Tempo sempre misterioso
Autoridade do destino, dominador daquilo que podemos chamar de sorte ou azar
Vem noite, lenta, nostálgica. O apartamento se embebendo do que acontecia lá fora, na rua: sombreado devagar, depois escuro; ficando silencioso aos poucos, depois mudo.
Eu, acomodada, manta até os joelhos para espantar o friozinho de uma primavera fria no sudeste brasileiro, relaxei. Sonolenta, leve, deixei-me levar por devaneios. Invadiram-me reflexões poéticas, lampejos das minhas vivências esotéricas, dos meus percursos espirituais: buscas, encontros e desencontros; experiências, acertos e desacertos.
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De um fundo agitado, elevou-se uma reflexão: a importância do Tempo – mistério primeiro e último, inaugural e conclusivo. Ah, pano de fundo de tudo! Sol e manto de estrelas, essência e enigma, esconderijo e revelação, proximidade e além.
Na réstia dourada do último raio de sol identifiquei o Tempo: imemorial, contando e recontando a carga de todos os passados em um estranho, perene e tranquilo alternar de sístole e diástole do próprio coração do Universo, pêndulo incansável descrevendo um vai-e-vem eternamente igual. De olhos fechados, fui quicando para lá e para cá, deixando o pensamento sucumbir às empoeiradas memórias de retorno aos passados para, logo em seguida, saltar adiante nas fantasias de antecipação dos futuros.
Soberano, atravessado bem no meio do caminho, mediador implacável, sempre fugidio, melindroso e brincalhão, o Tempo: autoridade do destino, dominador daquilo que podemos chamar de sorte ou azar – dependendo dos rumos, encontros e felicidades.
Percebi que adormeceria em breve, profundamente. O sonho já soprava o leve pó da minha imaginação. Abandonei-me. Deixei para lá a preocupação com as instigâncias filosóficas, desfaleci na maciez cálida de Morfeu, envolvente e sedutor.
Sonhei. Num deserto, imenso vazio, mar de areia, sob a luz vibrante de um luar pleno, passava diante de mim uma caravana de camelos, fila imensa, fluindo como um rio, marchando em sincronia de passos cadenciados: “plác-plác-plác-plác”.
Cada camelo tinha um número. O primeiro carregava-me bebê de um ano de idade. No segundo, vinha eu com dois. Passei garota no camelo quinze. Uma moça no vinte e dois. Seguia o cortejo. Eu, apreensiva. O que aconteceria depois do camelo da minha idade atual?
Não demorou muito e ele despontou, fechando a fila. Para meu espanto, porém, ao invés dessa senhorinha que acabei me tornando e hoje sou eu, retornava pimpona, gorduchinha e sorridente, exatamente a bebezinha que eu tinha sido, a menininha do primeiro camelo.
Pois é, caro leitor, assim é o Tempo: imprevisto, inesperado e, sempre e sempre, tão presente.
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