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Dominação romana resiste em Zuckerberg, afirma autor de ‘Roma, o Império Infinito’

Segundo o jornalista e historiador Aldo Cazzullo, a fórmula de poder exercida pelo império romano foi usada por Napoleão e Hitler

17 ago 2024 - 06h15
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Resumo
O jornalista italiano Aldo Cazzullo defende que o Império Romano influenciou todas as civilizações futuras, incluindo o Terceiro Reich, Napoleão e a cultura brasileira.
Aldo Cazzullo
Aldo Cazzullo
Foto: Arquivo Pessoal

Desde o período Bizantino até a dominação global do Facebook+Whatsapp+Instagram, pela Meta de Mark Zuckerberg, o Império Romano nunca ruiu. Inclua na conta o Terceiro Reich, de Adolph Hitler, as dominações de Napoleão e britânica. Tudo e todos são legados de Roma. Ao menos é que o promete o jornalista italiano Aldo Cazzullo em seu "Roma, o império infinito: a história da civilização que moldou o Ocidente", que chega às livrarias brasileiras pela editora HarperCollins.

O autor é autoridade no assunto, com diversos títulos sobre o tema e vendagem de mais de 1,5 milhão de exemplares de suas obras. E mesmo que o Brasil não seja descendente direto da Roma Antiga, muitos traços do império podem ser encontrados por aqui, como ele responde em entrevista ao Homework. 

O que faz do Império Romano o modelo que foi seguido a partir desse estágio e por que ele foi estabelecido como modelo em vez de outros anteriores, como o egípcio, o babilônico, o persa e o macedônico?

A grande diferença entre o Império Romano e os outros grandes impérios está em seu apelo, na durabilidade de milênios de suas instituições, suas palavras, seus valores e suas leis. “República” é uma palavra romana que encontramos não apenas em idiomas neolatinos - incluindo o português - mas também em alemão, Republik, e em inglês, Republic. Em Roma, nasceu a ideia de que o Estado pertence a todos: República, Res publica, “coisa pública”. E o Senado, como é sabido, existe não apenas na Itália, mas também na França, na Espanha, no Brasil e nos Estados Unidos. O prédio do parlamento americano é chamado de Capitólio. O estilo arquitetônico também vem de Roma. O símbolo do Império Romano, a águia, é o símbolo de todos os impérios da história, inclusive o americano.

Todo imperador da história se sentiu como o novo César, e todo revolucionário se sentiu como o novo Spartacus. Os comunistas alemães que sonhavam com a revolução e estavam prontos para lutar e morrer em nome de um antigo e misterioso escravo que havia feito o mesmo milhares de anos antes eram chamados de espartaquistas. Não é por acaso que Roma inspira todas as artes: literatura, teatro, cinema, quadrinhos, videogames. E gosto de me dirigir ao público brasileiro não apenas porque uma língua neolatina é falada no Brasil, ou porque o Senado existe, mas porque o Brasil é uma terra de imigração, e muitos imigrantes vieram de Portugal, da Itália e de muitos outros países onde a marca romana era forte. Portanto, a cultura, o idioma e a civilização brasileira também são, de certa forma, filhos da civilização romana.

 Também é possível ver uma clara inspiração em regimes nefastos, como o Terceiro Reich de Hitler, ou toda forma de busca pelo poder acaba sendo semelhante?

Infelizmente, a águia também era o símbolo do Terceiro Reich e, infelizmente, Hitler - e o próprio Mussolini - também se inspiraram em símbolos e palavras da civilização romana. O legado deixado por ela pode ser bem utilizado, mas também pode ser mal utilizado. Qualquer império implica uma forma de violência, de imposição, de hegemonia. Portanto, não quero idealizar o Império Romano, no qual a escravidão também foi fortemente estabelecida. Para os romanos, os escravos eram coisas, não pessoas, e pertenciam ao senhor, que podia fazer o que quisesse com eles. A ideia de que os homens nascem livres e iguais faz parte da história mais recente da humanidade e não se aplicava em Roma. Entretanto, a democracia - que é uma palavra grega - encontrou sua primeira implementação real em Roma. Lá, na época da República, era o povo, e não o Senado, que fazia as leis. Era o povo que elegia os magistrados, que declaravam a paz e a guerra. E é verdade que as mulheres eram excluídas da política, algo que parece inaceitável para nós hoje, mas também é verdade que as mulheres em Roma tinham mais liberdade do que em qualquer outra civilização clássica. Por exemplo, na Grécia, as mulheres tinham de ficar em casa, enquanto em Roma podiam sair, ir ao teatro, ir aos banhos. Elas podiam herdar a propriedade de seus pais, fazer negócios, ser autônomas e financeiramente independentes. Também podiam estudar. E quando Augusto tentou limitar a liberdade sexual das mulheres, introduzindo o crime de adultério feminino, as matronas romanas ocuparam o Fórum em protesto. Podemos chamar isso de a primeira ocupação feminista da história.

Ao dizer que o Império Romano ainda está vivo, você atribui eternidade a muitas de suas instituições. Quais são esses pilares imutáveis?

Certamente, a linguagem e as palavras, e não apenas nos idiomas neolatinos. Os nomes dos dias vêm dos romanos (com exceção do sábado, que vem do hebraico). Os nomes dos meses vêm dos romanos - milhões de pessoas nascem e morrem no mês de Júlio César (julho) e no mês de Augusto (agosto). Os nomes dos signos do zodíaco vêm dos romanos. A lei dos países do Ocidente é baseada na lei romana. Roma também influenciou as artes, a arquitetura, os estilos - como o neoclassicismo, que também é muito difundido na América Latina - a pintura, a escultura e o cinema. Muitos dos filmes que assisti quando criança se passavam na Roma antiga, como Ben-Hur e Quo vadis, por exemplo. Mesmo em filmes relacionados a Jesus, encontramos romanos. O que é extraordinário: os anos em que o Império Romano nasceu são também os anos em que Jesus Cristo nasceu e morreu.

Se o Ocidente é cristão, se oramos a Jesus, é porque o Império Romano se tornou cristão: o cristianismo é um legado da Roma antiga. É verdade que os imperadores - não todos, apenas alguns - perseguiram os cristãos, mas apenas porque os romanos não conseguiam entender essa religião. De certa forma, o cristianismo foi a inversão do pensamento romano. O corpo, que para os romanos representava algo positivo, que deveria ser massageado, ungido, exercitado, exibido, mimado com todos os tipos de prazeres - comida, vinho, banhos - tornou-se algo negativo. Para os cristãos, o que importava era a alma, o espírito. A pobreza, que para os romanos era um infortúnio, tornou-se uma virtude. A cruz, de símbolo da morte mais ignominiosa, uma morte pública, dolorosa e humilhante, passou a ser o símbolo da salvação. Foi Constantino quem teve a grandeza de entender que essa religião, que não podia ser erradicada, podia ser abraçada, podia se tornar um instrumento de poder. Um Deus no céu, um imperador na terra. É verdade que o cristianismo promete uma revolução - os últimos serão os primeiros - mas na próxima vida, não nesta. E a civilização cristã, que se estabeleceu em Roma - foi em Roma que Pedro e Paulo se propagaram, em Roma que ocorreu a conversão de Constantino - também resistiu por muito tempo em Constantinopla. O Império Romano do Oriente resistiu até 1453. A sobrinha do último imperador casou-se com o czar da Rússia, e Moscou se proclamou a terceira Roma, depois de Roma, Bizâncio e Constantinopla.

Não são apenas os Estados Unidos da América que estão convencidos de que têm um destino manifesto, para governar o mundo, mas os russos também estão convencidos disso: o destino de proteger a civilização cristã e ortodoxa. Essas não são necessariamente coisas boas, mas são coisas verdadeiras: é a história. Nesse sentido, a influência de Roma está viva, e o Império Romano é um império infinito.

 O senhor ressalta que o modelo romano também pode ser observado no mundo digital, como nas redes sociais administradas por Mark Zuckerberg. A opinião geral sobre isso é controversa, no sentido de que ela atribui isso não à centralização do poder, mas à sua atomização. O que você pensa sobre isso? Onde o big data, os algoritmos e a inteligência artificial se encaixam em sua concepção? Ou não se encaixam?

Não acho que o poder seja atomizado. Talvez o poder político esteja, mas o poder econômico, o poder sobre as almas, que é o mais importante, e o poder da influência cultural estão mais centralizados do que nunca. Ele está centralizado nos novos imperadores. Por que Zuckerberg está convencido de que ele é o novo Augusto? Por que quando ele foi a Roma em sua lua de mel, sua esposa Priscilla disse - Priscilla é um nome bonito, um nome romano; tantos nomes romanos bonitos foram dados em todo o mundo hoje - “parecia que éramos três na minha lua de mel, eu, Mark e Augustus”? Zuckerberg tirou uma foto abraçando todas as estátuas de Augusto que viu. Há muitas delas. Ele foi o primeiro homem cujo rosto todos conheciam, pois tinha 2500 estátuas esculpidas com seu rosto. Augusto se vê governando uma comunidade tão vasta quanto o mundo conhecido, formada por pessoas que não se conhecem, mas que vivem e morrem sob o mesmo César. Zuckerberg se sente como o novo César, o novo imperador. Não é por acaso que ele corta o cabelo como Augusto, termina as reuniões gritando dominium em latim e, em uma reunião que deveria ter tido na Itália, apareceu com um avatar vestido como Augusto. Elon Musk também se autoproclamou imperador, mas de Marte, e os dois queriam lutar no Coliseu. Quanto à pergunta sobre o algoritmo, eu teria que pensar um pouco sobre isso.

 Se a história vive em ciclos, se o Império Romano é a referência de todos os ciclos, depois dessa era digital e da inteligência artificial, que ciclo a humanidade deve alcançar?

Lembro-me de O Gladiador, um grande filme do qual todos nós nos lembramos do início: “ao meu sinal, liberte o inferno”. Poucos se lembram do final. “Havia um sonho, que era Roma, que será realizado”, diz Decimus Maximus Meridius The Hispanic, o gladiador, antes de morrer. Qual era o sonho romano? Governo mundial, paz universal: uma comunidade tão grande quanto o mundo em paz, não por ser fraca e dividida, mas, ao contrário, por ser forte, coesa e unida. Esse sonho parecia próximo de ser realizado no início da década de 1990, após a queda do muro, os acordos de Oslo entre israelenses e palestinos, o colapso do apartheid na África do Sul. Em vez disso, infelizmente, a história tomou um rumo diferente. Há guerras novamente, desigualdades crescentes, pobreza inaceitável. Mas agora é exatamente o momento de realizar o sonho romano, o “governo do mundo”. Há questões globais - imigração, aquecimento global, fome - que só podem ser resolvidas globalmente. Essa ideia de “governo mundial” é mais relevante do que nunca e tem sido associada à democracia. É verdade que o Império Romano não era uma democracia, mas a Roma republicana, em parte, era. Portanto, a ideia de “governo mundial” e democracia não é uma ideia que já triunfou, mas acredito que seja a única esperança para a humanidade. Portanto, não estou dizendo que esse será o próximo ciclo, mas espero sinceramente que seja: democracia e governo mundial.  

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