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Uma inspiração

Um domingo especial: dia de eleição.

11 out 2018 - 09h00
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Um domingo especial: dia de eleição. Um friozinho incomum para essa época de primavera já avançando. Acordo muito cedo. Viro para cá e para lá na cama, nada de reconciliar com o sono. 

Entrega, doação, compartilhamento.
Entrega, doação, compartilhamento.
Foto: iStock

Quando é assim, o mais sábio a fazer é levantar, relaxar a mente, alongar o corpinho, mergulhar nas tarefas do dia que principia. O sono que espere. Em algumas horas as contas poderão ser acertadas com ele. Ele vai ver só, juros e correções.

Lavo o rosto, dou uma ajeitada geral, pego um casaco, me apronto e rumo à padaria. Há pão de forma, mas nada como o milagroso pão francês, quente e cheiroso, crocantinho por fora e macio como nuvem por dentro.

Na rua, o prazer da madrugada no seu auge. Mistério e vazio. No ponto de ônibus, geralmente lotado, nem uma pessoa. Primeiros tons de um azulado profundo vencendo o breu anunciam as luzes do dia. Do alto, em todas as direções, pipilar de passarinhos.

Comprado o pão, caminho de volta. Não é caminhada tão curta, vou andando devagar. Na cabeça a manteiga, o café com leite, a ansiedade para encontrar o título de eleitor que, de dois em dois anos, sismo não ter guardado direitinho no fundo da gavetinha. 

A jornada de regresso é mais puxado, se na vinda, descida, todo santo ajuda; agora, para o alto, as perninhas e o pulmão precisam trabalhar com mais intensidade, sinto a baixa temperatura no joelho e dentro do peito.

Lá pela metade do percurso, uma cena animadora, gostosa de ver, metáfora e desdobramento poético da vida. Em sentido oposto vem um jovem casal, enlaçados e felizes. Agarrados um na cintura do outro, mais dançam do que caminham. 

Aproximamo-nos e noto que ele está descalço. Carrega nas mãos uma bota preta de couro, cano bem longo, amarrada por cadarços compridos, salto alto, ponta afilada. Tomada de surpresa, num átimo, penso comigo: “Que moderno. Um rapagão assim calçando uma coisa dessas”. 

Mais um passo e compreendo melhor. Noto que ela vem arrastando uns tênis brancos, muito maiores que os pés, como se flutuasse num sapato de astronauta. Cruzamos sorridentes, avançamos em direções opostas.

Paro, olho para trás, acompanho a dupla se afastando. Como não admirar? Deixam um gosto bom (melhor do que o do pão!), de entender a força da paixão. O conforto dela era mais importante do que qualquer comodidade dele. 

Inspirou-me para o voto que deixaria nas urnas um pouco depois. Entrega, doação, compartilhamento. Gestos e posturas que despertam a felicidade. Ainda mais: tenho certeza que, envolvido por aquele abraço caloroso, ele não se importava com os pés gelados. 

Quer saber mais sobre o trabalho de Marina Gold ou entrar em contato com ela, clique aqui.

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Fonte: Marina Gold
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