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Priscila Canhet enfrenta a Síndrome de Dunnigan, uma rara condição genética que faz com que ela tenha a aparência de fisiculturista  Foto: Acervo Pessoal

'As pessoas nos veem musculosas e magras, mas não sabem o que há por trás'

Priscila Canhet tem Síndrome de Dunnigan, rara condição genética que faz com que ela e parte de sua família se pareçam com fisiculturistas.

Imagem: Acervo Pessoal
  • Erem Carla Erem Carla
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24 out 2024 - 05h00
(atualizado às 10h18)

Em um relato exclusivo à repórter Erem Carla, Priscila Canhet, de 35 anos, compartilha sua jornada enfrentando a Síndrome de Dunnigan, uma rara condição genética que faz com que ela e parte de sua família tenham a aparência de fisiculturistas. Porém, por trás dessa aparência, viver com a síndrome é um desafio constante.

Priscila Canhet enfrenta a Síndrome de Dunnigan, uma rara condição genética que faz com que ela tenha a aparência de fisiculturista
Priscila Canhet enfrenta a Síndrome de Dunnigan, uma rara condição genética que faz com que ela tenha a aparência de fisiculturista
Foto: Acervo Pessoal

Minha história com a síndrome de Dunnigan-Lipodistrofia Parcial Familiar começou a se desenhar bem cedo, ainda na puberdade, quando percebi que o corpo da minha mãe, da minha tia, da minha avó e o meu próprio corpo não correspondiam ao que se esperaria de um corpo feminino.

Tínhamos ausência de seios e os braços e as pernas tinham uma aparência mais masculinizada. No entanto, só em 2013, após uma perda repentina do campo de visão por conta do diabetes descontrolado, recebi de fato o diagnóstico.

Tudo aconteceu numa consulta com o endocrinologista. Relatei os sintomas e o que vinha tomando de medicação, além de confessar que não fazia exercícios físicos. O médico olhou para mim e disse que minha condição era rara. Ali, descobri que tinha a síndrome de Dunnigan. 

O diagnóstico foi baseado nas características físicas que apresento e nas comorbidades que eu estava tratando. Aquele momento trouxe alívio e felicidade por, finalmente, entender o que estava acontecendo comigo, mas também veio com a resistência em aceitar que teria de ter cuidados muito mais restritos para manter qualidade de vida.

O exame também foi um marco na minha família. A síndrome é uma condição hereditária dominante e rara, que herdamos da minha avó materna, Izabel. Minha mãe, Juscéia Aparecida, sempre se sentiu envergonhada pelo corpo, a ponto de evitar usar roupas que revelassem suas pernas. Hoje, aos 50 anos, ela começou a se permitir algumas mudanças no estilo de vestir, mas ainda enfrenta a dificuldade dos olhares alheios.

Priscila e sua mãe, Juscéia, na infância e atualmente
Priscila e sua mãe, Juscéia, na infância e atualmente
Foto: Acervo Pessoal

O maior desafio que enfrentamos é aceitar a nossa própria imagem. 

Sofri bastante bullying na puberdade, sendo constantemente questionada sobre minha aparência, músculos destacados e veias visíveis. A gordura se acumula no pescoço e no rosto, e as pessoas muitas vezes duvidam se eu sou mesmo mulher, já que não tenho o "corpo feminino" que esperam. 

Meu irmão, Manoel Canhet, e meu tio, Fausto Epifânio, não apresentam os sintomas da síndrome, pois, nos homens, ela se manifesta de forma diferente. Já minha irmã mais nova, de apenas 10 anos, já apresenta alguns sinais físicos da condição. No entanto, hoje sabemos mais sobre a doença do que sabíamos há 23 anos, quando perdemos minha avó, em janeiro de 2005.

Izabel Paes Canhet, avó materna de Priscila
Izabel Paes Canhet, avó materna de Priscila
Foto: Acervo Pessoal

A maior parte dos desafios que enfrentamos vem da ausência parcial de gordura corporal, o que resulta na perda da produção de leptina, um hormônio que regula o apetite e o metabolismo. 

Desde a puberdade, sinto fome de forma muito mais intensa do que uma pessoa normal, e a alimentação se torna um fator crucial para o controle da síndrome. Manter essa disciplina alimentar é um dos maiores desafios.

Após o diagnóstico, comecei a buscar outras pessoas com a mesma condição para trocar informações e aprender mais sobre tratamentos. No entanto, não encontrei ninguém com a síndrome de Dunnigan. Nas minhas pesquisas, cruzei com portadores da Síndrome de Berardinelli, que é uma lipodistrofia generalizada e com comorbidades mais agressivas. 

Além dos desafios físicos, a condição afeta muito o psicológico. Descobri que ter uma rede de apoio, incluindo profissionais de várias áreas, é fundamental para quem tem essa condição. Continuo sempre pesquisando em artigos estrangeiros, já que neles encontro mais informações para lidar com a síndrome.

As limitações que enfrento estão ligadas principalmente à alimentação, por conta dos distúrbios metabólicos. Precisamos estar sempre atentos à quantidade de carboidratos que consumimos, porque diabetes e hipertrigliceridemia podem levar à pancreatite aguda. Além disso, outras comorbidades, como a aterosclerose precoce e a cardiomiopatia, também exigem monitoramento constante, especialmente nas mulheres, que podem desenvolver a Síndrome dos Ovários Policísticos.

Priscila ao lado do marido, Felipe.
Priscila ao lado do marido, Felipe.
Foto: Acervo Pessoal

O Dunnigan é uma doença que mexe com a autoestima, causa depressão, ansiedade e, às vezes, faz com que nos sintamos incompreendidos. Demorei, mas consegui encontrar um equilíbrio para lidar com essas questões emocionais. Hoje, consigo cuidar do meu corpo e da minha mente de forma integrada, o que me permite, de fato, viver a vida com mais plenitude.

Gostaria que as pessoas soubessem que a síndrome de Dunnigan é rara, mas mortal. O diagnóstico precoce é fundamental, pois, com o tratamento adequado, é possível ter uma qualidade de vida melhor. Infelizmente, não foi o caso da minha avó, que tratava as complicações da doença sem sequer saber que tinha essa síndrome.

Meu objetivo, ao falar sobre a doença é dar visibilidade à condição. Muitos médicos conhecem as lipodistrofias apenas na teoria, mas é importante que a área da medicina esteja alerta à importância de um diagnóstico precoce. 

Exponho minha condição para que outros portadores possam encontrar um caminho para o tratamento adequado e para que mais estudos sobre a síndrome sejam realizados. Afinal, há uma estimativa de que apenas uma a cada 10 milhões de pessoas no mundo têm essa doença. Quero ajudar a motivar mais pesquisas e, quem sabe, proporcionar uma vida melhor para quem também convive com essa condição.

As pessoas nos veem musculosas e magras, mas não percebem que há um esforço constante por trás de nossa aparência.

Priscila ao lado da mãe, do marido e do padrasto
Priscila ao lado da mãe, do marido e do padrasto
Foto: Acervo Pessoal
Fonte: Redação Terra Você
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