Vidente conta história de Ano-Novo para renovar esperança
Ano Novo brotando. Manhã de primeiro de janeiro. Sol radiante. Na porta da padaria, um menino sentado. Pernas dobradas, o queixo roçando os joelhos. Em pé, eu disse “oi”. Ele olhou para cima, abriu o sorriso daquele esquilinho do desenho animado (os dentes pequenos, separados: um dente, um espaço, um dente, um espaço) e respondeu “oi”, com os olhos faiscando de vida.
Tinha chovido na véspera. As sandálias de borracha mostravam os pés sujos, ele tinha subido da favela no pontilhão, quatro quarteirões, doze minutos de caminhada. Agachando perguntei o nome. Ele levantou e, orgulhoso, disse em boa dicção: “Diego”. Também me levantei. “Idade?”. Olhando de novo para cima, batendo na minha cintura, titubeando: “Quantos anos eu tenho?”. “Isso, isso mesmo!”. Espalmando dedos das duas mãos: “sete”.
Antes de entrar no pequeno mundo dele como se fosse o meu próprio mundo, voltar outra vez à infância, lembrei-me, último laivo de responsabilidade, de outra questão necessária: “você está sozinho aqui na porta da padaria? Cadê a mamãe?”. “Ela saiu bem cedo para trabalhar”. “E ela deixa você andar por aí”. “Ah, sim, eu conheço bem as ruas, minha escola é pra esse lado. Mas hoje não tem aula não, já são férias”. Sublinhou essa última palavra com um gesto incisivo, movendo enérgica e repetidamente a mão direita, como se limpasse o caminho à frente — longo caminho que ele ainda teria para percorrer.
“Puxa, você passou sem recuperação”. Assentiu com a cabeça: “foi”. “Então você gosta da escola? Do que gosta mais?” Olhou-me, abriu novamente o sorriso de esquilinho e, confiando no atenuante da sinceridade, confidenciou: “da merenda”. Naquele momento, entendendo o óbvio, bati palmas toda animada.
“Bom, se você gosta tanto de merenda, a gente pode comer alguma coisinha aqui”. Ele topou alegre. Entramos. Pedi pingado e pão com manteiga. Ele emendou: “o mesmo”. Em silêncio, lado a lado, comemos felizes nossos pães sagrados e modestos. Eu, esforçada para manter a educação que o protocolo exige de um adulto, reparava como ele, para profunda inveja minha, molhava o pão no copo de café com leite, sorvendo deliciado aquela cheirosa papinha cor de caramelo, adocicada.
Quando terminamos, perguntei se ele topava outra rodada. Ressabiado, com voz bem discreta, quase pipilando, ele disse: “mas eu não tenho dinheiro para pagar”. Aprumei no banquinho, limpei a garganta, olhando fundo nos olhos dele, emendei compenetrada: “Diego, não se preocupe. Você é meu convidado. A história que vou contar desse nosso encontro paga nossos cafés”.
Para mais papinha, o esquilinho, todo feliz, sorriu de novo. Eu também sorri, sabendo que as coisas precisam ser todas assim, simples e bonitas como uma dessas histórias que renova esperanças num novo ano que se inicia.
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