A psicologia por trás da insistência em trabalhar quando estamos doentes
A cena é comum: a cabeça e o corpo doem, você não para de espirrar ou de assoar o nariz, mas ainda assim se arrasta pelo escritório cheio de afazeres que parecem não poder esperar. Enquanto isso, alguns colegas parecem estar sempre doentes e faltando ao trabalho.
Mas não há um comportamento certo ou errado quando se trata de aliar um mal-estar à rotina.
Estudos recentes indicam que quem trabalha quando está doente acaba apresentando um desempenho pior e tem mais chances de cometer erros. Por outro lado, outras pesquisas mostram que algumas pessoas se sentem pressionadas a levantar da cama quando pensam na estabilidade de seu emprego ou nas contas a pagar.
Um dos estudos foi realizado pela Universidade de East Anglia, na Grã-Bretanha, que batizou o problema de "presenteísmo": uma mistura de estresse com grande demanda de tarefas e insegurança em relação ao emprego.
Como não há uma maneira objetiva de medir o quão apta uma pessoa está para trabalhar quando está doente, tomar a decisão de faltar acaba sendo mais difícil do que parece.
"Indivíduos que estão muito envolvidos com suas funções ou têm tendências a serem workaholics são os que faltam menos por causa de doenças, por mais que estejam se sentindo mal", afirma Gail Kinman, professora de psicologia ocupacional da Universidade de Bedfordshire, também na Grã-Bretanha.
Segundo Kinman, ter um chefe que valoriza o presenteísmo também atrapalha o julgamento do funcionário, já que os superiores costumam servir de exemplo.
"Gerentes que aparecem no escritório mesmo doentes em geral esperam que seus subordinados façam o mesmo", explica a psicóloga.
Outro estudo da mesma Universidade de East Anglia, no entanto, mostrou que as pessoas que se sentem mais assediadas, pressionadas ou discriminadas no ambiente de trabalho também se sentem mais ansiosas em ter de faltar.
Segurança dos outros
Algumas doenças, como a gripe ou viroses, costumam ser mais contagiosas em seu estágio inicial.
Por isso, Michael Tam, clínico geral do Hospital Fairfield, em Sydney, na Austrália, costuma recomendar que o paciente peça folga assim que sentir os primeiros sintomas.
"Isso é particularmente importante quando o trabalho envolve o contato direto com outras pessoas, como na restauração, na hotelaria ou nos cuidados com outros indivíduos", diz.
Até mesmo quem trabalha isolado em sua sala em um grande escritório precisa tomar cuidado para evitar que a doença se espalhe, segundo o especialista.
A Austrália é um dos países onde a lei prevê o pagamento de uma licença médica a quem está empregado em regime de tempo integral e a algumas pessoas que trabalham em meio-período.
Já nos Estados Unidos e em alguns países asiáticos, por exemplo, há poucas garantias de cobertura. Isso acaba pesando na decisão de muitos trabalhadores, que preferem sair da cama ao risco de perderem o emprego, segundo Kinman.
Trata-se de um dilema que algumas pessoas conhecem bem, principalmente as que trabalham como freelancer ou fazendo "bicos".
Um estudo recente realizado pelo Sindicato dos Freelancers dos Estados Unidos mostra que 35% da mão de obra do país hoje atua nesse ramo. "Se eu não for trabalhar, não recebo", conta Sean Newman, um mestre-de-obras de Londres.
Já Nicole, funcionária pública em Sydney - que não quis revelar seu sobrenome - diz que, quando tem uma gripe, se sente mais capaz de trabalhar de casa por algumas horas do que um dia inteiro no escritório.
Mas seu gerente não concorda com essa flexibilidade, estabelecendo que seus subordinados "ou ficam doentes em casa ou saudáveis no trabalho".
Regras como essa dificultam a decisão sobre o que fazer.
"Na vida, nada é tão preto no branco", reclama ela.