Câmara de oxigênio de Neymar não é rejuvenescedora e pode causar fibrose pulmonar
Sociedade Brasileira de Medicina Hiperbárica condena uso indiscriminado do equipamento e afirma que não existem comprovações científicas para rejuvenescimento e e melhora do condicionamento físico
O uso de câmara hiperbárica tem se tornado comum entre famosos - atletas como Neymar e artistas como Claudia Raia relatam serem adeptos da técnica. As supostas possibilidades de rejuvenescimento e melhora da performance física são algumas das motivações alegadas para a compra do aparelho.
No entanto, a Sociedade Brasileira de Medicina Hiperbárica (SBMH) destaca que o procedimento de oxigenoterapia tem indicações muito delimitadas e o uso indiscriminado e sem acompanhamento médico especializado pode trazer riscos como convulsão e edema pulmonar. Além disso, afirmam, não há comprovações científicas para os objetivos buscados.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) regulamentou o procedimento terapêutico em 1955 como um tratamento de exclusividade médica em 15 condições clínicas específicas. Nenhuma das aplicações comprovadas cientificamente e aprovadas se refere a rejuvenescimento ou melhora na performance física.
Diretor científico da SBMH e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Marcus Vinícius de Morais explica que existe uma onda de informações falsas que circulam sobre o procedimento. "Artistas, famosos e atletas têm sido assediados para usar hiperbárica e infelizmente da maneira incorreta", diz. "Não existem trabalhos justificando, trabalhos sérios e consistentes dizendo que melhoram a performance, ou que recuperam o atleta."
O tratamento coloca os pacientes para respirar oxigênio puro em uma pressão atmosférica que é de duas a três vezes maior do que a do nível do mar, dentro de uma câmara hiperbárica. A máquina é um equipamento médico hospitalar cilíndrico e de aço ou acrílico pressurizado com ar comprimido, podendo ser monopaciente ou multipaciente (onde cabe mais de uma pessoa).
Morais alerta que a compra do aparelho para uso em casa (o monopaciente) não é recomendada por causa dos riscos de explosão da bomba de oxigênio, o que já ocorreu em outros países. "Tem de estar dentro de um ambiente hospitalar, essas pessoas podem ter uma série de complicações, uma delas é a fibrose pulmonar."
Para quais casos o tratamento é indicado?
O equipamento tem uso delimitado para casos específicos. Por meio dele é possível, por exemplo, combater infecções bacterianas, fungos, compensar a deficiência de oxigênio decorrente de entupimentos ou destruição de vasos sanguíneos, como acontece em casos de esmagamentos e amputações de braços e pernas. É utilizado principalmente na cicatrização de feridas crônicas e agudas.
As aplicações reconhecidas do tratamento de oxigenoterapia pelo CFM são:
- Embolias gasosas;
- Doença descompressiva;
- Embolias traumáticas pelo ar;
- Envenenamento por monóxido de carbono ou inalação de fumaça;
- Envenenamento por cianeto ou derivados cianídricos;
- Gangrena gasosa;
- Síndrome de Fournier;
- Outras infecções necrotizantes de tecidos moles: celulites, fasciitis e miosites;
- Isquemias agudas traumáticas: lesão por esmagamento, síndrome compartimental, reimplantação de extremidades amputadas e outras;
- Vasculites agudas de etiologia alérgica, medicamentosa ou por toxinas biológicas (aracnídeos, ofídios e insetos); queimaduras térmicas e elétricas;
- Lesões refratárias: úlceras de pele, lesões pé-diabético, escaras de decúbito, úlcera por vasculites autoimunes, deiscências de suturas;
- Lesões por radiação: radiodermite, osteorradionecrose e lesões actínicas de mucosas;
- Retalhos ou enxertos comprometidos ou de risco;
- Osteomielites;
- Anemia aguda, nos casos de impossibilidade de transfusão sanguínea.
A aplicação em outros casos - como fibromialgia - ainda tem sido estudada. Pesquisas nos Estados Unidos e no Canadá avaliam a eficácia da oxigenoterapia para a diminuição da dor muscular, um dos sintomas da doença.
"Pacientes que começam a fazer hiperbárica por outros motivos, mas têm fibromialgia, relatam melhora. Mas isso ainda não é ciência. Ciência vai ser quando a gente conseguir comprovar cientificamente, com estudos bem desenhados e bem delimitados para colocar para a população", diz Marcus de Morais.
O médico também afirma, que em relação a outras condições para as quais se divulga a suposta efetividade da técnica, como Alzheimer, sequelas de Acidente Vascular Cerebral (AVC), autismo ou Parkinson, não há nenhuma comprovação.
Como é realizada a terapia?
O paciente fica dentro de uma câmara hiperbárica, deitado por 90 minutos, uma vez por dia na maioria dos casos. O número de sessões necessárias, duração, nível de pressão e intervalos de aplicação são variáveis. Dependem da patologia e dos protocolos utilizados e cabe ao médico fazer as definições.
"Repetindo esse tratamento você aumenta a quantidade de oxigênio no corpo em 15 vezes, isso estimula o corpo a cicatrizar, reduz inchaços de traumatismo, ajuda o antibiótico a fazer efeito, forma novos vasos", diz Marcus de Morais.
O oxigênio é administrado por meio de máscaras e capacetes de plástico apropriados. No caso das câmaras monopacientes, a pessoa pode respirar o oxigênio diretamente da atmosfera da câmara, quando esta é pressurizada com este gás. Mais do que 90 minutos de uso podem levar a uma convulsão.
Como todo o tratamento médico, ele tem efeitos colaterais. "Esse é o grande medo da gente, não só o risco de quem está fazendo hiperbárica de brincadeira para não envelhecer, para melhorar a performance, para isso ou aquilo, sem indicação formal. Elas não sabem o risco que elas correm", afirma.
Os efeitos colaterais que a oxigenoterapia podem causar estão relacionados à variação da pressão e também à toxicidade do oxigênio. A dose oferecida e o tempo de exposição ao tratamento podem levar a toxidades pulmonares e neurológicas.
Dentre as consequências estão:
- Toxicidade pulmonar: tosse seca, dor retrosternal, hemoptóicos e edema pulmonar;
- Toxicidade neurológica: parestesias e convulsão;
- Desconforto e barotrauma auditivos (pressão no ouvido);
- Desconforto em seios da face;
- Alterações visuais transitórias;
- Hipoglicemia.
Hiperbárica pode se tornar oficialmente uma área de especialidade médica
Para evitar o mau uso do equipamento e regulamentar a compra, a Sociedade Brasileira de Medicina Hiperbárica quer transformar a medicina hiperbárica em uma especialidade médica oficialmente, assim como cardiologia ou ginecologia.
"Conseguimos fazer a prova de título e estamos junto ao CFM (Conselho Federal de Medicina) em uma câmara técnica fazendo a área de atuação e vamos trazer o congresso internacional", diz Morais.
Atualmente ela ainda é caracterizada como uma área de atuação, onde médicos de diversas especialidades realizam um curso reconhecido pela sociedade e se profissionalizam na medicina hiperbárica.