Iniciativa treina cães para detectar câncer de mama pelo olfato
Trabalhando com a chamada biodetecção, KDOG Brasil tem o objetivo de reduzir a espera em filas para exames de identificação da doença
Criado em 2018, o projeto KDOG Brasil tem como missão treinar cachorros para que eles consigam determinar, por meio do olfato, se um paciente possui ou não câncer de mama. O objetivo da organização é ajudar a reduzir o tempo médio de espera para diagnóstico da doença, que subiu de 28 para 45 dias em quatro anos no Brasil.
Dividido em etapas, o projeto planeja oferecer o serviço de identificação no Sistema Único de Saúde (SUS) após o primeiro semestre de 2021, caso o treinamento ocorra dentro do previsto e com resultados satisfatórios. Um fator que anima os envolvidos são os bons resultados no exterior.
Leandro Lopes, responsável técnico do KDOG Brasil, explica que o projeto, sediado em Petrópolis, Rio de Janeiro, está ligado ao KDOG França, que já treina cães para identificar a doença há sete anos. Com diversos estudos publicados, ele destaca a eficácia comprovada do projeto: a taxa de sucesso das identificações é de 91,8%.
"Existe a possibilidade de nós chegarmos às populações carentes, que não têm acesso a equipamentos de diagnóstico", comenta Leandro. Ele explica que o projeto não substitui o diagnóstico via mamógrafo, mas que serve como uma "triagem". Se o câncer é identificado pelo cachorro, a pessoa pode passar à frente na fila para o exame, que então poderá confirmar a identificação.
Baseado nos resultados franceses, Leandro observa que os cachorros podem identificar até 40 tipos de câncer de mama diferentes, mas a determinação de qual tipo e o estágio da doença são feitos via exames clínicos. Em todos os casos, uma identificação precoce aumenta as chances de sucesso do tratamento.
O especialista comenta que o projeto tem um custo baixo, e outra vantagem é a possibilidade de dar mais qualidade de vida para os cachorros: "É um sistema positivo, a gente premia o cão com brinquedo ou petisco, o cachorro está sempre feliz e querendo trabalhar".
E como funciona essa identificação? Chamada de biodetecção, a ideia é que os cães sejam treinados para identificar variações no suor dos pacientes, que determinam a presença do câncer de mama. "Eles [os cães] nos ajudam com o que eles têm de mais forte, o sistema olfativo", afirma Leandro.
A biodetecção já é muito usada na área de segurança, em que o especialista atua há quase 30 anos, mas avançou pouco na área de saúde, até pela falta de investimentos, apesar das comprovações científicas: "O mundo tem que conhecer mais para que possa ser divulgado cada vez mais e termos mais apoio, dos governos,da iniciativa privada".
Atualmente nos estágios iniciais, de treinamento e subsequente produção nacional de artigos que comprovem a eficácia do projeto, em sua etapa final o processo de identificação é idealizado para ser simples e rápido.
"A mulher assina um termo e recebe um kit com sabonete neutro, duas compressas e um saquinho ziplock. Antes de dormir ela toma banho com o sabonete, ao acabar se seca, coloca uma compressa em cada mama, coloca o sutiã, ao acordar lava a mão com o sabonete, pega as compressas, coloca no saquinho e ele é enviado para a pista de detecção", relata Leonardo.
Nessa pista são depositados os materiais recebidos, e então o cachorro entra no ambiente e, identificado um recipiente de alguém com câncer de mama, para em frente a ele. A detecção do tipo e estágio de câncer é feita, então, via exame clínico. Outra vantagem do processo é que ele pode ser feito sem que o paciente saia de casa, algo que já seria útil, por exemplo, no cenário atual de pandemia.
Leonardo explica que o projeto envolve oncologistas, inclusive da Sociedade Franco Brasileira de Oncologia, treinadores e veterinários, "todo mundo está fazendo pelo bem. A gente pede apoio dos governantes e da iniciativa privada, que possam ter esse olhar pra gente. A gente precisa de mais".
"Esses cachorros fazem parte da nossa família, nosso dia a dia, o que queremos para eles queremos para nossos familiares. O cachorro sendo cachorro, não é um objeto, ele está ali e a gente sabe utilizar as melhores características dele", observa o especialista.
Durante a pandemia, o projeto também se adaptou e passou a treinar cães para identificar pessoas com covid-19 pelo olfato. Ainda em estágios iniciais, a inspiração também veio do exterior, com iniciativas que chegaram a ter quase 100% de acertabilidade.
Apesar de ser necessário respeitar o tempo da ciência para garantir a eficácia e conseguir as permissões de órgãos da área da saúde, a falta de investimentos desacelera o projeto, que atualmente conta com apoio de algumas marcas voltadas para pets, como a Royal Canin. Além disso, será necessário ter apoio e diálogo com governantes para permitir a entrada do projeto no SUS.
Por enquanto, o KDOG Brasil treina cães das raças pastor holandês, pastor belga malinois e pastor alemão, bastante usados na área de segurança pública e conhecidos pelo bom olfato, graças aos grandes focinhos, cheios de receptores. É possível incluir outras raças, como beagle e pointier, mas é necessário haver uma seleção para garantir a qualidade olfativa.
Leandro considera que a principal dificuldade do projeto é a falta de cultura no Brasil sobre o uso de animais para identificação, que limita o uso e investimentos em biodetecção inclusive em áreas mais conhecidas, como na atuação com policiais e bombeiros na identificação de drogas, cadáveres e desaparecidos.
"Temos grandes treinadores, já respeitados, mas ainda é algo pequeno em relação ao potencial, falta essa cultura em torno do cachorro trabalhando em identificação, terapia, assistência", explica ele, destacando que é importante, também sempre garantir uma boa qualidade de vida para os animais envolvidos.
Ele destaca que o grupo quer estar "na linha de frente do combate ao câncer de mama", e, mesmo com os atrasos no treinamento devido à pandemia, não pretendem desistir. "A gente sabe trabalhar na dificuldade, mas a gente precisa de mais apoio, quem puder ajudar será muito bem-vindo. É um projeto magnífico, fazer o bem faz bem, e a gente quer fazer o bem."
*Estagiário sob supervisão de Charlise Morais