A paixão faz bem mesmo que não dure, diz vidente
A expectativa deles era fazer aquela viagem para descobrir verdades interiores, a famosa procura da recôndita geografia interna. Estavam, como na poesia de Dante e de Bilac, “no meio do caminho”, metade da casa dos quarenta anos: muita água já tinha passado por debaixo da ponte, muita água prometia passar – o que se convenciona chamar de grande balanço, questionamento profundo ou simplesmente crise da meia idade.
Escolheram coincidentemente um daqueles paradisíacos destinos nordestinos, cheios de sol, mar, sal, areia, brisa, coqueiros, redes (de dormir, de pescar, de contato humano), velas (de chama, de barco) fogueiras e, entre crepúsculos e auroras, luas amarelas, alvas, vermelhas.
Ali se conheceram casualmente, rosto ardendo e cigarras estridulando. Compartilharam lugares contíguos na mesa de um restaurante, força inesperada de uma enovelada sequência de coincidências que bastariam, elas mesmas, definitivamente, para comprovar o conceito de sincronicidade formulado pelo espiritualizado psicoterapeuta Carl Gustav Jung.
Sentaram lado a lado no bancão rústico, de bom gosto, madeira pesada. A conversa animada das pessoas ao redor, a boa música, a lagosta arretada de pimenta, o vinho branco geladíssimo, nada desviava os olhos de um e do outro. Cronometraram, cegos para tudo, os cinco minutos suficientes para compreenderem que eram almas gêmeas.
Ele, que apenas a avistara de relance na confusão da chegada de um grupo grande de pessoas, agora ao lado dela ousou: “Você estudou balé muitos anos?”. Surpresa e resposta emoldurada por aquele sorriso, flecha diamantada que só a paixão ou (especulam, embora eu não acredite muito) os físicos do Acelerador de Partículas em Genebra (com seus brincalhões Bósons de Higgs) podem fabricar: “Como você sabe?” “Seu corpo é de bailarina... o desenho das pernas, a postura, o jeito de sentar, de mover as mãos”. Dizendo, por debaixo da mesa, ele tocou e enlaçou a sua mão à dela. Com a outra, ela envolveu o par e puxou para pousar macio na calha das coxas cruzadas com elegância. Já quente, a noite ficou mais quente.
Os dias seguintes, sob um céu de cristal, janelas sempre abertas, doces como a cocada que arrematou o jantar do encontro, foram vividos com saudades deles já ao vivê-los. Depois, bebida a taça inteira, à meia-noite, soou súbito nas trevas o primeiro acorde (attaca) da valsa do adeus. Como se preparados há muito tempo, sem súplicas ou lamentos, despediram-se. Melhor, abandonaram-se. O atracadouro da vilinha de pescadores? Uma saudade de pedra.
Pouco depois ele me procurou. O que tinha sido aquilo? Superatrasada paixãozinha adolescente de verão? Hipertemporão namorico de praia? Poucas vezes meu aconselhamento esotérico esteve tão fácil. Vocês, queridos leitores, sabem tão bem quanto eu que não importa. Fundamental é que foi bom. Reiluminou os sentidos e os gostos da vida. Como diz o genial Gonzaguinha: “é bonita!” E fica ainda mais bonita com festa e prazer.
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