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'Exibir corpo perfeito nas redes se tornou angústia na minha vida': o desabafo de uma influencer brasileira

A influencer Isabella Russo costumava compartilhar dietas e treinos nas redes. Após um acidente, ela decidiu reavaliar o assunto e passou a adotar um estilo de vida que considera mais próximo da realidade.

12 ago 2020 - 08h39
(atualizado às 08h55)
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Hoje, influencer afirma que quer ajudar outras pessoas que passam por dificuldades para aceitar as características do próprio corpo
Hoje, influencer afirma que quer ajudar outras pessoas que passam por dificuldades para aceitar as características do próprio corpo
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

Um dos maiores objetivos de Isabella Russo era ter um corpo que considerava perfeito. Magra desde a infância, ela se preocupava em perder peso cada vez mais. Para isso, fazia diferentes tipos de dietas e costumava praticar exercícios físicos ao extremo.

Em 2015, diante de um segmento que estava em ascensão, decidiu compartilhar seu estilo de vida no Instagram. Ela se tornou uma das milhares de influenciadoras digitais que ostentam corpos magros nas redes sociais e conquistam um séquito de seguidores ávidos por publicações sobre dietas e exercícios físicos.

Na época, Isabela havia chegado ao corpo que considerava perfeito. "Foi um período em que eu realmente me senti magra, após tantas dietas. Foi quando me senti aceita", comenta. Por trás da aparência, ela conta, havia uma jovem infeliz. "Eu vivia o tempo todo me pressionando para não engordar. Não enxergava além da estética."

Ela passou cerca de quatro anos compartilhando o "corpo perfeito". Em suas publicações, praticava exercícios físicos, exaltava a própria magreza e se orgulhava das dietas que fazia. "Não era sobre buscar uma vida saudável. Era sobre ser magra", diz.

Especialista em obesidade e transtornos alimentares, a nutricionista Marcela Kotait comenta que as redes sociais fortalecem padrões estéticos que antes eram reforçados, principalmente, em capas de revistas.

"Muitas blogueiras tentam compartilhar um estilo de vida irreal. Elas passam horas na academia e têm uma alimentação que precisa de muito dinheiro e ajuda. Além disso, nem tudo o que é postado é tão verdadeiro. Há também as várias maneiras de editar e transformar as fotos", pontua a nutricionista.

A visão de Isabella sobre o próprio corpo mudou após um acidente, no começo de 2019. Ela passou meses com dificuldades para andar, não conseguiu manter os exercícios físicos que praticava exaustivamente e refletiu sobre as dietas que fazia.

Hoje, aos 28 anos, Isabella, que é formada em Educação Física, considera que se livrou da extrema cobrança que tinha sobre o próprio corpo. Nas redes sociais, passou a compartilhar fotos com característica que antes considerava inaceitáveis em si, como celulites e estrias. "A minha única preocupação agora é ter saúde", afirma.

Busca pelo 'corpo perfeito'

Desde a infância, Isabella sempre foi uma criança alta e magra. "Mas eu tinha várias inseguranças, porque tenho quadril largo, pernas grossas e braços mais grossos que o normal", diz.

Aos 18 anos, ela se mudou para Miami, nos Estados Unidos, para morar com o pai. Por lá, passou a frequentar uma academia e começou a se preocupar intensamente com o corpo. "As pessoas falavam de dieta quase o tempo todo na academia", relata. A partir de então, Isabella conta que deu início a uma cobrança intensa para ficar cada vez mais magra.

Foi justamente em razão da prática de atividades na academia que ela decidiu cursar Educação Física nos Estados Unidos. Ela queria seguir na profissão por acreditar que poderia a ajudá-la na busca por um corpo cada vez mais magro.

Nas redes sociais, Isabella ostentava corpo extremamente magro e se orgulhava em ser exemplo para outras pessoas
Nas redes sociais, Isabella ostentava corpo extremamente magro e se orgulhava em ser exemplo para outras pessoas
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil
Influencer relata que fazia exercícios físicos em excesso por medo de engordar
Influencer relata que fazia exercícios físicos em excesso por medo de engordar
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

Quando começou a cobrança intensa sobre si para emagrecer, desenvolveu uma relação extremamente difícil com a comida. "Tive compulsão alimentar. Muitas vezes, comia muito, sem o menor controle, e engordava. Depois ficava desesperada e fazia dietas extremamente restritivas para perder peso", detalha.

Ela considera que em 2015 chegou ao corpo que tanto almejava. "Estava magra e me sentia muito bem com a minha aparência, apesar dos problemas internos e das dificuldades com a alimentação", relata. No período, usou o Instagram para publicar sobre a sua rotina.

A influenciadora compartilhava dietas, receitas de comidas e treinos intensos para perda de peso. Assim, conquistou milhares de seguidores e inúmeros elogios. "Gostava de ver as pessoas me admirando. Era como uma recompensa por tudo o que eu sofria para chegar àquele corpo", diz.

"Sinto que a indústria fitness é muito grande no Instagram. Há muitas pessoas que adotam essa linha e fazem sucesso. Muitos seguidores se espelhavam em mim, principalmente quando eu colocava alguma foto em que eu estava muito magra", acrescenta.

Isabella avalia que a sua história é um retrato de muitas influenciadoras digitais que exaltam dietas e corpos magros nas redes sociais.

"Hoje vejo como é delicado ser influenciadora. Muita gente quer ser influencer, mas não quer ser autêntico, não quer mostrar a história toda por trás de um corpo magro, não diz os problemas psicológicos que enfrenta por conta daquela busca por um corpo que considera perfeito", afirma.

Ao se tornar uma influencer que exibia o corpo nas redes, Isabella passou a viver um período de angústia. Ela conta que teve diversas crises de ansiedade e os episódios de compulsão alimentar aumentaram. "Por muitas vezes, pensei em falar sobre esses problemas e até deixar de lado a rotina de dietas intensas, mas tinha medo de perder seguidores. Era uma situação muito difícil", relata.

O acidente

Acidente em janeiro de 2019, em Miami, mudou completamente o modo como Isabella enxergava a busca pelo corpo perfeito
Acidente em janeiro de 2019, em Miami, mudou completamente o modo como Isabella enxergava a busca pelo corpo perfeito
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

Em janeiro de 2019, Isabella retornava da praia, em Miami, quando sofreu um acidente. Ela conta que estava em um patinete quando perdeu o controle dele e foi atingida por um carro. "Rompi três ligamentos do joelho direito. Foi a primeira em que vi o meu corpo não funcionar 100%", relata.

Enquanto se recuperava do acidente, ela refletiu sobre o próprio corpo. "Percebi que sempre fui saudável e nunca enxerguei isso. Sempre quis buscar algo diferente do que eu tinha. Entender isso foi um choque. Foi um processo fundamental de autoconhecimento", diz.

Nas redes sociais, Isabella decidiu compartilhar os problemas após o acidente e passou a falar sobre as dificuldades que enfrentava há anos com o próprio corpo. "Aos poucos, vi como esse tema era importante para outras pessoas. Muitas se reconheceram em mim, por também terem esses problemas", afirma.

Ela voltou ao Brasil logo após o acidente, passou meses andando com muletas e precisou passar por uma cirurgia em maio do ano passado. Depois do procedimento, soube de uma consequência causada pelos exercícios físicos intensos e pelas dietas restritivas que fazia.

"Após a cirurgia no joelho, o médico me disse que a minha densidade mineral óssea era muito fraca para a minha idade. Ele me explicou que a minha densidade deveria ser forte, porque eu praticava esportes e era uma pessoa saudável. Porém, como eu fazia dietas muito restritivas e atividades físicas em excesso, isso prejudicava o meu organismo. Cheguei a ficar dois anos sem menstruar e nunca quis procurar um especialista para ver se eu estava bem", relata.

Mais de um ano depois do acidente, ela ainda não consegue correr como antes. As atividades físicas feitas pela influencer são menos intensas. "Antes, fazia exercícios por duas horas diárias, de segunda-feira a domingo, por obrigação de queimar calorias. Agora, faço cerca de uma hora por dia, cinco vezes na semana. O objetivo agora é movimentar meu corpo para ficar bem, sem exageros, e ter saúde", declara.

Desde o acidente, ela deixou de fazer dietas restritivas. "Me alimento de forma mais intuitiva. Não quero mais me privar das coisas. O que estou com vontade de comer, como. Sei o momento de parar de comer, porque já estou saciada. Opto por alimentos saudáveis, mas quando tenho vontade de comer doce, não me privo. É uma relação mais saudável com o alimento", diz.

"Ganhei alguns quilos desde que sofri o acidente, mas não quis mais me pesar. Não é algo que me incomoda mais. Tento levar uma vida realmente saudável hoje", afirma Isabella.

Em paz com o corpo

Ela passava uma vida em torno da busca pelo corpo perfeito e compartilhava rotina de treinos e dietas nas redes sociais
Ela passava uma vida em torno da busca pelo corpo perfeito e compartilhava rotina de treinos e dietas nas redes sociais
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

Após abandonar as dietas restritivas e os exercícios intensos, Isabella afirma viver o melhor período em relação ao seu corpo. "Hoje consigo me entender melhor. Esse autoconhecimento é muito importante. Eu já queria mudar meu estilo de vida antes, mas tinha medo, por conta dessa pressão estética. O acidente me ajudou a enxergar que não podia seguir um caminho que não me fazia bem", diz.

O exemplo de Isabella ilustra a realidade citada por especialistas: as mulheres são as maiores vítimas do padrão estético reforçado nas redes sociais. "Essa pressão sobre o corpo feminino é muito maior do que em relação ao masculino. É uma questão cultural", diz a nutricionista Marcela Kotait. Ela comenta que, ao longo dos séculos, a sociedade costumou destacar a aparência que era esperada de uma mulher. "É uma estrutura relacionada ao machismo e ao capitalismo", declara.

Marcela afirma que tem notado que, cada vez mais, mulheres com diferentes corpos têm ganhado espaço nas redes sociais. "Há conteúdos mais reais hoje em dia. A maioria das pessoas estão cansadas dessa vida irreal de exercícios o dia inteiro e dietas inalcançáveis. As histórias dos corpos reais e alimentação real tendem a ganhar cada vez mais espaço, por mais que ainda não seja um conteúdo que atinja todas as pessoas", pontua.

"O influencer digital precisa adotar essa responsabilidade e ser mais verdadeiro com o seguidor. Cada post e like é repleto de responsabilidade, porque invade, de certa forma, a vida daquela pessoa que o acompanha", acrescenta Marcela.

'Exercício não pode ser punição'

A nutricionista argumenta que muitos conteúdos compartilhados por influencers podem passar a impressão de que o correto é ter uma dieta restritiva. "Segundo pesquisas, esse tipo de dieta costuma falhar em até 95% dos casos, porque a pessoa recupera o peso em seis meses a dois anos. O modelo tradicional de dieta é algo punitivo, no qual o paciente não tem autonomia. Mas as coisas não devem ser assim."

"Quando a gente pensa em alimentação saudável, significa reconhecer sinais de fome e honrar a saciedade. Não é comer muito ou pouco. É respeitar os sinais do corpo e levar em conta aspectos culturais, metabólicos e genéticos. Uma boa alimentação é feita com base nas particularidades de cada indivíduo", declara.

A especialista pontua que os exercícios físicos são importantes, mas sempre de modo saudável e respeitando os limites do corpo. "O exercício não pode ser uma forma de punição. O indivíduo tem que descobrir uma atividade que lhe agrade, para que possa fazê-la por prazer, ao longo da semana e da vida. Quando você pensa que é importante se exercitar e busca uma atividade que te agrada, o exercício vira prazer e deixa de ser punição", comenta.

Em meio à pandemia de covid-19, a nutricionista acredita que muitas pessoas podem rever os hábitos alimentares e as atividades físicas. "Muitos passaram a cozinhar com frequência, almoçar na mesa e perceberam a importância do alimento. Além disso, podem ter descoberto, durante o isolamento, exercícios que lhes interessem mais", diz.

Ela afirma que as pessoas também podem rever os influenciadores que acompanham nas redes e buscar por aqueles que têm hábitos considerados mais próximos da realidade. "Esse período (de pandemia) pode trazer muitas reflexões para as pessoas", diz Marcela. "Muita gente vai se preocupar mais com o bem-estar e com a saúde. Isso pode significar abandonar a procura por conteúdos referentes a dietas restritivas ou exercícios que têm a única função de perda de calorias", completa.

'Quero ajudar as pessoas'

O principal objetivo de Isabella atualmente é conscientizar as pessoas sobre a importância de não buscar um "corpo perfeito". Ela chegou a perder seguidores após o acidente, por ter parado de publicar treinos diários e detalhes sobre dietas. Atualmente, porém, cada vez mais tem aumentado o número de pessoas que acompanham a influencer. No Instagram, ela tem mais de 75 mil seguidores. "É preciso que os conteúdos compartilhados nas redes sejam, cada vez mais, coerentes à realidade", diz a influencer.

As publicações de Isabella sobre dietas deram lugar a, por exemplo, um pedido de desculpas ao próprio corpo. "Caminhamos uma longa jornada juntos. Passamos por muitos altos e baixos. Ano passado, entendi o quanto eu preciso de você. Por isso, te peço desculpas. Que besteira te desprezar por ser diferente da menina do Instagram ou da academia. Passei muitos anos tentando te mudar com excesso de treino e diversas dietas malucas. Cheguei a te esconder por vergonha. Eu queria que você mudasse, porque eu não te entendia", escreveu, em publicação no fim de julho.

Em outro post, fala sobre a importância de aceitar as celulites e estrias. "Você merece se olhar com carinho. Você merece cuidar da sua saúde!", escreveu.

Ao lembrar do passado, ela considera que atualmente leva uma vida muito mais saudável. "Eu sou uma pessoa grande. Sou magra, com ossatura larga e ombros grandes. Tenho pernas e braços grossos. Essas são as minhas características. Está tudo bem. Não me importo mais em ter gordura em uma parte ou outra", diz.

"Todos os dias, faço exercícios em casa, pelo bem do meu corpo. Sempre me alimento em quantidade que considero necessária. Não sofro mais com a compulsão alimentar. Abandonar dietas restritivas e parar de sofrer com atividades físicas não me faz menos saudável. Me importo com o meu corpo. A diferença é que não sou mais obcecada pela aparência como antes", declara Isabella.

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