Tomate, minha "almida"
Coluna da última semana falava da “almida”, a comida para a alma. Aquele ingrediente ou prato que, além de encher a boca e a barriga, conforta e alimenta o espírito. Tomo como exemplo escolha pessoal: o tomate. Ah, tomate, querido, minha almida.
Mil maneiras de amá-lo: No molho, espesso e encarnado, colore, hidrata e deixa saboroso o macarrão. Na salada, crocante, contrastando com o azedo do vinagre. Em conserva, macio, adoçando o aveludado do azeite. Grelhado, no forno, frito (como na famosa receita americana que virou filme – “Tomates Verdes Fritos”), até mesmo como geleia.
Mas, entre tantas possibilidades, prefiro sem mistério, sem alegorias, puro: cortado ao meio, honrado por leve pitadinha de sal (só para esfregar de leve a língua). Cru, cornucópia de sensações simples. Os dentes atravessam a carne. O suco espalha pela boca. Ondas de prazer. Nobreza de uma abundante generosidade.
Água, polpa, sal, açúcar. Resistência e maciez, sólido e líquido. Bolinha de consistência (carnuda) e cor (ardente), despeja uma caudal torrente de natureza, lembra a força de tudo que é vida, mistério e satisfação, exemplo da consciência que devemos buscar na nossa caminhada terrena. Alimento para o corpo, enlevo para a alma.
Desde quando? Bem, eu o conheci menina, desde muito tempo, desde sempre. Lembro-me da horta, fundos do sítio do meu avô, verão de um sol cada vez mais intenso, meus dentes ainda pequenos rasgavam a suavidade da pele e da polpa, suco generoso e rico aspergia minha língua. Era um suco morno, que o frescor das geladeiras, a afronta dos vinagretes e a falsa nobreza do azeite mascara em sua generosidade essencial.
O tomate cru, fruta, devorado logo que é colhido na horta, é a maça do Paraíso, cascata que enche a boca e reúne todos os prazeres. A resistência da pele tensa, só um pouco, só o suficiente, até espocar. O aveludado dos tecidos gostosos de mastigar. O licor cheio de sementes que escorre pelo canto dos lábios e que, sem medo de sujar os dedos, enxugamos com a mão.
O tomate me colocava na boca (real e metafórica), sem que entendesse por completo seu significado, a palavra vida – mas hoje sei que tal vida (em plenitude perfeita) só existe na mitologia da nossa infância, anos mágicos – e para sempre passados – que deixam aos adultos seus amores desinteressados.
Esse é o tomate para mim. Ou melhor, a aventura espiritual do tomate para mim: desenfreado desejo de que o mundo desaparecido (re)torne, apesar do tempo que passou, que toda uma vida que se evadiu (re)signifique naquele agregado de aromas e sabores.
Ah, tomate, querido, minha almida, crisol de uma memória que quer fazer ouro com areia, eternidade com o tempo. Minha “almida” (comida de corpo e alma), eu te adoro, como ensinou Oscar Wilde: “Adoro as coisas simples. Elas são o último refúgio de um espírito complexo”.
E você, querido leitor, já encontrou sua “almida”?
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