Izabella Camargo conta o que acontece antes e depois de um burnout
Saiba o que antecede a síndrome de burnout e como superar a síndrome extrema de estresse
Antes da jornalista Izabella Camargo sofrer um "apagão" na mente ao vivo e esquecer a capital de seu estado, em 2018, ela enfrentou uma série de problemas de saúde decorrentes de ciclos contínuos de estresse e exaustão. Começou com dores de cabeça, depois "problemas gravíssimos" de estômago e intestino, seguidos de uma questão vascular, alterações hormonais, mudanças na pele até que passou a sentir taquicardia.
Essa jornada de sucessivos danos físicos durou mais de quatro anos e consultas com especialistas renomados de diferentes áreas até, enfim, receber o diagnóstico de Síndrome de Burnout.
A doença ocupacional, hoje amplamente discutida, é definida como "estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso" e foi incluída na 11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11). Se caracteriza por relatos de desânimo, dificuldade de raciocínio, ansiedade, irritabilidade, sensação de incapacidade, diminuição da motivação e da criatividade, entre outros sintomas, como elenca a psiquiatra Danielle H. Admoni.
Como se dá uma crise de burnout?
Izabella está entre as mais de 30 milhões de pessoas ou 32% da população economicamente ativa do Brasil que sofreu com o problema, de acordo com uma pesquisa de 2019 do International Stress Management Association (Isma-BR). A síndrome é muito comum em profissões da área de saúde, área jurídica, jornalística e entre professores. A jornalista lembra seu diagnóstico.
"Depois do apagão, terminei meu expediente e aí fui ao psiquiatra", inicia Izabella. "Falei para o médico: 'impossível porque eu amo o que eu faço', e ele falou: 'por isso mesmo, pessoas que amam o que fazem têm muito mais chance de ultrapassar os limites do que as que não são comprometidas ou responsáveis'", detalha em entrevista ao Terra.
Era o caso dela. Izabella trabalhava de madrugada - o expediente começava às 0h se ela fosse apresentar o "Hora 1", da TV Globo, e às 3h quando ficava responsável pela previsão do tempo. Soma-se ao horário a demanda de trabalho grande e em ritmo frenético.
"Quando eu fazia a previsão, fazia três jornais ao mesmo tempo. A gente chegava, entrevistava o meteorologista, fazia a ronda de todos os estados para ver o que tinha de factual em todas as praças e nós produzíamos todo nosso conteúdo. Então, quando eu chegava na TV às 3h, às 4h, eu já tinha que estar com tudo pronto - conteúdo, imagem e créditos que entrariam no ar. Era muito trabalho, muito rápido, sem chance de raciocinar, um piloto automático pra dar conta de tanta coisa ao mesmo tempo", detalha.
Tal experiência é semelhante à que viveu o bibliotecário Luís Cavalcante, em 2020. A rotina de trabalho na secretaria de uma instituição de ensino no nível técnico consistia em assumir todas as demandas e processos de trabalho relacionados ao departamento; acumular atividades da Tesouraria, como problemas de pagamento dos alunos; fazer tarefas fora da unidade estudantil, como postar diplomas nos Correios.
Cavalcante costumava reclamar do excesso de trabalho para seus superiores, pedindo a contratação de mais pessoal. Quando finalmente foi atendido, não ganhou um colega ou um assistente, mas sim um chefe.
Como age uma pessoa com burnout?
Esse cenário, como indica o psiquiatra Albert Mojzeszowicz, torna mais propício o desenvolvimento de doenças como o burnout. O especialista afirma que a síndrome é representada por meio da perda de eficácia profissional, atitude de cinismo em relação ao trabalho e impactos no humor, como falta de vontade, crises de choro, sensações que são muito mais frequentes quão pior for o ambiente corporativo.
"Sobrecarga, estresse e medidas injustiças de premiar pessoas que não merecem ser promovidas, por exemplo, podem agravar esse tipo de sintoma", pontua, ao exemplificar um quadro semelhante ao do bibliotecário.
"Eu me sentia muito esgotado mentalmente pela forma que eu trabalhava na época. Ficava muito exausto, estressado, irritado com tudo. Não podia sonhar em ter mais uma demanda que eu já me irritava", reforça Cavalcante. Por consequência, desenvolveu gastrite nervosa, sofria com insônia, fadiga, se alimentava mal e se sentia constantemente sem ânimo.
O que te leva ao burnout?
Além do ambiente de trabalho propício ao adoecimento, Cavalcante e Izabella reforçam a contribuição do assédio moral no diagnóstico. O bibliotecário afirma que acontecia de modo sutil, associado à exploração profissional.
"Um superior manda fazer um relatório disso, relatório daquilo, que era pra ele fazer e apresentar à chefia. Parecia que estava pedindo, mas estava mandando", lembra.
Izabella, que entende o burnout justamente como resultado de longos ciclos de exaustão somados a um cenário de assédio moral, destaca como isso produz um dano existencial. No caso dela, foi um ano sem conseguir dirigir, meses com dificuldade de interpretar um texto e, até hoje, sensação de desespero com a proximidade do horário de um trabalho.
Cuidado com abuso de drogas
A psiquiatra Danielle H. Admoni pontua que entre as consequências frequentes da síndrome está o uso de drogas, seja álcool, tabaco ou substâncias ilícitas. É comum que pacientes acometidos com o problema busquem nessa medida uma forma de alívio.
"É importante estar alerta a esta situação que agravará ainda mais a condição física e mental do indivíduo", ressalta a médica. O mesmo recado vale para a automedicação. Vale pontuar que o caminho para o tratamento passa sempre por ajuda especializada, com psiquiatras, psicólogos e outros profissionais.
Como tratar burnout?
Para o psicólogo Leonardo Morelli, assédio e burnout andam juntos devido a ideia internalizada em muitos profissionais de que ele precisa fazer mais e mais, caso contrário, perderá o lugar para outro. "Se você não cumpre a meta, você é penalizado, então isso é uma forma de assédio. Você recebe um castigo porque você não atingiu a meta, o outro atingiu, ele sobe de cargo", analisa.
"E geralmente, a pessoa não consegue perceber que ela está entrando em um processo de adoecimento. Quanto mais ela está nesse processo, mais ela quer produzir e isso pra empresa é muito bom, que até incentiva que ele trabalhe muito mais".
Em meio a isso, surge a necessidade de uma mudança cultural que passa pelos hábitos profissionais e também pelos modelos de trabalho. Morelli ressalta que as empresas precisam entender que seus gastos serão muito maiores se o modus operandi não prezar pela saúde da equipe.
"A empresa tem que olhar isso de forma a ver que é um sujeito que está ali. Quanto mais favorável o trabalho for, melhor se produz", resume.
Agora, recuperada da síndrome, Izabella Camargo deixou a TV e levou seu processo de cura para a prática profissional. Ela atua como palestrante, publicou o best-seller "Dá um tempo!" e se especializou no que chama de "Produtividade sustentável".
O conceito prega a ideia de que se queremos um mundo sustentável, é preciso assumir um modo de vida com essa característica. Isso significa se priorizar, ter tempo para descanso, lazer, projetos pessoais, e não fazer do trabalho a razão da existência. A jornalista conduz o projeto em grandes empresas, como Bradesco e Boticário, a fim de que seja possível produzir sem adoecer.
Assim como ela, Luís Cavalcante também mudou de trabalho. Em outra empresa, ele faz as mesmas atividades, mas garante que agora em um ambiente acolhedor, empático, com um departamento de Recursos Humanos atento aos profissionais e sem sobrecarga. O bibliotecário se recuperou com o auxílio da psicoterapia e descobriu o prazer em atividades ao ar livre, como trilhas.