"Acordei do coma e só sabia falar chinês"
Ben McMahon é australiano e fala chinês com perfeição. Mas isso nem sempre foi assim. As razões por trás de seu domínio do mandarim são bem dramáticas: um grave acidente de carro, que o deixou uma semana em coma, em 2012.
“Daquela manhã (da batida), me lembro de eu tomando café na cama. Mas nada além disso”, disse Ben à BBC.
O jovem, que hoje tem 24 anos, já havia estudado mandarim na escola, mas nunca chegou a falar com fluência.
Logo que acordou do coma, falando chinês, ele passou alguns dias sem conseguir se expressar em inglês, sua língua materna.
Mas por que isso aconteceu?
O lugar exato do cérebro onde se desenvolve nossa capacidade de aprender idiomas ainda é um mistério, mas a área normalmente associada à linguagem é o lóbulo frontal do hemisfério esquerdo, conhecido como área de Broca.
Danos inesperados
Segundo cientistas, quando há lesões, diferentes partes do cérebro humano podem assumir a responsabilidade de outras.
Em alguns casos, como doenças ou acidentes, o cérebro sofre uma confusão que provoca danos inesperados, caso da síndrome do idioma estrangeiro.
Outro transtorno comum, similar a esse, é a síndrome do sotaque estrangeiro, que faz com que a pessoa fale sua língua materna, mas com um sotaque totalmente diferente do habitual.
Apesar de os médicos não saberem exatamente o que aconteceu com o cérebro de Ben depois do acidente, foi confirmado que ele sofreu danos no lado esquerdo da cabeça, especialmente no lóbulo frontal.
Os especialistas acreditam que a lesão no cérebro do australiano tenha sido justamente na área de Broca.
“Ainda estamos investigando o porquê desse fenômeno (a síndrome do idioma estrangeiro), em que alguém fala uma língua diferente após sofrer uma lesão na cabeça ou um derrame cerebral”, disse à BBC a especialista em linguagem Yvonne Wren.
“No caso de Ben, foi observado que a área do cérebro que armazena e utiliza sua língua materna, o inglês, estava mais afetada que a que era usada para aprender o mandarim quando era mais jovem.”
Afasia bilíngue
A capacidade inconsciente de intercalar idiomas dessa forma é conhecida pela neurolinguística como afasia bilíngue.
E quem sofre desse problema tem mais facilidade de se expressar nesse segunda idioma.
Ben agora fala mandarim com mais fluência do que nunca. Será que isso significa que ele aprimorou sua capacidade linguística como um todo?
Yvonne afirma que não: “Quando o acidente afetou sua capacidade de falar inglês, ele só conseguia falar em mandarim. Nesses casos, a habilidade desse segundo idioma se aprimora porque é a única que a pessoa tem disponível.”
Há outros casos semelhantes registrados no mundo. Em 2010, por exemplo, um caso parecido aconteceu com uma jovem croata de 13 anos, que acordou de um coma falando alemão – e incapaz de se lembrar como se expressar em seu idioma natal.
Assim como Ben, ela havia estudado alemão na escola, mas nunca falou a língua fluentemente.
Outro caso ocorreu em 2013, quando o americano Michael Boatwright acordou falando sueco.
Namorada
No caso de Ben, logo após o acidente, seu dano cerebral melhorou e ele recuperou sua capacidade de falar inglês.
Em teoria, isso poderia ter colocado um fim em seu domínio do chinês. Mas não foi o que aconteceu – ele manteve sua capacidade de falar com fluência a segunda língua.
Ao que parece, o acidente de carro desbloqueou de forma permanente sua capacidade de falar com fluência o segundo idioma. E mudou sua vida para sempre.
Ele inclusive acaba de começar a namorar uma jovem australiana de origem chinesa, que conheceu em um programa de TV chinesa que promove encontros. A jovem se inscreveu no show justamente para praticar seu mandarim natal.