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'Ainda é cedo para falar em cura', diz médico que lidera estudos de combate ao coronavírus

O gaúcho André Kalil diz que o mais importante é encontrar uma medicação que resolva os sintomas clínicos do vírus rapidamente

28 fev 2020 - 16h40
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O médico gaúcho André Kalil lidera um ensaio clínico na Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos, para testar o remédio que é considerado o mais promissor na tentativa de combate à doença respiratória Covid-19. O infectologista de 53 anos afirmou ao Estado que a droga chamada remdesivir foi apontada pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) americanos como a de maior potencial em relação aos outros medicamentos. O remédio já apresentou efeitos contra doenças semelhantes, como a Sars, por exemplo, em animais e no ambiente laboratorial (in vitro).

O médico gaúcho André Kalil
O médico gaúcho André Kalil
Foto: divulgação / Estadão

O projeto, financiado pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID), parte dos Institutos Nacionais de Saúde, pretende envolver mais 50 centros de pesquisa, dentro e fora dos Estados Unidos. O hospital da Universidade do Nebraska é especializado em contenção biológica e se tornou uma das poucas unidades do mundo a receber pacientes de ebola, por exemplo. De acordo com a universidade, este é o primeiro ensaio clínico nos Estados Unidos a avaliar um tratamento experimental.

Kalil revela que, na primeira fase da pesquisa, 200 pessoas infectadas vão receber doses do remdesivir; outras 200 serão tratadas com placebo. Visualmente, o placebo é idêntico ao remédio, mas sem efeito. "Quando chegarem os resultados dos primeiros cem pacientes, vamos tentar entender se há efeito. Em caso positivo, vamos trabalhar em cima dele. Se não, colocamos uma medicação nova", afirma o médico formado pela Universidade Federal de Pelotas (RS), com residência na Universidade de Miami e que trabalha nos Estados Unidos há 20 anos.

Como são feitos os testes em busca de um remédio para o novo coronavírus?

O estudo envolve 400 pacientes. Duzentos pacientes vão receber um remédio chamado remdesivir e outros 200 vão receber placebo. Estamos ainda no início, mas a ideia é envolver 50 centros hospitalares, dentro e fora dos Estados Unidos. O estudo será conduzido de maneira rápida. Quando você limita o número de centros, a velocidade do estudo fica mais lenta. A ideia é tentar achar a melhor terapia o mais rapidamente possível. Começamos com o remdesivir, mas vamos começar a planejar outras medicações. Trata-se de um estudo adaptativo.

Como assim?

Se o remdesivir mostrar eficácia logo, ele será transferido para o grupo de controle de pacientes e trazemos uma droga nova para o grupo de intervenção. Se ele não funcionar, a gente utiliza uma droga nova. Vamos testar várias medicações novas no mesmo estudo. Por isso, a importância do termo "adaptativo". Nós vamos nos adaptando. É um estudo dinâmico. A ideia não é testar uma só droga, mas quantas forem necessárias.

Por que esse remédio foi escolhido?

Nós avaliamos várias medicações que têm alguma atividade contra o vírus. De acordo com os dados científicos, o remdesivir se mostrou com a maior probabilidade de inibir o coronavírus. Esse foi o motivo pelo qual decidimos começar com o remdesivir. Mas, como se trata de uma atividade in vitro e também em animais, a gente precisa continuar com inúmeros testes para saber se ele tem atividade em seres humanos.

Como será a expansão para os outros centros médicos?

Planejamos envolver 50 centros inicialmente, talvez mais. A ideia é começar a expandir nos Estados Unidos e tentar envolver outros países.

Ainda é cedo para falar em cura da doença?

Sim. Ainda é cedo para falar em cura. Gostaríamos de encontrar uma medicação que tivesse a propriedade de curar, mas o objetivo mais importante do ensaio clínico é que as pessoas resolvam os sintomas clínicos rapidamente. É importante que elas saiam dos hospitais rapidamente e possam sobreviver à infecção. É um objetivo clínico que as pessoas melhorem e possam voltar às suas atividades normais. A questão de cura é relativa. Ela vai depender da medicação e da resposta de cada indivíduo.

Existem prazos definidos para esse estudo?

Não temos um prazo definido. O estudo foi planejado para três anos. A ideia é encontrar o mais rápido possível as drogas que funcionam e as drogas que não funcionam. Dependendo da evolução dos pacientes, nós podemos começar a identificar o que funciona e o que não funciona em poucos meses. Mas vai depender obviamente da progressão da situação atual.

O índice de letalidade preocupa?

O índice de letalidade hoje é de 2,5% e 3%. Certamente, o índice é mais baixo que a Sars, que era de 10%. Dos coronavírus, o atual é o que apresenta menor índice de letalidade. Por outro lado, nós temos de nos preocupar. Nos Estados Unidos, o índice de letalidade do influenza, nossa gripe forte, é em torno de 0,2% e 0,3%. Já tivemos entre 15 mil e 16 mil mortes só por influenza nesta estação. Aparentemente, o número parece baixo (2% a 3%), mas significa um número enorme de mortos. Temos de ver dos dois lados.

Uma situação como essa cria certa ansiedade e expectativa nas pessoas em relação à descoberta de medicamentos. Como conciliar a urgência com o rigor científico?

Em uma situação dessas, o pânico não ajuda em nada. O pânico faz com as pessoas deixem de fazer o que tem de ser feito, como lavar as mãos, por exemplo. Ela não ajuda nem no nível individual e também não ajuda no rigor da ciência. Não há nada de positivo. É preciso trabalhar de maneira racional mesmo em situações difíceis como essa. Em situações assim, o rigor científico tem de ser ainda mais observado. Em situações como o ebola e o H1N1, por exemplo, nós observamos oportunistas que querem oferecer terapias que não funcionam e podem causar até mortes. A ciência é a única maneira de descobrir o que funciona e aquilo que não funciona contra a epidemia. É muito importante fazer a ciência correta em um momento como esse.

Estadão
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