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Os deuses são pop!

As divindades continuam a habitar o imaginário popular. Se antes os deuses inspiravam fascínio e terror com histórias envolventes narradas em livros, pinturas e até no boca a boca, agora os seres divinos têm sido frequentemente repaginados em quadrinhos, filmes, livros e poemas. E exemplos não faltam. Thor, por exemplo, foi de deus dos trovões […]

10 jan 2025 - 11h15
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As divindades continuam a habitar o imaginário popular. Se antes os deuses inspiravam fascínio e terror com histórias envolventes narradas em livros, pinturas e até no boca a boca, agora os seres divinos têm sido frequentemente repaginados em quadrinhos, filmes, livros e poemas. E exemplos não faltam. Thor, por exemplo, foi de deus dos trovões da mitologia nórdica a super-herói na Marvel. Seu irmão, Loki, passou de deus-trambiqueiro a protagonista de uma excelente série exclusiva no streaming Disney+, que também se passa no universo de heróis como Capitão América e Homem de Ferro. Na primeira temporada de Good Omens (2019), do Amazon Prime, Deus, o todo-poderoso, vira uma debochada narradora dublada pela divina atriz Frances McDormand. Já o menino semideus Percy, da franquia Percy Jackson e os Olimpianos (2005), movimenta milhões de fãs e foi a origem de livros, filmes, quadrinhos e uma série. 

Foto: Pixabay / Revista Malu

Para entender por que os deuses ainda nos fascinam tanto, a Mente Afiada Curiosidades conversou com Lúcio Reis Filho, Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura.

Os deuses na gente

Divindades guerreiras que tudo podem, os deuses gregos se envolvem nos assuntos dos mortais, relacionam-se com eles de várias formas, tomam partido nas suas batalhas e em todo tipo de peripécias. Mas são inegavelmente humanos, com suas próprias questões, conflitos e dilemas. E nos fascinam por isso. 

Lúcio inicia explicando que nosso fascínio advém porque, desde sempre, a cultura popular tem se voltado para os antigos mitos, em busca de seus temas, narrativas e personagens, sejam eles heróis, deuses ou monstros. "Não parece exagero dizer que a maioria das histórias contadas até hoje é originada de autores gregos e latinos. O que se deve não apenas à atemporalidade de seu legado, mas à ideia de Grécia como berço da civilização ocidental. Hoje desbancada em face de estudos recentes", complementa. Explicando que, para além do próprio ocidente, muitas narrativas míticas que nos acompanham até hoje têm suas origens no oriente. Como, por exemplo, nos povos sumérios. 

E, ao contrário do que se possa parecer, esse fascínio não é apenas natural. "O eurocentrismo difundiu esse pensamento de superioridade da cultura ocidental, após recuperar a cultura grega durante o Renascimento. Nesse sentido, os deuses gregos têm um valor simbólico que atravessa os séculos. Talvez, a ideia de uma aristocracia divina, a diversidade de um panteão politeísta e sua complexidade ajudem a explicar o fascínio duradouro que eles exercem no imaginário", reflete.

Deuses são, também, valores

Quer contar histórias sobre valores que devem reger determinada cultura? Pedir por uma mãozinha dos deuses sempre foi uma excelente pedida. 'Sempre' mesmo! "Os mitos não eram histórias da carochinha ou meras fontes de entretenimento antigamente. Eles eram considerados histórias sagradas, parte inseparável da experiência religiosa dos povos antigos. Por isso, tinham funções ritualísticas e pedagógicas no sentido de inculcar crenças, valores e normas de conduta de geração em geração", explica Lúcio. 

Nas narrativas contemporâneas, que se apropriam dos mitos por meio da cultura pop, o caráter essencialmente religioso se perde. "Por outro lado, valores como os de justiça, bondade, ética e proteção dos mais fracos continuam sendo transmitidos, e têm como seus porta-vozes os super-heróis", afirma.

Será que é moda?

Voltando aos exemplos que citamos antes, Percy Jackson é um adolescente disléxico que descobre ser filho do deus dos mares, Poseidon, vivendo por isso muitos perigos e aventuras na franquia que leva seu nome. Thor virou super-herói engraçadinho na Marvel após cair na Terra durante um castigo do Pai, o poderoso Odin. Enquanto seu irmão Loki tornou-se um complexo anti-herói que se sacrifica em prol do multiverso. Em Good Omens, Aziraphale e Crowley, um casal assexual formado respectivamente - e literalmente - por um anjo e um demônio, decidem salvar o mundo do armagedom bíblico. Eles contam com uma certa ajuda de Deus, que acha toda a situação muito divertida. 

Deuses ganhando fãs e novas histórias, ao invés de devotos fiéis e crença propriamente dita, não são um evento novo, literalmente! "Séculos atrás, Shakespeare fez o mesmo, Machado de Assis, idem. Fazer alusões aos antigos mitos, ou mesmo visitá-los em narrativas modernas, não é uma novidade. Remonta às artes cênicas e à literatura, que se apropriaram deles de várias formas", adiciona Lúcio.

A prática sempre aconteceu, mas com o século XX e a maior massificação da cultura, se tornou mais comum. "Nessa época, os deuses ganharam releituras de destaque nas revistas pulp, nas histórias em quadrinhos, jogos… Quando não eram abertamente deuses, eram personagens nitidamente com inspirações míticas. Como o Superman, por exemplo", cita, já que o famoso 'Homem de aço' tem boa parte de sua história de origem, a de um salvador enviado à Terra. Inspirada pela história de Jesus Cristo (informação confirmada pelos seus autores, Jerry Siegel e Joe Shuster).

Mas nem tudo é inocente

Um deus ou um super-herói mal-interpretado faz certo estrago. Enquanto o Capitão América Steve Rogers, tanto nos cinemas quanto nos seus quadrinhos originais, é conhecido por conservar uma certa inocência, evitar o uso de armas de fogo e até defender imigrantes clandestinos em uma de suas histórias mais modernas nas HQs, o personagem na vida real já foi usado como símbolo para opiniões controversas. Quando aconteceu a invasão do Capitólio nos EUA, em 6 de janeiro de 2021, alguns extremistas usavam referências ao personagem. "Algumas ideologias pouco louváveis podem ser adicionadas a um ícone. No caso do Capitão, é o patriotismo exacerbado estadunidense", comenta o especialista. 

Ele continua citando o livro Nossos deuses são super-heróis (2007), de Christopher Knowles, que considera esses personagens, tanto os inspirados pelos deuses quanto os originais, uma releitura moderna dos arquétipos da mitologia e de correntes do misticismo e do esoterismo. "Nesse sentido, talvez esses personagens substituam os deuses como modelos de conduta e ação no mundo, emergindo como o panteão de uma mitologia moderna, capaz de fomentar, muitas vezes, verdadeira adoração por parte dos fãs", adiciona. 

Não por acaso, os super-heróis tendem a ser virtuosos. Embora tenham se tornado personagens mais complexos e multifacetados ao longo do tempo, vítimas de dilemas morais e tragédias pessoais.

Deus para todos os gostos (e lições)

Embora os queridinhos da representação divina na cultura sejam os deuses greco-romanos, o 'panteão pop' segue aumentando a cada dia. "Arrisco dizer que os deuses nórdicos de Asgard são hoje tão populares quanto os do Olimpo. Vale destacar que ambos os panteões, o grego e o nórdico, são de matriz europeia e emprestaram suas divindades para os quadrinhos da Marvel. Depois para o universo cinematográfico da editora e para as populares franquias God of War (2005) e Assassin's Creed (2007), para citar alguns exemplos recentes", pontua. 

Lúcio cita também que, nas últimas décadas, houve esforços significativos para introduzir na cultura pop mainstream os elementos das mitologias africanas e asiáticas, antes sub-representadas. "Os mitos egípcios, por exemplo, ganharam destaque na série Cavaleiro da Lua (2022), adaptação dos quadrinhos da Marvel. E os Orixás africanos passaram a integrar esse mesmo universo nas revistas do Pantera Negra. Tais esforços ganham fôlego no atual contexto de segmentação da produção audiovisual na era dos streamings e da deslocalização da indústria dos games, que hoje conta com equipes multi-étnicas, de várias nacionalidades", complementa. Ou, para resumir: a globalização chegou também para os deuses, que, independentemente de repaginação, seguem dizendo muito sobre quem nós somos.

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