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O custo invisível do corpo perfeito: magreza, bodybuilding e problemas mentais

A pressão por uma aparência idealizada, inclui músculos volumosos e definição extrema, algo que não é tão fácil de conseguir apenas pela "natureza", e empurra as pessoas para o uso indiscriminado de esteróides anabólicos androgênicos (EAA)

30 set 2024 - 16h31
(atualizado às 16h34)
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Hoje, preciso falar com vocês sobre algo muito importante - que muitas pessoas não percebem - mas que pode estar afetando a saúde mental e até mesmo gerando doenças emocionais sérias. Temos visto uma crescente de grandes influenciadores, e até mesmo médicos ou profissionais de saúde, com corpos que sabemos que não 'são naturais'. É o "fake natty", o bordão que se popularizou para se referir à pessoas que usam anabolizantes.

O ‘ser forte’ de algumas décadas nem se compara com a definição que vemos hoje em dia. Os corpos, como os dos super
O ‘ser forte’ de algumas décadas nem se compara com a definição que vemos hoje em dia. Os corpos, como os dos super
Foto: heróis de décadas atrás, já não são mais o corpo perfeito da atualidade - Canva Equipes/Nobilior Images / Bons Fluidos

O que antes era feito 'escondido', hoje, é assumido, exaltado e até mesmo recomendado e prescrito por médicos. A indústria da estética move milhões de reais e promove uma estética inalcançável, fazendo com que mais pessoas busquem o corpo perfeito sem se importar com as consequências. Vivemos em uma era em que o culto ao corpo ideal está cada vez maior, e a "régua" está atingindo níveis impossíveis.

O 'ser forte' de algumas décadas nem se compara com a definição que vemos hoje em dia. Os corpos, como os dos super-heróis de décadas atrás, já não são mais o padrão da atualidade. O mesmo acontece com o corpo feminino, que também tem tido "réguas" complicadas. Junto com tudo isso, estão surgindo os problemas mentais aliados à sensação de que nunca somos 'o suficiente'. Nunca magros o bastante, definidos o bastante e, para alguns, nunca fortes o bastante.

A pressão por uma aparência idealizada, inclui músculos volumosos e definição extrema, algo que não é tão fácil de conseguir apenas pela "natureza", e empurra as pessoas para o uso indiscriminado de esteróides anabólicos androgênicos (EAA). O fenômeno do bodybuilding tem crescido exponencialmente no Brasil, porém, o preço dessa busca incansável pela estética pode custar a saúde física e mental.

O que são esteroides anabólicos androgênicos (EAA)?

Os EAAs são hormônios sintéticos que imitam a ação da testosterona, promovendo crescimento muscular (efeito anabólico) e características masculinizantes (efeito androgênico). Eles tiveram seu desenvolvimento na década de 1930 e serviam para tratar doenças médicas, como hipogonadismo, perda de massa muscular e outras doenças mais sérias.

Entretanto, o seu uso não tem sido para pessoas adoecidas, muito pelo contrário. Mesmo estando saudáveis e com doses normais destes hormônios, as pessoas querem doses hormonais com valores muito acima dos limites saudáveis no exame de sangue.

Hoje, querer ter performances acima do normal, tem virado muito rotineiro nas academias e nos consultórios médicos. A busca pelo shape perfeito é sinônimo de ser 'respeitado' e validado. E ainda, quem antes fazia o uso escondido, tem comentado normalmente sobre o assunto em rodinhas de academia e conversas do dia a dia. Atualmente, o uso de anabolizantes não é feito às escondidas, mas, muitas vezes, prescrito por médicos.

O Brasil é conhecido por sua cultura de adoração à estética. Somos o país que mais faz cirurgias plásticas no mundo e abre clínicas de estética. Os procedimentos brasileiros fazem muito sucesso até mesmo no exterior.

O fisiculturismo e uma forte presença de influenciadores nas redes sociais têm alterado os padrões estéticos do Brasil. Ser 'sheipado' tem sido sinônimo de poder influência e respeito. Com isso, tem aumentado uma legião de pessoas que fazem uso de anabolizantes.

As estimativas mostram que o Brasil é o segundo maior consumidor de anabolizantes esteróides do mundo - perdemos apenas para os Estados Unidos.

O Brasil se destaca no cenário global do bodybuilding, com atletas de renome internacional, como Felipe Franco e Eduardo Correa, que inspiram milhões de seguidores. No entanto, o uso de esteroides não está restrito aos competidores profissionais.

Uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) apontou que cerca de 1 milhão de brasileiros já utilizaram anabolizantes, sendo que 15% dos usuários são adolescentes. Isso reflete um fenômeno preocupante, uma vez que o uso de EAAs por jovens pode causar danos irreversíveis ao corpo em desenvolvimento. Também não é incomum ver grandes influenciadores do esporte morrendo por problemas cardíacos. O que vemos acontecer são os padrões estéticos ficando mais importantes do que a saúde.

As concentrações plasmáticas normais de testosterona para homens encontram-se na faixa entre 300 e 1.000 ng/dL. De modo geral, 200 mg de cipionato de testosterona administrados a cada duas semanas restauram as concentrações de testosterona fisiológica em um homem com hipogonadismo. Porém, as doses dos usuários ilícitos são muito maiores: de 10 a 100 vezes superiores à dosagem terapêutica, sendo usual a combinação de EEAS orais com os injetáveis.

O uso abusivo de esteroides está frequentemente associado à uma condição chamada vigorexia, também conhecida como dismorfia muscular. Indivíduos com vigorexia desenvolvem uma percepção distorcida de seu corpo, acreditando que nunca são musculosos o suficiente, mesmo quando possuem grande volume muscular. Assim como a anorexia faz com que pessoas magras se vejam como acima do peso, a vigorexia leva homens e mulheres a buscarem incessantemente um corpo mais musculoso, muitas vezes com a ajuda de anabolizantes.

Estudos apontam que a vigorexia afeta principalmente homens jovens, mas também pode atingir mulheres, especialmente no ambiente do fisiculturismo. Pesquisas publicadas no Journal of Clinical Psychology revelam que a prevalência de dismorfia muscular é significativamente maior entre fisiculturistas e levantadores de peso, onde a pressão social e o culto ao corpo exacerbam essa condição.

O ciclo é reforçado pela validação social — tanto nas competições, quanto nas redes sociais — e pela sensação de poder e controle proporcionada pelo uso dos EAAs. No entanto, isso vem à custa da saúde física e mental.

A vigorexia, ou dismorfia muscular, é um transtorno mental cada vez mais comum, e mais associado ao uso abusivo de esteroides. Indivíduos com vigorexia possuem uma visão distorcida de si mesmos, acreditando que nunca são musculosos o suficiente, mesmo quando atingem níveis extremos de volume muscular é como se nao enxergassem o próprio corpo. Assim como a anorexia leva pessoas magras a se verem como acima do peso, a vigorexia leva homens e mulheres a buscarem incessantemente um corpo mais forte, frequentemente recorrendo às EAAs para alcançar esse objetivo. O grande problema é que este comportamento tem sido mais admirado. As pessoas que passam horas e horas na academia, e que têm o corpo definido e volumoso, e que possuem uma produtividade fora da curva, influenciam milhões de pessoas a seguirem o mesmo padrão de comportamento - e isso tem sido visto em jovens bem novos.

Outras pesquisas, publicadas no Journal of Clinical Psychology, revelam que a prevalência de dismorfia muscular é significativamente maior entre fisiculturistas, especialmente aqueles expostos à validação social em competições e redes sociais. O ciclo de uso é reforçado pela sensação de controle e poder proporcionado pelos EAAs, mas isso vem à custa da saúde física, mental e social.

Na saúde mental, observamos que, de início os usuários se sentem mais eufóricos e hiperativos, mas isso dura pouco. Não é incomum ver mudanças bruscas de humor, irritabilidade extrema, aumento de ansiedade generalizada, crises de pânico e depressão nos períodos sem o uso dos anabolizantes.

Aliado a esses sintomas, há certos padrões comportamentais, como sintomas obsessivos por dieta e treino, isolamento social para não saírem dos padrões. Por ser uma atitude validada pela sociedade, apenas notamos que a pessoa está adoecida quando as consequências já são graves.

Existe até um termo para descrever os acessos de raiva incontroláveis: o 'roid rage'. Um estudo feito pela Harvard Medical School mostrou que 30% dos usuários de esteroides apresentaram algum tipo de transtorno de humor, incluindo episódios maníacos e depressivos severos, e mais raramente sintomas psicóticos. Ou seja, sintomas nos quais os individuo perdem a conexão com o mundo real.

E é muito muito difícil retirar ou modificar as doses, pois o paciente sente-se mais fraco, menos viril, é como se retirassem seus "poderes". Eles geram uma dependência intensa e há também a perda de massa muscular que provoca uma queda drástica na autoestima - que, quase sempre, já está afetada - levando muitos a retomar o uso em um ciclo vicioso e sem fim, ficando escravos das doses.

Outros efeitos que notamos são alterações de pele e unha, que causam acne e queda de cabelo. Outros problemas cardiovasculares como hipertensão, infartos, acidentes vasculares cerebrais e até morte súbita também já são observados.

Estudos ainda indicam que usuários de esteroides têm até 3 vezes mais chances de morrer prematuramente. Homens podem desenvolver atrofia testicular, infertilidade e ginecomastia (crescimento de mamas), enquanto as mulheres podem sofrer com virilização, incluindo o crescimento de pelos faciais, engrossamento da voz e irregularidades menstruais. Esses efeitos são, muitas vezes, irreversíveis. O uso de EAAs ainda está associado a hepatotoxicidade, incluindo a possibilidade de desenvolvimento de tumores no fígado.

O tratamento da vigorexia e do abuso de EAAs

O tratamento para indivíduos com vigorexia e abuso de esteroides envolve uma combinação de tratamentos nos quais é preciso ir a fundo e entender o que há por trás da busca pela estética e quais os preços físicos e psicológicos que essas pessoas estão pagando!

Na psiquiatria, o tratamento é personalizado, buscando entender o padrão de funcionamento de cada pessoa e qual o adoecimento, depressão, ansiedade, transtornos de personalidade, entre outros. Ela também é essencial e ajuda os pacientes a reconstruírem uma autoimagem mais saudável, ajudando na aceitação e construção da autoconfiança, questionando as crenças disfuncionais sobre o corpo. Em casos graves, o uso de antidepressivos e ansiolíticos estabilizadores de humor podem ser necessários para lidar com os sintomas de abstinência e os transtornos de humor associados.

Na abstinência, podem acontecer episódios de depressões graves com ideação suicida - provavelmente devido à depressão do eixo hipotalamico-hipofisario-gonadal, após a administração de EEAs exógenos. Mais estudos publicados no American Journal of Psychiatry demonstram ainda que a combinação de psicoterapia e medicação pode reduzir significativamente os sintomas de depressão e ansiedade em usuários de EAAs.

Os efeitos físicos e psicológicos dos esteroides ainda podem afetar importantes funções do organismo, tais como:

  • Sistema cardiovascular: O uso prolongado de EAAs pode causar hipertensão, aumentar o risco de ataques cardíacos, acidentes vasculares cerebrais e insuficiência cardíaca. Estudos mostram que os usuários de esteroides têm 3 vezes mais chances de morrer prematuramente em comparação à população geral;
  • Sistema reprodutivo: Homens podem sofrer de atrofia testicular, infertilidade e ginecomastia (crescimento de mamas), enquanto as mulheres experimentam virilização, incluindo o engrossamento da voz, crescimento excessivo de pelos e irregularidades menstruais. Esses efeitos, especialmente em mulheres, podem ser irreversíveis;
  • Sistema hepático: O uso de EAAs está associado a disfunções hepáticas graves, incluindo a possibilidade de desenvolver tumores no fígado;
  • Saúde mental: O abuso de anabolizantes pode desencadear transtornos psiquiátricos como mania, hipomania, irritabilidade extrema e até sintomas psicóticos. O fenômeno da "roid rage" — surtos de raiva incontrolável — é amplamente conhecido entre os usuários. Além disso, durante a abstinência dos esteroides, muitos indivíduos enfrentam depressão severa, com risco aumentado de suicídio.

Em um estudo realizado pela Harvard Medical School, foi constatado que 30% dos usuários de EAAs desenvolveram algum tipo de transtorno de humor, incluindo episódios maníacos ou depressivos severos. Essas descobertas reforçam o impacto psicológico devastador que os esteroides podem ter, além de seus efeitos físicos.

A relação entre esteroides e vícios

Embora os EAAs não causem dependência física nos moldes de drogas como heroína ou cocaína, eles podem gerar dependência psicológica intensa. Muitos usuários relatam que, ao parar de usar os esteroides, sentem uma diminuição drástica em sua autoestima, associada à perda de massa muscular adquirida.

Esse declínio psicológico, muitas vezes, leva à retomada do uso dos EAAs, criando um ciclo de abuso e impossível de sair. O grande problema é que esse tipo de comportamento tem sido muito validado na sociedade e o adoecimento é mais difícil de perceber, já que são ações não apenas validadas mais admiradas. O problema é que a insatisfação com o corpo pode esconder diversos problemas como transtornos de personalidade, baixa autoestima, ansiedade, depressão, dentre outros.

A vigorexia não apenas prejudica a qualidade de vida dos indivíduos, mas também pode levar ao suicídio. O padrão de pensamento distorcido e a pressão contínua para alcançar uma imagem corporal inatingível causam desespero, ansiedade e depressão profunda, e, muitas vezes, eles vêm seguidos de comportamentos obsessivos. Sem apoio psicológico adequado, muitos indivíduos acabam se sentindo aprisionados em um ciclo de autocrítica, levando alguns a considerarem a autoagressão como única saída.

O tratamento para o abuso de EAAs e vigorexia envolve uma combinação de terapia cognitivo-comportamental (TCC) e intervenção psiquiátrica. A psicoterapia comportamental é eficaz em ajudar os pacientes a reconstruírem uma autoimagem realista e a desafiar crenças disfuncionais sobre o corpo. Além disso, o uso de antidepressivos e ansiolíticos pode ser necessário para tratar os sintomas psicológicos associados à abstinência dos EAAs.

Os pacientes precisam de acompanhamento contínuo, especialmente aqueles que apresentam risco de suicídio. Estudos clínicos, como os publicados no American Journal of Psychiatry, demonstram que a psicoterapia combinada com medicação pode reduzir significativamente os sintomas de depressão e ansiedade em usuários de esteroides.

Por isso, é tão urgente perceber que a busca pelo corpo perfeito, incentivada pelo uso de esteroides anabolizantes e pela vigorexia, é uma armadilha perigosa, que, frequentemente, resulta em problemas de saúde irreparáveis. Tenho visto um aumento exponencial de problemas psiquiátricos devido ao uso de anabolizantes.

No Brasil, onde a cultura do bodybuilding é forte, é crucial que a conscientização sobre os riscos dessa prática seja promovida.

A verdadeira saúde não se baseia em uma estética perfeita e inalcançável, mas no equilíbrio entre mente e corpo. Se você, ou alguém que conhece, está sendo pressionado a usar esteroides ou apresenta sinais de vigorexia, é fundamental procurar ajuda profissional. A construção de uma autoestima saudável começa com a aceitação do corpo e o respeito aos seus limites naturais. E se tem um familiar ou alguém próximo e está percebendo que o culto ao corpo está trazendo sérios problemas, ajude essa pessoa a buscar ajuda médica.

Referências:

  1. Pope HG, Kanayama G, Hudson JI. Anabolic-androgenic steroids: Psychology and neurobiology. Annual Review of Clinical Psychology, 2014.
  2. Batista Júnior VL, Oliveira AJ, et al. Prevalência do uso de esteroides anabolizantes em academias brasileiras. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, 2013.
  3. Olivardia R, Pope HG, Borowiecki JJ. Biceps and body image: The relationship between muscularity and self-esteem, depression, and eating disorder tendencies. Psychology of Men & Masculinity, 2004.
  4. American Journal of Psychiatry. Anabolic Steroid Abuse and Dependence: A Clinical Overview, 2010.
  5. Kaplan & Sadock's Comprehensive Textbook of Psychiatry, 11ª edição.
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