O 'tamanho da vaidade': por que temos a impressão que as roupas estão menores?
Essa diminuição não é só impressão, pode ser estratégico para aumentar as vendas, e os efeitos nos consumidores são bem reais
Recentemente, a atriz Giulia Costa, filha de Flávia Alessandra, usou o Instagram para fazer um desabafo. A jovem de 22 anos revelou que não se sente bem em entrar em um provador, sendo um gatilho para ansiedade para ela. Giulia ainda disse que as peças nas lojas "parecem cada vez menores" e, além disso, ela está em uma fase de baixa autoestima.
"Parece que as formas das roupas estão cada vez menores e incertas. Eu odeio essa sensação", afirmou. E ela não está sozinha nessa e essa prática tem até nome: "vanity sizing", que pode ser traduzido do inglês como "tamanho da vaidade".
"Isso acontece quando o manequim mostrado na etiqueta é menor do que o real para que os consumidores 'se sintam mais magros'. Como se usar tamanhos maiores fosse algo desabonador", explica a empresária e ativista Flávia Durante, que criou o "Pop Plus", uma das maiores feiras voltadas ao mercado plus size da América Latina.
A consultora de moda Cáren Cruz já vivenciou na pele esse fenômeno. "Eu visto M, ou 40, e em algumas lojas eu não entro nem no 42 ou 44, ou tamanho G. É totalmente desproporcional", relata.
Flávia afirma que a prática atinge diretamente o consumidor, principalmente se ele for mulher. "(A mulher) Está sempre se sentindo em defasagem. Ela nunca está satisfeita com o seu próprio corpo, sempre se sentindo maior do que ela é, nunca encontrando roupas do tamanho adequado."
A psicóloga e consultora de estilo Priscila Citera afirma que, infelizmente, a moda ainda não se desvinculou da cultura da magreza. "Por mais que o mercado plus size esteja crescendo, a maioria das marcas ainda não consegue atender ao público gordo", afirma.
Segundo Priscila, quando uma marca diminui a roupa, onde um número 40 serve em quem usa 38, ela quer passar a impressão de que atende a números maiores, sem precisar fazer isso de fato.
Ela relata que a maioria das pessoas que contratam os serviços de uma consultoria de estilo o faz por causa da etapa de encontrar e comprar roupas. As queixas são inúmeras: não conhecem lojas que atendem diferentes tipos de corpos, se sentem incomodados de experimentar muitas roupas e chegam até a relatar que são constrangidos por vendedores por causa de seus corpos.
"Eu já tive mais de um relato de mulheres que são destratadas por vendedoras por causa de seus corpos. Eu já vi uma cliente minha ficar triste por não caber em uma peça de tamanho M e caber em uma peça P na mesma loja", elenca Priscila.
Não se sentir contemplado pelos tamanhos disponíveis deixou de ser um problema restrito somente a pessoas gordas.
"Quando eu criei o 'Pop Plus' o objetivo era alcançar o público gordo, pessoas que vestem acima do 46 e 48. O que aconteceu é que mulheres que vestem abaixo dessa numeração começaram a não se sentir contempladas no mercado de moda convencional. O mercado plus size teve que começar a diminuir a grade para alcançar essas mulheres", relata a empresária Flávia.
Não existe um padrão para o tamanho das roupas?
Em dezembro de 2021, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) publicou em seu catálogo uma nova norma para definir tamanho de roupas femininas, incluindo as dimensões em centímetros de cada peça e não somente por número ou letra.
A publicação da norma é resultado de um amplo estudo conduzido pelo Comitê Brasileiro de Têxteis e do Vestuário da ABNT com representantes do setor, como o Senai Cetiqt, modelistas, entidades como a Associação Brasileira do Plus Size (ABPS) e de redes varejistas. Mas tem um porém: a norma não é obrigatória.
"Ninguém vai pagar uma multa se deixar de cumprir a nova tabela", explica a estilista e escritora de livros sobre moda Salma Soria. Segundo a empresária Flávia Durante, a inclusão da numeração maior nessa padronização foi resultado de uma luta de entidades do setor plus size.
Se corpos por si só são plurais, a questão fica ainda mais forte no nosso país diante da diversidade de pessoas que moram nele.
"A gente é extremamente diverso, a gente não tem um rosto brasileiro, a gente tem um corpo brasileiro, um corpo que tem muitas diferenças na sua estrutura, fruto da miscigenação", afirma Salma.
"Eu acho muito difícil padronizar uma tabela para os corpos do Brasil, mas precisa ter um ponto de partida, principalmente para as marcas que estão começando, já que as faculdades de design não ensinam a se trabalhar com corpos maiores", completa Flávia.
A estilista Salma acredita que existam vantagens na hora de criar um padrão, principalmente quando se trata de produção de roupas em larga escala. Já a consultora de moda Cáren Cruz defende que as roupas sejam apresentadas em centímetros, mais ou menos como acontece com as lojas online.
"Centímetros referentes ao quadril, cintura, ombros e outras partes do corpo. Dessa forma, quem for comprar vai poder saber se aquela peça serve ou não para aquele corpo", defende.
A psicóloga e consultora de estilo Priscila Citera torce por uma padronização que atenda uma ampla variedade de corpos. "Eu espero poder ainda estar trabalhando como consultora de estilo para poder vivenciar isso na prática", finaliza.