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Como nostalgia deixou de ser considerada distúrbio psicológico e foi reconhecida como emoção

Há cerca de 100 anos apenas, a nostalgia não era uma simples emoção — era uma doença.

24 mai 2024 - 15h24
(atualizado às 16h23)
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No passado, a nostalgia era considerada uma doença que poderia causar a morte
No passado, a nostalgia era considerada uma doença que poderia causar a morte
Foto: GETTY IMAGES / BBC News Brasil

A nostalgia não tem boa reputação, particularmente devido às suas recentes influências sobre a política e a sociedade. Afirma-se que esta emoção convence, ilude e cativa as pessoas na tomada de decisões eleitorais.

Tomemos o Brexit como exemplo. A "nostalgia do passado" é apontada como culpada pela decisão tomada pelos eleitores britânicos. E o slogan de Donald Trump, "Tornar a América Grande Novamente", talvez seja o melhor resumo do poder político da nostalgia.

A nostalgia parece particularmente poderosa na política hoje em dia. Mas a história desta emoção é longa e atribulada.

Como detalhei no meu novo livro, Nostalgia: A History of a Dangerous Emotion ("Nostalgia: história de uma emoção perigosa", em tradução livre), existem poucos sentimentos tão onipresentes e, ao mesmo tempo, dificilmente identificados quanto a nostalgia.

Uma das razões talvez seja porque, mais do que as outras emoções, a nostalgia passou por uma transformação particularmente radical ao longo dos últimos três séculos. E, há apenas cerca de 100 anos, ela não era uma simples emoção - era uma doença.

A nostalgia foi identificada pela primeira vez na Suíça. Acreditava-se que as belas paisagens do país alpino fossem as responsáveis
A nostalgia foi identificada pela primeira vez na Suíça. Acreditava-se que as belas paisagens do país alpino fossem as responsáveis
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O termo "nostalgia" foi cunhado e usado como diagnóstico em 1688, pelo médico suíço Johannes Hofer (1669-1752).

Derivado do grego nóstos ("regresso ao lar") e álgos ("dor"), o termo designava uma doença misteriosa - uma espécie de saudade patológica de casa.

Nos pacientes, ela causava distúrbios psicológicos como letargia, depressão e confusão. Mas também havia sintomas físicos, como palpitações cardíacas, feridas abertas e distúrbios do sono.

Acreditava-se que a nostalgia fosse uma doença séria e de difícil tratamento, quase impossível de ser curada. Ela poderia ser fatal para as infelizes vítimas, que morriam lentamente de fome.

Como foi identificada pela primeira vez na Suíça, acreditava-se que ela fosse uma condição específica daquele país. Afinal, a Suíça é tão bonita, seu ar é tão refinado, que qualquer pessoa que saísse do país correria o risco de sofrer sérias consequências físicas.

Estudantes, mercenários e empregados domésticos eram supostamente mais vulneráveis - jovens que haviam sido levados a sair de casa e talvez tivessem dificuldade para retornar.

A nostalgia se espalhava pelos Alpes, mas logo atingiu o restante da Europa - uma verdadeira pandemia emocional, com picos proeminentes no outono, quando a queda das folhas levava os melancólicos a pensar sobre o passar do tempo e sua própria mortalidade.

Em 1781, o médico Robert Hamilton (1749-1830), da cidade inglesa de Ipswich, trabalhava em um quartel no norte da Inglaterra quando encontrou um caso preocupante de nostalgia.

A nostalgia evoluiu nos últimos séculos, deixando de ser uma doença ou transtorno para ser considerada uma emoção hoje em dia
A nostalgia evoluiu nos últimos séculos, deixando de ser uma doença ou transtorno para ser considerada uma emoção hoje em dia
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Um soldado que havia entrado recentemente no regimento foi se consultar com Hamilton por ordem do seu capitão. No exército há poucos meses, ele era jovem, bonito e "preparado para o serviço".

Mas a "melancolia pairava sobre o seu semblante e a palidez dominava suas bochechas".

O soldado se queixava de "uma fraqueza universal" - um ruído nos ouvidos e tontura na cabeça. Ele dormia mal e se recusava a comer e beber.

O jovem suspirava profundamente e com frequência. Aparentemente, algo perturbava muito a sua mente.

Nenhum tratamento teve resultado e ele foi internado no hospital. O soldado permaneceu acamado por cerca de três meses e foi definhando cada vez mais.

O paciente foi atingido por uma febre e passava as noites banhado de suor. Hamilton esperava pelo pior e o considerou uma causa perdida.

Certa manhã, uma das enfermeiras mencionou para Hamilton que o soldado falava obsessivamente de sua casa e dos seus amigos. O jovem comentava de forma recorrente sobre o seu desejo de voltar para casa desde que chegou ao hospital.

Quando Hamilton foi ver o paciente, perguntou a ele sobre o seu local de origem, o País de Gales. O soldado reagiu com verdadeiro entusiasmo, ficou obsessivo e não parava de falar sobre as glórias dos vales galeses.

O jovem perguntou a Hamilton se ele o deixaria voltar para casa. O médico prometeu que, assim que a condição física do soldado melhorasse, ele poderia retornar para uma licença de seis semanas.

O paciente reviveu imediatamente. E o jovem soldado, francamente recuperado, partiu para o País de Gales a todo vapor.

Atualmente, a nostalgia é considerada uma das muitas emoções humanas
Atualmente, a nostalgia é considerada uma das muitas emoções humanas
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Da Europa, a nostalgia se espalhou pelos navios que carregavam pessoas africanas escravizadas para a América do Norte.

Naquele momento, ela ainda não havia sido associada positivamente à corriqueira autotolerância, que é comum hoje em dia. A nostalgia tinha o poder de matar e incapacitar as pessoas. Era levada muito a sério.

De fato, ela foi uma das principais causas de morte fora de combate durante a Guerra Civil Americana (1861-1865). E a última vítima de nostalgia registrada foi um soldado raso em combate no front ocidental em 1917.

No século 20, a nostalgia sofreu modificações. Ela se diferenciou da saudade de casa e se transformou - primeiro, em um distúrbio psicológico e, depois, na emoção que conhecemos hoje em dia.

Mas os primeiros psicanalistas assumiram uma posição distorcida sobre a nostalgia e as pessoas sujeitas a serem acometidas por ela. Elas eram consideradas neuróticas, retrógadas, excessivamente sentimentais e incapazes de enfrentar a realidade.

Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, eles suspeitavam do patriotismo: "por que um velho país, muitas vezes com uma existência triste e miserável, torna-se uma terra fantástica para as vítimas de nostalgia?"

Mas os mesmos psicanalistas também eram esnobes. Eles acreditavam que a nostalgia era mais comum entre as "classes inferiores" do que na elite cosmopolita.

Em 2016, especialistas atribuíram à nostalgia a eleição de Donald Trump nos EUA e o triunfo do Brexit no Reino Unido
Em 2016, especialistas atribuíram à nostalgia a eleição de Donald Trump nos EUA e o triunfo do Brexit no Reino Unido
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Estas visões, embora não sejam mais defendidas pelos terapeutas ou psicólogos, ainda prevalecem nas discussões políticas sobre a nostalgia. De fato, a reputação atual da nostalgia, particularmente em relação à sua influência sobre a política, cultura e sociedade, não é algo tão romantizado.

Em 2016, por exemplo, a nostalgia foi apresentada como uma explicação para dois eventos eleitorais importantes: a vitória presidencial de Donald Trump, nos EUA, e o voto a favor do Brexit, no Reino Unido.

Mas, quando os jornalistas e críticos usaram a nostalgia para explicar esses momentos geopolíticos cataclísmicos, eles frequentemente a consideravam uma espécie de diagnóstico - uma resposta para explicar decisões políticas aparentemente irracionais ou fora do padrão.

Nas palavras do historiador Robert Saunders, em relação ao Brexit, o debate definiu o voto para sair da União Europeia como "um distúrbio psicológico: uma patologia a ser diagnosticada e não um argumento a ser debatido".

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A nostalgia pode não ser mais uma doença, mas ela ainda não perdeu todas as suas antigas associações. Para muitos, ela permanece sendo uma explicação para decisões políticas consideradas menos progressivas e mais irracionais, tomadas por algumas pessoas.

Embora não seja mais mortal, ela permanece uma emoção perigosa.

* Agnes Arnold-Forster é pesquisadora de História da Medicina, Emoções e História Britânica Moderna da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.

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