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Vidente fala sobre linha divisória entre vivos e mortos

3 nov 2013 - 11h48
(atualizado às 11h48)
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Foto: Getty Images

O último sábado (02), Dia de Finados, envolvida pelo silêncio do fim do dia, percebi novamente, com aquela nitidez que se repete todo ano, a consistência daquela linha divisória entre nós e eles, aqui e lá. É uma simples película, textura frágil, tênue como a casca das bolhas de sabão.

Um leve toque, sutil, póc! Entre as gotículas minúsculas – pólen líquido, cada uma delas um globinho aquático refratando a luz em arco-íris do tamanho da cabeça de um alfinete –, vejo surgirem meus queridos. Estão felizes com o reencontro, e eu mais feliz ainda com a felicidade deles. Nossas felicidades se entrelaçam, se confundem, chego a perder o fôlego. 

A atmosfera toda é agradável. Tudo muito branco. Pombas alçando voo, lenços sacudidos no ar, uma clareza de cristal envolvendo as coisas e as pessoas. Poderia garantir que, se alguém resolvesse passar um cordial cafezinho, ele escorreria transparente.

Sossegados, desfilam meus queridos sem se deixarem contaminar por agitações. Minhas dificuldades, antes tão pesadas, também se dissipam. Ali só há lugar para ordem, limpeza e confiança. É um mundo apoiado em outros fundamentos, depósito de lembranças e memórias, purgado de qualquer mesquinharia. Outras leis governam, o sofrimento é afastado, as feridas são curadas, os cacos são colados.

A sensação de plenitude reconforta. Um por um cumprimento todos os meus queridos. Muito comovida, cheia de alegria, depois de um punhado de abraços, finalmente encontro, fechando o grupo, quem eu mais queria. Mudas, sem ousar palavras que machucariam aquele silêncio perfeito, ficamos rosto a rosto, coladas. Olho fundo nos seus olhos e, lá dentro deles, como se fossem lentes de aumento, vejo a seguinte cena.

O quarto da minha infância está banhado por aquela luz suave do dia começando a raiar. Levemente, passarinhos já cantam lá fora. Os armários e as gavetas estão abertos, exalam um aroma bom de lavanda, o mesmo da roupa de cama que me envolve. Ela entra cuidadosamente. Ao perceber que estou desperta, sorri. Caminha três passos em minha direção, estende a mão direita e, ao abri-la, oferece a minha guloseima preferida.

Nesse momento a cena se dissolve. Estamos novamente frente a frente. Radiando uma paz extraordinária, as leves batidas do meu coração enchem todo o espaço branco ocupado pelo ar. Ao mesmo tempo, como se fôssemos espelhos uma para a outra, uma lágrima escorre dos nossos olhos. Lágrima misteriosa. A foz e a fonte de todos os meus rios. Contém para mim o segredo de todo agora e todo sempre.  

Quer saber mais sobre o trabalho de Marina Gold ou entrar em contato com ela, clique aqui.

Fonte: Marina Gold
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