Lente de contato dental e faceta de porcelana: necessidade ou modinha?
Tratamento é contraindicado para quem sofre com bruxismo ou range muito os dentes
Facetas de porcelana, resina e lentes de contato dentais são realmente necessárias, ou podemos dizer que isso se tornou uma tendência ou moda? Às vésperas da estreia de algum reality show, por exemplo, tente conferir o antes, fotos e vídeos nas redes sociais, e o depois, quando os concorrentes já aparecem na telinha. Com certeza irá notar que vários deles alteraram o sorriso utilizando algum desses procedimentos.
Fernanda Oliani Marur, consultora técnica da rede de clínicas Oral Sin, explica que o tratamento com facetas é um procedimento altamente estético que, sim, ganhou visibilidade nas mídias a partir da grande adesão da classe artística. E que, apesar de a procura ser maior do que a indicação por parte do profissional dentista, o procedimento restaurador com laminados cerâmicos se faz necessário em alguns casos, aqueles que vão além do desejo de um sorriso mais claro e harmônico. "Em algumas situações, devido ao desgaste acentuado da estrutura dentária, a execução desse procedimento se torna essencial para a restituição anatômica e funcional dos dentes, no resgate da eficiência mastigatória e preservação da estrutura remanescente", comenta.
Lentes de contato são indicadas em vários casos: para fechamentos de diastemas, que são o espaço entre os dentes; alterações de formato dental; estabelecimento de proporção adequada entre altura e largura, especialmente para dentes muito pequenos (conoides) e dentes escuros, exemplifica Sérgio Brossi Botta, presidente da Câmara Técnica de Dentística do Crosp (Conselho Regional de Odontologia de São Paulo).
Ele lembra, no entanto, que o tratamento é contraindicado para quem sofre com bruxismo ou range muito os dentes, já que isso pode "arrancar a lente de contato". Não há indicação quando a questão estética pode ser resolvida com outros tratamentos, como clareamento dental ou ortodontia, por exemplo. "Também não é recomendado para dentes muito escurecidos, dentes muito 'destruídos' ou restaurados, em que facetas mais espessas ou coroas resolveriam o problema", completa.
Fernanda conta que dentre os principais procedimentos estão as reabilitações estéticas por meio de facetas e que, na classe artística, predomina o material cerâmico, mas também em resina composta. "A diferença maior entre eles está no material, técnica e valor do tratamento. A faceta em porcelana é realizada por uma técnica indireta, com material mais resistente ao desgaste, e com estabilidade de cor. Já a resina composta é esculpida diretamente sobre o preparo dentário, possui menor resistência ao desgaste e menor estabilidade de cor por ser um material mais poroso". Quanto a valores, devido aos custos de produção em laboratório dental e por ser um tratamento que em está em "alta", as facetas em cerâmica têm valor agregado maior na comparação com a resina composta.
Está havendo um uso exagerado?
Botta diz que sim: "Podemos estimar que 80% das pessoas que estão utilizando lentes de contato de resina ou cerâmica estão com sobretratamento, ou seja, estão utilizando apenas por motivos estéticos e sem indicação". Já Fernanda diz não acreditar que haja um uso exagerado da técnica, mas, sim, uma grande procura por esse tipo de tratamento pela influência de artistas e mídias sociais. E, com o aumento dessa demanda, também há um crescimento da oferta, ou seja, profissionais dispostos a realizá-la.
"O que particularmente me preocupa é a execução de um procedimento irreversível (quando há desgaste da estrutura dental) apenas com finalidade estética e sem a devida indicação e execução. Público cada vez mais jovem, falta de alinhamento de expectativa e resultados insatisfatórios, do ponto de vista estético. Acompanho também um número crescente de retrabalhos com sérios danos ao paciente, biológicos, materiais e emocionais", admite Fernanda.
Para agravar a situação, a pessoa pode optar por realizar esses procedimentos mesmo sem uma necessidade clínica evidente. "A escolha de fazer ou não o tratamento é sempre do paciente, mas o cirurgião-dentista tem a obrigação ética de orientar o paciente caso não seja indicado para ele", frisa Botta. Fernanda cita que os mais interessados são os jovens que chegam ao consultório na busca pelo belo e perfeito, querendo realizar um procedimento estético sem "necessidade" clínica: "Mas quando o assunto é estética, partimos para uma percepção subjetiva onde pode haver divergência de opinião. Não vejo maiores problemas, desde que o paciente tenha ciência do procedimento, das etapas envolvidas, que ele aprove o ensaio restaurador, e que o procedimento seja realizado de acordo com o que a técnica preconiza. Deve haver embasamento científico e aplicação de materiais de qualidade".
Quem chega ao consultório pedindo por esses procedimentos, na maioria das vezes, desconhece os riscos e consequências a longo prazo? Botta reconhece que o paciente não tem conhecimento algum sobre os riscos e consequências dos tratamentos realizados, e que, deste modo. é obrigação ética do cirurgião-dentista orientá-lo.
Já Fernanda, lembra que hoje a população tem nas mãos uma ferramenta fantástica: a Internet.
"Nela encontramos 'todas' as respostas, não é mesmo? Em partes. Muitas vezes, a fonte de informação não é verificada, as imagens não são reais, e há situações que não correspondem ao real. Na grande maioria das vezes, o paciente já chega na avaliação com o diagnóstico e plano de tratamento pronto para o dentista executar. Mas o profissional é autoridade! Ele é o responsável por explicar, ponderar, expor prós e contras e propor o melhor tratamento para cada caso".
Riscos e consequências
No tratamento com facetas, quando há a necessidade de desgaste dental, os riscos são desgaste acentuado e sensibilidade dentinária. Quando realizado o desgaste, não tem como voltar atrás (irreversível). Portanto o paciente que realiza o tratamento com facetas, na eventual necessidade de troca dos laminados, sempre será um portador de facetas. Trocará uma faceta por outra. "Além disso, o material cerâmico não é passível de reparo, ou seja, se ele lascar ou quebrar, será necessário fazer uma nova faceta", enfatiza Fernanda.
"Se for feito por um profissional capacitado, o procedimento não apresenta grandes riscos. Se o dentista desgastar muito o dente, o paciente pode ter uma sensibilidade dentária, que ocorre pelo desgaste da camada de esmalte, expondo áreas da dentina, onde existem terminações nervosas que causam a dor", diz Botta, que acrescenta: "Por isso, o laminado cerâmico cimentado deve vedar esses túbulos para que essa sensibilidade não ocorra ou diminua com o tempo. Se houver um excesso de material no limite entre a lente de contato e a gengiva, pode ocorrer inflamação gengival, acúmulo de bactérias e infiltrações de cárie na linha de emenda entre o laminado cerâmico e o dente. Nesse caso, o 'barato' acaba saindo caro".
Fernanda complementa ao falar que, quando realizado o desgaste, não tem como voltar atrás, ou seja, é algo irreversível. "Portanto o paciente que realiza o tratamento com facetas, na eventual necessidade de troca dos laminados, sempre será um portador de facetas. Trocará uma faceta por outra. Além disso, o material cerâmico não é passível de reparo, ou seja, se ele lascar ou quebrar, será necessário fazer uma nova faceta".
O procedimento dói?
Botta fala que, apesar de haver grande propaganda nas redes sociais sobre os tratamentos com lentes de contato serem feitos sem nenhum desgaste dental, isso só ocorre numa minoria de casos, menos de 7%. Nos demais, precisa haver um certo desgaste dental para as lentes de contato ficarem bem adaptadas ao dente do paciente e se obter os resultados desejados de cor, formato, posição e tamanho.
"Esta adaptação é muito importante, evitando sobrecontorno na região cervical do dente, próximo à gengiva, que pode causar problemas como inflação gengival com sangramento e cárie secundária. Eticamente, de acordo com o Código de Ética Odontológica, o desgaste dental pode ser feito no mínimo necessário para o tratamento ser bem realizado, seguindo o embasamento científico contemporâneo", afirma o profissional.
Nem sempre é necessário desgastar o elemento dentário, conta Fernanda, o que vai determinar a quantidade de desgaste será a recomendação, sob qual queixa a faceta é indicada (alteração cor, formato, disposição do dente etc). "O desgaste varia de 0,2 a 1,5 mm e o procedimento é realizado sob anestesia local, o que proporciona uma execução sem maiores desconfortos, livre de sintomas de dor".
Algo irreversível
Como foi dito, toda vez que for necessário desgaste dental, o procedimento torna-se irreversível. Porém, Botta frisa que é preciso muito cuidado com as falsas alegações de muitos dentistas de que o tratamento com lentes pode ser reversível, "apenas precisa remover a resina do dente": "Para fazer isso, é necessário utilizar pontas abrasivas diamantadas e, em seguida, pontas multilaminadas e borrachas abrasivas, e é praticamente impossível remover sem ocorrer nenhum desgaste dental".
Com o tempo as lentes precisam de troca ou revisão?
A verdade é que todo tratamento odontológico precisa de revisão de tempos em tempos. E o recomendado é que o paciente realize uma visita a cada seis meses ao cirurgião-dentista. Botta diz que as lentes de contato de porcelana podem durar aproximadamente 15 anos, dependendo dos cuidados do paciente e que o ideal é realizar visitas semestrais ao dentista para checar se está tudo certo.
Facetas ou lentes de contato de resina composta possuem uma vida útil muito menor, podendo durar até dez anos se forem muito bem feitas e o paciente fizer visitas semestrais ao dentista. "Facetas de resina devem ser repolidas no máximo a cada dois anos para manterem sua durabilidade e evitar manchamento superficial, porém, isto depende da alimentação do paciente, pois alimentos pigmentados e ingestão frequente de álcool acaba por degradar mais rapidamente a resina".
Higiene bucal intensificada
Uma das contraindicações para o tratamento com facetas é exatamente não ter uma boa saúde bucal, ou seja, quando o paciente apresenta higiene oral (acúmulo de placa e alto índice de cárie) e saúde periodontal (osso e gengiva) ruins. "Isso diz respeito ao perfil, colaborador ou não, do paciente. O intensificar a higiene não quer dizer escovar mais vezes ou colocar mais força e, sim, realizar a técnica correta e utilizando os instrumentos indicados, como fio dental, escova e pasta dental, além de enxaguantes", ensina Fernanda.
A higiene oral sempre é importante, em todos os tratamentos, destaca Botta, e quando o paciente possui próteses ou lentes de contato de resina nos dentes, ele precisa ter uma higiene oral mais apurada com uso diário de fio dental, escovação dental com creme dental e, como já foi falado, visitas a cada seis meses ao dentista para verificação e manutenção do tratamento realizado. "As lentes de contato necessitam de um pouco mais de cuidado na higienização bucal. Atenção especial ao fio ou fita dental também deve ser redobrada, principalmente nas áreas de emenda dos dentes com as próteses, a fim de se evitar o surgimento de lesões de cárie nos dentes e inflamação gengival".
O paciente escolhe o tratamento?
Os dois profissionais concordam que é comum o paciente chegar ao consultório já com seu desejo de realizar o tratamento, porém é obrigação do dentista esclarecer as dúvidas do paciente e orientá-lo sobre o melhor tratamento para cada caso, "como alguns tratamentos minimamente invasivos como limpeza dental, microabrasão dental e clareamento dental.", exemplifica Botta.
"No primeiro contato, o paciente já diz o que quer, como quer, que fique com o resultado 'x' e que não deseja que desgaste o dente. Muito importante, primeiro de tudo, é ouvi-lo, seus anseios, medos e expectativas. E, após isso, com muita calma, explicar como funciona o tratamento. As etapas, implicações, cronologia e, principalmente, as limitações inerentes a cada caso. Acho de suma importância alinhar as expectativas, e com profissionalismo manter o posicionamento", salienta Fernanda.
Profissional despreparado
Os riscos do paciente escolher um profissional não habilitado são vários. Vão desde o insucesso do tratamento no que tange problemas biológicos (desgaste acentuado, sensibilidade, procedimentos não previstos para sanar eventuais intercorrências, como tratamento endodôntico e restaurador), custos adicionais quando da necessidade de repetir alguma etapa do tratamento (material, hora clínica e custos laboratoriais), problemas de relacionamento com o paciente mediante um resultado insatisfatório, além de que todas essas questões podem levar a um processo judicial caso as partes não consigam entrar em um acordo e seja constatado dano ao paciente (relação de causalidade), lista Fernanda.
"Tome muito cuidado no momento de escolher o dentista que fará seu tratamento. Quando o profissional escolhido não tem experiência e nem fez um treinamento adequado, existe grande chance de você ter problemas", alerta Botta.
Ele diz que podem ocorrer desgastes excessivos no dente, utilização de material de baixa durabilidade visando apenas o lucro, indicação sem necessidade apenas por ganho financeiro; se a lente ficar com sobrecontorno pode causar infiltração marginal, que resulta em inflamação periodontal e lesão de cárie no dente; pode ocorrer alteração da dinâmica de oclusão do paciente, causando disfunção têmporo mandibular.
"E ainda pode causar crise de personalidade do paciente quando este tiver que remover as lentes extremamente brancas e este pode não ter condições financeiras de refazer o serviço de modo adequado com um profissional preparado", completa.
Para finalizar, Fernanda conta que, apesar de ser um tratamento conhecido e realizado por muitos, sendo muitas vezes considerado fácil e rápido, é um tratamento reabilitador que possui sua complexidade. "A decisão de realizar qualquer tratamento deve ser bem pensada e avaliada, sobretudo ao escolher o profissional que o irá executar. Sanar todas as dúvidas, realizar o ensaio restaurador para ter a segurança quanto ao resultado esperado e seguir as recomendações do profissional é essencial para o sucesso do tratamento".