Morte de modelo: "Todos decidiram manter os desfiles", diz SPFW
"Ninguém mandou me chamar aqui. Mas já que me chamaram, vou falar: ninguém tinha que estar aqui. O cara acabou de morrer, não é? Temos que respeitar as vidas das pessoas". A frase dita pelo rapper Rico Dalasam, durante o desfile da Cavalera, que fechou a noite e a 47ª edição do São Paulo Fashion Week, fez uma referência direta ao questionamento sobre a continuidade ou não do evento. Foi aplaudido e ovacionado na hora.
O questão era geral entre os presentes no SPFW, incluindo os jornalistas, após o anúncio da morte do modelo Tales Cotta, que teve mal súbito durante o desfile na grife Ocksa. Nas redes sociais, o assunto também veio à tona. Internautas publicaram posts de repúdio à continuação do desfile da marca e das apresentações posteriores (veja reação de internautas no fim da matéria).
Esclarecimento
Segundo nota oficial do SPFW, quando recebida a confirmação da morte do modelo, foi feita um reunião com as marcas, diretores de desfiles, stylists e modelos que tinham desfiles na programação. "Foi dada a opção de cancelar os mesmos. Mesmo abalados, todos decidiram manter os desfiles. Foi decidido também pelo minuto de silêncio na abertura de cada um." (veja integra da nota oficial no fim da matéria)
As duas últimas grifes que desfilaram no SPFW lembraram do ocorrido na passarela . Duas modelos do Projeto Ponto Firme levaram papéis com as palavras "Amor" e "Luto", escritas à mão. Na Cavalera, além do desabafo do rapper, alguns modelos e o dono da marca Alberto Hiar, entraram com fitas pretas no braço.
Ponto Firme
O Projeto Ponto Firme reafirmou o lado social da moda, ao apresentar os trabalhos de crochê feitos por presidiários da penitenciária Adriano Marrey, em Guarulhos (SP). As peças, que levam meses para se serem elaboradas, foram apresentadas em desfile que emocionou o público.
Peças bem elaboradas, com looks compostos por jeans da Levi's e calçados da Melissa. Como trilha sonora, frases de especialistas e artistas sobre a situação das penitenciárias e dos presos no Brasil. O projeto tem o apoio da Círculo, fabricante de linhas.
Cavalera
E como "o show tem de continuar", a Cavalera retornou às passarelas do SPFW, após três anos ausente (o último foi na coleção verão 2016), com um time de rappers se revezando na trilha sonora ao vivo: Rico Dalasam, Bivolt, Edir Rock, Black Alien, Ice Blue, Froid. Ao entrar na sala, os convidados recebiam canetas em cores neon para escrever mensagens no chão.
A coleção trouxe de volta a estética anos 1990, quando o hip hop começou a influenciar a moda e elementos do streetwear, que faz parte do DNA da marca. Roupas amplas, sobreposições, doudounes dourados (casacos de náilon inflados), xadrezes variados, estampas geométricas e muito neon.
Flavia Aranha
Flávia Aranha, cuja marca completa 10 anos da marca em 2019, debutou no SPFW. A estilista, que trabalha com materiais sustentáveis, feitos por cooperativas do Brasil afora, trouxe uma coleção delicada, suave, repleta de referências à natureza do país. Minimalista, exibiu looks feitos com algodão e juta ecologicamente sustentáveis. As cores derivadas do rosa foram obtidas através de tingimento com casca de pau-Brasil.
Em nota no Instagram, a estilista disse que se soubesse do ocorrido, não teria desfilado. Lembrando que quando Flavia Aranha desfilou, ainda não havia sido confirmada a morte do modelo. Veja texto da estilista:
"Há alguns dias, pensei muito no post que escreveria na manhã seguinte pós nossa estreia na SPFW. Queria celebrar e agradecer toda a rede que construímos coletivamente ao longo desses anos, agradecer cada pessoa da nossa equipe que trabalhou incansavelmente nesse mês para que tudo ficasse pronto, na hora certa, com carinho e amor. Uma equipe da qual tenho tanto orgulho e sorte por ter ao meu lado. Mas a verdade é que só consigo pensar na tragédia da morte de Tales Cotta no desfile anterior ao nosso. Eu não fazia ideia do que havia acontecido. Até quase uma hora após o término do nosso desfile. Se soubesse não teria desfilado. E sinto necessário tornar essa informação pública. Ficou muito estranho sentir alegria sem saber da dor que ocorria logo ali, do meu lado. Minhas mais sinceras condolências à família."
Piet
O desfile da Piet foi o primeiro a ter um minuto de silêncio, pois quando começou já sabia da morte do modelo. O diretor criativo Pedro Andrade fez uma verdadeiro exercício de desconstrução dos uniformes, extraindo os principais elementos das vestimentas para criar uma coleção moderna e atual. Plissados das saias escolares, cintas de sustentação e aviamentos das roupas técnicas das obras". Reuniou todos esses elementos num alfaiataria bem feita.
NOTA OFICIAL DO SPFW
"O modelo Tales Cotta teve um mal súbito no desfile da Ocksa e foi prontamente atendido pelos socorristas. Foi levado ao hospital com vida, sem indicação que viria a falecer.
O evento foi informado do falecimento as 18:50.
Com esta notícia, a organização se reuniu com as marcas, diretores de desfiles, stylists e modelos que tinham desfiles na programação, e foi dada a opção de cancelar os mesmos. Mesmo abalados, todos decidiram manter os desfiles. Foi decidido também pelo minuto de silêncio na abertura de cada um.
Lamentamos profundamente a morte de Thales, e mais uma vez prestamos nossas condolências a família.Estamos prestando toda assistência necessária neste triste momento."
VEJA REPERCUSSÃO NAS REDES SOCIAIS
Me deu um aperto no coração tão grande ver o vídeo do rapaz caindo morto na passarela do #SPFW e o desfile continuando. Outra modelo entrando e é isso aí.
Ninguém quer saber se ninguém. Ninguém vale nada pra ninguém.
O mercado da moda fede!!
— Marina (@amarinabarbieri) 28 de abril de 2019
É capitalismo selvagem à toda. É como tirar uma peça para a engrenagem continuar rolando. E não pode ser assim. Não deveria poder ser assim.
— Eduardo Viveiros (@eduardoviveiros) 27 de abril de 2019