Vício em telas já afeta saúde e relacionamento de idosos; Veja como evitar
Os sintomas mais comuns que indicam vício em celular são estresse, depressão e ansiedade
Quando o programador Gabs Ferreira visita o pai no interior de São Paulo, ele quase sempre o encontra do mesmo jeito: com o celular nas mãos e o Reels do Instagram na tela.
No começo, Antônio, o pai de Gabs, recusava entrar em redes sociais, mas aderiu às plataformas influenciado pela família. Hoje, ele é um usuário ativo e entra todos os dias no Instagram e passa horas no YouTube.
"Às vezes está eu, minha mãe e mais alguém na mesa e tem hora que ele desassocia um pouco assim, ele pega o celular e ele fica rodando ali", conta o programador.
O uso excessivo de celulares - e outros aparelhos - já motivou estudos ao redor do mundo. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) concluiu que esse tipo de dependência está ligado a uma piora na saúde mental em idosos, adultos e crianças. Um outro estudo realizado pela Nielsen, uma empresa americana de pesquisa de mercado e análise de dados, revelou que idosos nos EUA estão mais obcecados por telas do que os jovens e em consequência passam muitas horas por dia em frente a elas.
Na maioria das vezes os idosos que chegam ao IPq apresentam um quadro de isolamento social significativo antes mesmo da dependência, explica Rodrigo Machado, médico psiquiatra do IPq. "Aquele idoso que abusa da tecnologia, muitas vezes já tem sintomas depressivos", diz. "A tecnologia vem para preencher esse buraco de uma vida que está mais esvaziada de atividades e de vínculos sociais"
E na prática, o que os idosos fazem no celular que os prende tanto? Games casuais e repetitivos, do estilo Candy Crush, são os mais viciantes porque têm um mecanismo de recompensa aleatória. Algo similar a um jogo de azar.
Outro conteúdo que estimula o consumo em excesso são plataformas de vídeos curtos, como TikTok, Shorts e Reels. "Esse tipo de consumo de informações é quase que fast food", afirma Machado.
Para esses pacientes, Machado aborda um tratamento baseado na terapia cognitiva comportamental e, no fim das contas, a ideia é que o idoso seja estimulado a praticar a autorregulação. "Nosso tratamento é em grupo, mas pode ser individual também, um psicólogo conduz e normalmente [o tratamento] dura de 16 a 18 sessões de psicoterapia", diz. "Em paralelo a isso, a gente tem uma equipe multidisciplinar que dá suporte a esse paciente, que também passa por terapia ocupacional".
Cler Guimarães da Silva, estudante de psicologia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERG), também percebeu que um familiar usava o celular mais do que deveria. Ela conta que Ocimar Guimarães, seu avô de 65 anos, não tinha celular, e quando ganhou um smartphone e fez o download do TikTok sua rotina mudou.
Ocimar contou à neta que gastou todo seu pacote de dados assistindo vídeos no app e agora cogita colocar Wi-Fi em casa, item que era dispensável antes.
Por morar na zona rural de São Gonçalo, município do Rio de Janeiro, Ocimar cumpre à risca as características que tornam um idoso dependente de tecnologia. Ele tem algumas limitações físicas e vive em relativo isolamento.
Cler se preocupa com o efeito que esse uso intenso pode causar na concentração, memória e interação social. "A gente sabe que o vício em telas é preocupante. Ele afeta muito a gente, afeta questão de concentração e a preocupação é: será que esse vício pode acarretar outras coisas?".
Algumas mudanças de comportamento chamaram a atenção de Cler. Antes de ser apresentado ao smartphone, Ocimar ia a casa da neta levar frutas e conversar. Depois do TikTok, começou a sair menos.
"Agora, minha maior preocupação é essa. Não vi nenhum impacto em questão cognitiva nele. Eu sei que ele tem um pouquinho de dificuldade em se concentrar em conversas. Eu estou conversando com ele de um assunto e ele começa a destoar um pouco do assunto e vem com outro assunto em cima, por exemplo".
Muitos dos problemas que implicam na dependência em telas na verdade estão ligados ao que o usuário faz no aparelho, explica Aderbal de Castro Vieira Jr., médico responsável pelo setor de tratamento de dependências de comportamentos do Proad, da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp).
"O problema do celular é que ele tem internet, é um smartphone. Só que ninguém é viciado em celular ou dependente de celular para fazer ligação telefônica", diz Vieira. "Ele pode ser um dependente de joguinho, de videogame. O celular é só um meio".
Tratamento em família
Para tratar um paciente nessas condições, o Vieira explica que o ambiente em que ele está inserido também deve ser tratado. "O paciente é aquela pessoa que foi identificada com aquele problema, mas você tem uma família doente ao redor, às vezes você precisa fazer intervenção também nessa família".
Dessa forma, o tratamento requer uma abordagem bem mais personalizada, Vieira e o grupo de estudo da Unifesp dão ênfase para a psicoterapia, que segundo ele não prioriza o uso de medicamentos.
"Tratar só aquela pessoa que fica dona do problema, que fica identificada com o problema, pode não bastar. É preciso olhar um pouco mais, ter uma visão angular um pouco maior".
E como faz para substituir o uso dos aparelhos com outras atividades? Para Vieira o caminho é descobrir o que a pessoa deixou de fazer para ajudá-la a recuperar esse hábito.
"Se a pessoa pratica esporte, vamos aumentar o tempo de esporte. Se a pessoa gosta de ler, vamos aumentar o tempo de leitura. Isso é o que a gente chama de redução de danos. Você não precisa promover abstinência. Se você troca um padrão de uso muito ruim por um padrão de uso mais adequado, você tratou, você progrediu", diz Vieira.
Para entrar em contato com o Proad caso tenha se identifique com alguns dos sintomas, ligue para (11) 9 9645-8038.
