foram mais maldosos, mas que foram rebatidos pelas pessoas da internet também. Como pai de uma criança de quatro anos, temos aí algumas obrigações importantes que a gente não pode fugir, principalmente no mundo de hoje.

Para além da boneca ou da simbologia presente nas cores azul e rosa, que exemplos da sua personalidade enquanto homem e pai você passa para seu filho, no objetivo de educar uma criança menos machista?

Tudo ao seu tempo. A gente em casa tem consciência de que tem uma criança de quatro anos e não existe o interesse em forçar nenhuma barra. As coisas acontecem naturalmente. Mas mais do que naturalmente: filhos copiam pais. Isso é uma coisa que eu já pensava a respeito antes de ser pai e agora que sou pai do Theo eu posso dizer com mais certeza, pelo menos na minha experiência de vida. Nessa fase ele está formando o caráter dele, construindo uma personalidade. Então, é um momento muito importante. Principalmente que agora que a gente está em casa há quase quatro meses e somos referências ainda mais fortes. No meu caso, eu tento mudar as minhas atitudes e agir como eu acho que é correto a partir do feedback que eu tenho da minha parceira e do próprio Theo. A gente conversa e tenta de uma maneira tranquila e acessível para que ele me conte, bote para fora as frustrações dele. Fora isso, no meu comportamento com a Nilma, com a minha esposa, é o tempo inteiro dando atenção. Falando aí da masculinidade tóxica, sei como eu tenho uma responsabilidade em relação a visão dele sobre a nossa relação entre homem e mulher, sabe? 

Theo também realiza atividades domésticas?

A gente divide muito as coisas e cada um atua no seu setor de habilidade. Theo o tempo inteiro é estimulado, mais uma vez entendendo que é uma criança de quatro anos, a participar das coisas. Por exemplo, quando a gente vai comer ele ajuda levando o suporte do prato, trazendo as colheres, o porta-guardanapo. Tem um pratinho que não é de cerâmica, que quando ele termina de comer leva para a cozinha. Ele ajuda a gente a arrumar tudo o que é da área comum da casa porque ele sabe que mora com o papai e a mamãe, mas tem o canto dele que é o da bagunça e que ele só precisa arrumar para dormir. Mas essa divisão de tarefas e o reconhecer que é necessário ser feito mesmo não querendo, é extremamente importante. 

Romulo Estrela, de Capitão América, e o filho, Theo, como Homem de Ferro
Romulo Estrela, de Capitão América, e o filho, Theo, como Homem de Ferro
Foto: Instagram / Reprodução

Uma das características da chamada masculinidade tóxica é a repressão dos sentimentos, do choro, no caso dos homens e de frustrações. Como vocês dialogam sobre o tema?

A gente aprendeu aqui nesse nosso momento de ficar em casa, que não devemos esconder as nossas frustrações. Elas fazem parte de tudo. Estamos tentando não camuflar o que sentimos e isso tem sido bom. Mas isso é muito mais nosso do que das crianças. Venho de sete anos de trabalhos ininterruptos, então, poder ficar com ele como eu estou 24 horas ajudando no estudo, brincando com ele, dando banho, preparando o almoço, a janta, construindo coisas, indo dormir junto, lendo, é bom para ele. São coisas que eu não fazia com o Theo, que eu não tinha a oportunidade de fazer por causa do trabalho. Arrisco dizer que está sendo maravilhoso ficar com o papai e com a mamãe, mas às vezes eu percebo uma certa frustração por não poder descer, por não poder brincar com os amigos do play do prédio, por ficar longe da escola. A nossa frustração e a nossa irritabilidade é que precisa ser dividida também com eles. Eu falo: 'O papai está precisando trabalhar, precisa cuidar de você, a mamãe e o papai estão precisando cuidar da casa. Está tão difícil’. E aí o Theo começou a fazer uma coisa que ele não fazia: brincar sozinho. E no primeiro momento em que isso aconteceu, partiu o coração. Mas foi tão bacana ele brincar sozinho também e ele se bastar naquela hora, mas dividindo com ele as nossas frustrações, os nossos sentimentos. 

Todas as suas experiências teóricas com a paternidade só se concretizaram quando você realmente foi pai. Como foi a chegada do Théo, e se descobrir pai?

A gente se preparou muito e fez alguns cursos antes de o Theo nascer. Mas é o dia a dia, o cotidiano, são as demandas que cada família vai ter, que faz com que agente aprenda a lidar com essa coisa toda que é educar e criar uma criança. Ter me preparado me ajudou muito no primeiro momento com o Theo e a fazer algumas escolhas importantes, como um parto normal, que foi uma escolha da Nilma, o banho após 24 horas, e vacina depois de 15 dias. A gente teve muito cuidado com o momento de nascimento dele, de tudo o que ele passou por simplesmente vir ao mundo, que já é uma loucura e isso se estendeu depois para quando a gente estava em casa.

Como você exerceu a empatia com a sua esposa do pós-parto ao puerpério? 

Sem romantizar a coisa, mas para a mulher é extremamente difícil. É um período delicado e a única coisa que podemos fazer enquanto companheiros é ter respeito, empatia e consideração. Para elas, é realmente muito delicado ficar distante do trabalho, estar disponível 24 horas para amamentar. A forma como elas abdicam das suas coisas pelo outro é muito bonita, mas é também uma adaptação que exige um certo cuidado e um olhar cauteloso. A Nilma já tinha uma demanda muito grande com o Theo e o que eu fazia era atender às demandas dela e buscar um momento meu e do meu filho. E eu descobri isso no banho de chuveiro, que ele tomava comigo quando eu chegava do trabalho. Era o momento em que a gente ficava junto. A licença paternidade deveria existir para ajudar as nossas mulheres e ficar ao lado dos nossos filhos. Porque não é igual. Sobrecarrega muito a mulher e isso tem que ser dividido. 

O que você pensa a respeito de ser um pai-exemplo?

Eu te confesso que eu tenho que fazer um esforço muito grande para entender que o que acontece comigo não é o normal. Eu sei que essa não é a realidade da maioria das famílias, da maioria dos pais. O que eu posso fazer é mostrar o que eu faço, como eu faço, dividindo e, entre outros aspectos, também reconhecer que existe uma dificuldade muito grande na desconstrução desse homem que foi educado erroneamente, instruído de maneira equivocada no que diz respeito à participação e educação enquanto pai de uma criança. O que eu quero dizer com isso? Para mim é muito natural o que eu faço. Não existe uma conversa, nunca existiu, isso é seu, isso é meu. Na minha casa, se algo me incomodou eu vou lá e faço. Começa por aí. A coisa da empatia, que é uma palavra que ficou muito gasta, é olhar para o outro e reconhecer que ele precisa de ajuda e que para o outro é mais difícil do que para você, no caso da mulher, e aí você se prontifica a aliviar isso, tornar mais leve. 

Romulo Estrela com o pai e o filho em fazenda
Romulo Estrela com o pai e o filho em fazenda
Foto: Instagram / Reprodução

Como você se sente sendo pai?

Existe uma paixão muito grande e um prazer enorme em fazer as coisas que eu faço e participar da vida do meu filho. Essa é uma atividade que eu não gostaria que nenhuma outra pessoa fizesse por mim. É uma coisa que eu tenho prazer em fazer. Mas eu sinto que temos muitas dificuldades e eu vou em uma coisa muito simples agora: trocar uma fralda. Essa era uma outra coisa que eu fazia porque eu olhava para a minha companheira e falava que ela não ia conseguir como eu ia dormir. O mínimo que eu poderia fazer era trocar a criança antes de ir dormir e ao acordar, naturalmente. Mas aí a gente volta à questão social, que é uma questão que está impregnado nos homens. Se o homem deixa de tomar a cerveja dele em um churrasco de família para ir ficar com a filha enquanto a mulher toma a cerveja dela, ele é menos homem. Ou ele vira piada, vira chacota. Pô, cara, tem maneira mais legal de virar chacota do que essa? Daqui a pouco você vai estar tomando essa cerveja com o seu filho, com a sua filha, e vai ser a melhor do mundo. É o que eu faço com o meu pai hoje.

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Fonte: Redação Terra
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