Empresas que trabalham a saúde mental conseguem reduzir pedidos de demissão, aponta pesquisa
Criar cultura saudável dentro das empresas é tarefas das lideranças e precisa passar por todas as áreas
Em um mundo do trabalho no qual os funcionários cada vez mais parecem pouco afeitos a "vestir a camisa da empresa", a resposta sobre como engajá-los e evitar "quiet quitting" ou "reesenteism" é fundamental para as empresas. Segundo uma pesquisa do ecossistema Great Place to Work, empresas com melhores índices de bem-estar apresentaram 76% menos chance de saída voluntária dos colaboradores.
Além disso, na disputa por talentos, também saem na frente: empresas com melhores índices apresentaram 79% mais candidatos por vaga do que empresas com menores índices de bem-estar. Assim, a chance de contar com os melhores profissionais começa antes mesmo da contratação e continua com a melhor retenção de talentos.
A pesquisa foi feita a partir do Ranking Melhores Empresas do Brasil em 2023, que visa medir o clima organizacional das companhias. Mais de 3 milhões de pessoas tiveram comentários registrados, e a análise foi feita a partir desses comentários - com a utilização de um algoritmo capaz de calcular a positividade ou negatividade do que foi dito e a probabilidade de que não seja verdadeiro.
A partir daí, foi possível avaliar as diferenças entre as empresas melhor e pior colocadas no ranking. Além da redução de demissões e do aumento no interesse por processos seletivos, foram detectadas questões internas das empresas melhor colocadas, como um foco maior no coletivo e níveis superiores de inteligência emocional. Ambas são reflexo de como a construção de um ambiente psicologicamente saudável passa por toda a organização.
Ambiente
Para a construção desse ambiente, é necessário prestar atenção em quatro pilares para os funcionários: respeito à individualidade, capacitação, reconhecimento e oportunidade de crescimento ou inovação. O primeiro ponto significa criar um espaço onde permita que os trabalhadores sejam eles mesmos e onde haja diversidade, assim como respeito à flexibilidade de horários ou pedido por trabalho híbrido ou remoto, por exemplo.
O segundo ponto significa permitir que as pessoas aprendam coisas, assim como que tentem inovar - o que pressupõe dúvidas ou erros. Ter um ambiente de trabalho de tolerância zero com erros acaba levando a uma maior pressão sobre os colaboradores e a evitar que eles sejam apontados quando são percebidos, o que os torna mais difíceis de serem corrigidos. Da mesma forma, permitir dúvidas e saná-las é fundamental para o crescimento, assim como o fornecimento de feedbacks constantes e de forma humanizada.
O reconhecimento se trata da pessoa entender que o trabalho dela faz a diferença, e que não é só mais uma, facilmente substituível. Já o quarto e último ponto é sobre planos de carreira, mas também sobre permitir tentativas para aprendizado e desenvolvimento de projetos e ideias próprias.
Além disso, a empresa também pode trabalhar ferramentas de inteligência emocional e saúde mental para os colaboradores. "A empresa cria oportunidade para o profissional se desenvolver. Ela fornece feedbacks? Ajuda a conseguir psicoterapia? Tem convênio médico?" questiona Pedro Shiozawa, psiquiatra e cientista-chefe na Great People, consultoria que participa do mesmo ecossistema da Great Place to Work. "Erro sistemático e constante é inimigo, mas errar não pode ser algo mal visto", ressalta.
"As empresas precisam entender o cenário, que flexibilidade é importante, não dá para voltar as casinhas e achar que tudo é igual. O funcionário aprendeu a olhar o trabalho de outra forma. As empresas que estão despertas para isso conseguem manter os talentos", afirma Diniz.
Contudo, a flexibilidade não pode ser desculpa para manter comportamentos tóxicos de trabalho, como o envio constante de mensagens fora do horário de trabalho, que precisam ser revistos. Também ter palestras apenas em meses como janeiro branco e setembro amarelo não ajuda. Para o departamento de RH, a função é mapear e utilizar os dados para orientar as atitudes da liderança.
Gênero
A pesquisa da GPTW ainda traz um dado importante: as que têm boas práticas de saúde mental têm chance 11 vezes maior de ter mulheres em cargos de alta gestão e presença feminina 50% maior nos conselhos. A razão ainda está sendo apurada: segundo Shiozawa, não há certeza se empresas com boas práticas são mais abertas a levar mulheres a posições de liderança ou se ter mulheres em posições de liderança faz com que a cultura de saúde mental seja mais presente.
Já Diniz suspeita que, por encontrarem mais obstáculos na trajetória até os cargos de liderança, as mulheres tendem a demonstrar maior empatia - mas a hipótese ainda precisaria ser testada em pesquisas.
Cultura
A construção de uma cultura não é imediata, precisa de tempo para rever práticas e comportamentos. Ainda assim, pode ser que alguns funcionários não se encaixem - o problema pode ser entre o que é esperado pela pessoa e o que de fato é praticado. Mas, de qualquer forma, a construção de um ambiente mais saudável é válida para fortalecer a atração e o engajamento.
"À medida que se tenha uma empresa que genuinamente olha para a saúde do funcionário, que saiba trabalhar a presença de diferentes gerações em questões como ansiedade e momentos de vida, automaticamente as pessoas vão estar num ambiente mais seguro", menciona Diniz. E, dessa forma, atrair e engajar os melhores profissionais se torna mais fácil.