Redes sociais fazem jovens adotarem comportamentos de risco
Estudos alertam para falhas nos mecanismos de proteção no mundo digital
Dois estudos publicados esta semana chamam atenção para a exposição dos jovens a comportamentos de risco nas redes sociais, o que inclui uso de álcool, drogas e tabaco.
Um deles, uma grande revisão da literatura científica publicada no British Medical Journal (BMJ), ainda atribui o uso frequente de redes sociais a comportamentos antissociais, comportamentos sexuais de risco e jogos de azar.
Revisões anteriores já vinham apontando a relação entre redes sociais e alguns comportamentos de risco, mas muitas delas focavam apenas em estudantes universitários, não investigaram especificamente as redes sociais e não levaram em conta a qualidade dos estudos feitos.
Revisão envolveu 1,4 milhão de adolescentes
Para tentar preencher essa lacuna, os pesquisadores envolvidos na revisão examinaram a associação entre o uso de redes sociais e comportamentos de risco para a saúde em adolescentes de 10 a 19 anos.
Os resultados são baseados na análise de mais de 250 medidas de redes sociais relatadas em 73 estudos realizados de 1997 a 2022, envolvendo 1,4 milhão de adolescentes (com idade média de 15 anos).
A maioria dos estudos foi realizada em países de alta renda e variava em qualidade, mas os pesquisadores conseguiram avaliar a certeza das evidências com ferramentas reconhecidas entre os cientistas.
Uso de substâncias e outros comportamentos
As análises mostram que o uso frequente ou diário de redes sociais está associado a uma maior tendência ao consumo de álcool (48%), uso de drogas (28%) e de tabaco (85%) em comparação com o uso infrequente ou não diário das plataformas.
Para o consumo de álcool, associações mais fortes foram encontradas em adolescentes com 16 anos ou mais e para a exposição a conteúdo gerado pelo usuário em comparação com conteúdo gerado por profissionais de marketing. Passar pelo menos 2 horas por dia em redes sociais duplicou as chances de consumo de álcool.
O uso frequente ou diário de redes sociais também está associado a comportamentos sexuais de risco, como sexting e uso inconsistente de preservativos (77%), comportamento antissocial, como bullying, agressão física e comportamento agressivo/delinquente (73%).
Além disso, esse uso frequente está ligado a uma probabilidade quase três vezes maior de se envolver em jogos de azar em comparação com o uso infrequente ou não diário.
Os pesquisadores destacam, no entanto, que a maioria das pesquisas se baseou em memória pessoal dos usuários. Eles também ressaltam que não se pode descartar a interferência de outros fatores, como comportamentos adotados pelos pais, nos resultados. No entanto, eles garantem que foi uma revisão abrangente e bem projetada, com medidas para minimizar o impacto de fatores como variações nos desenhos dos estudos e viés de publicação.
Conteúdos pró-tabaco
Um outro importante estudo, financiado com recursos do governo dos EUA e publicado esta semana chama atenção para a exposição dos jovens a conteúdos pró-tabaco nas redes sociais.
Segundo o trabalho, algoritmos programados para remover automaticamente anúncios de tabaco visam proteger os usuários mais novos, mas nem sempre funcionam ou não são implementados adequadamente pelas plataformas de redes sociais, de acordo com Julia Vassey, pesquisadora da Universidade do Sul da Califórnia.
Ela e o pesquisador da Faculdade de Medicina de Harvard Chris Kennedy utilizaram uma forma de inteligência artificial (IA) conhecida como "visão computacional" para rastrear a prevalência de vários objetos relacionados ao tabaco nas redes sociais, e descobriram que alguns conteúdos aumentaram até 100% entre 2019 e 2022.
Os resultados, publicados no periódico Nicotine & Tobacco Research, incluem análises de conteúdos em formatos diferentes, como fotos e vídeos no Instagram, além de posts de "microinfluenciadores" do TikTok. Os pesquisadores inclusive disponibilizam o modelo computacional para que outros estudiosos possam utilizá-lo.
Experimentar substâncias e adotar comportamentos de risco costuma ser algo comum na adolescência. No entanto, como os mecanismos de proteção no mundo digital ainda estão evoluindo a passos lentos, é preciso ficar alerta e pensar em possíveis formas de contrabalancear essa influência, algo que envolve pais, educadores e também governos.