Câncer de mama agressivo acomete mais as brasileiras negras; pesquisa busca os motivos
Hipótese principal tem a ver com o DNA, mas fatores comportamentais e socioeconômicos não são descartados
Um estudo do Instituto Nacional do Câncer (Inca) quer descobrir por que as mulheres negras tendem a desenvolver um câncer de mama mais agressivo. Segundo o órgão, elas têm um risco 57% maior de morrer devido à doença em comparação com as mulheres brancas. Nas pardas, essa probabilidade é 10% maior - também em relação à população branca.
A bióloga Sheila Coelho Soares Lima, cientista que comanda a pesquisa, explica que a principal aposta está relacionada a fatores genéticos. Mas não só: ela também avalia o papel de fatores comportamentais e socioeconômicos, que podem resultar, por exemplo, em acesso reduzido a remédios ou dificuldade para encaixar exames na rotina.
Esse subtipo de tumor mais agressivo é o triplo-negativo (TNBC, na sigla em inglês). Uma de suas particularidades é a ausência de receptores hormonais e da proteína Her2, o que, na prática, impede o uso de tratamentos mais focados. "Então, a alternativa é recorrer à quimioterapia convencional, que não é tão direcionada", conta Sheila. Fora isso, o crescimento desse câncer é considerado rápido.
Ancestralidade e DNA africano
A pesquisadora aponta que a proporção do tumor triplo-negativo gira em torno de 21% entre mulheres negras, 17% em pardas e cai para 13% em brancas. "O que queremos entender agora é por que o triplo-negativo é mais frequente em mulheres negras e se fatores genéticos influenciam no crescimento desse tumor", explica a especialista.
Sheila relata que já existem diversos estudos comprovando que o câncer de mama é mais frequente em mulheres negras e que esse público também é o que mais morre pela doença. Porém, poucos países africanos têm pesquisas envolvendo o sequenciamento de genoma, e alguns deles não têm recursos para identificar o tumor triplo-negativo.
É importante ressaltar que as mulheres fenotipicamente negras também podem apresentar herança genética europeia, por exemplo. "Esperamos que, no final da pesquisa, a gente possa concluir quais genes específicos estão envolvidos e qual quantidade mínima dessa ancestralidade africana favorece o tipo mais grave", explica.
Apesar de o DNA estar no centro da questão, Sheila reforça que outros aspectos são considerados, já que a população negra historicamente costuma ter menos acesso aos serviços de saúde, receber o diagnóstico quando a doença está avançada e enfrentar dificuldade de completar o tratamento.
"Hoje, sabemos que mais de 90% dos casos de câncer estão ligados a questões ambientais", informa a bióloga. Então, uma das linhas de investigação é avaliar se a população negra estaria mais suscetível a esses fatores.
Até o momento, estão em avaliação 200 mulheres com câncer de mama que se autodenominam pretas e estão em atendimento no Hospital do Câncer do Rio de Janeiro. Cada uma delas teve fragmentos do tumor retirados por meio de biópsia para análise do DNA e sequenciamento genômico.
A pesquisadora informa que já está em contato com pesquisadores de outros Estados para tentar incluir mais mulheres na pesquisa. A intenção é chegar a mil voluntárias. "A gente está expandindo exatamente para ter representatividade da população brasileira como um todo, pois não temos só a ancestralidade africana, temos também a indígena, por exemplo", comenta.
Com os resultados do estudo, os cientistas esperam mudar a forma de enxergar a doença em pessoas negras, favorecendo a identificação dos tumores mais cedo.