Caso Gabriela Pugliesi: por que é perigoso fazer uma festa em meio à pandemia
Influenciadora digital promoveu evento em seu apartamento em São Paulo no último sábado, provocando revolta; encontros sociais estão sendo coibidos no mundo inteiro, por serem focos de transmissão do coronavírus.
A influenciadora digital Gabriela Pugliesi causou polêmica no último sábado (25 de abril) ao promover uma festa para amigos em seu apartamento em São Paulo em meio à pandemia de coronavírus.
Pugliesi, que já teve covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, postou fotos e vídeos do evento em sua conta no Instagram - em um deles, dizia "f*-se a vida". A festa teria sido organizada para receber sua amiga, Mari Gonzalez, que saiu do programa Big Brother Brasil na última terça-feira (21 de abril). Nem a anfitriã nem os convidados usavam máscara.
A revolta de parte de seus seus mais de 4 milhões de seguidores ao ver a influenciadora fitness desrespeitar as regras de confinamento foi imediata. Pugliesi apagou o conteúdo de seu Instagram e pediu desculpas. "Estou extremamente arrependida, mal comigo mesma. Fui irresponsável e imatura", disse ela.
Mas o estrago já estava feito. Desde o episódio, a influenciadora perdeu 100 mil seguidores e patrocínios.
Ainda não há comprovação científica sólida de que uma pessoa que tenha contraído covid-19 esteja imune à doença.
Em uma série de postagens recentes no Twitter, a OMS (Organização Mundial da Saúde) diz esperar que "a maior parte das pessoas infectadas com covid-19 desenvolva uma resposta de anticorpos que forneça algum nível de proteção".
No entanto, a entidade afirmou que nem todas as pessoas desenvolvem imunidade protetora e, naquelas que desenvolvem, a duração desta ainda é incerta.
"Estamos trabalhando com cientistas mundo afora para entender melhor a resposta do corpo à infecção de covid", disse a OMS no Twitter. "Até agora, nenhum estudo responde a essas importantes questões."
Mas por que fazer uma festa, ainda que com poucas pessoas, pode ser perigoso?
Segundo especialistas, isso se deve principalmente ao fato de que o novo coronavírus é altamente contagioso.
Seu "número reprodutivo" varia de 2,2 a 3,3, dependendo da metodologia usada. No jargão científico, isso significa para quantas pessoas uma pessoa infectada pode transmitir o vírus.
O da gripe, por exemplo, é de 1,3. Isso significa que uma pessoa com o vírus pode infectar outras 30 em apenas cinco dias, estimam especialistas.
Esse é o motivo pelo qual governos ao redor do mundo decretaram medidas rígidas de isolamento social.
Com menos pessoas interagindo, o número de novos infectados tende a cair e, com isso, menos pessoas vão adoecer, evitando a saturação do sistema de saúde.
"Distanciamento social é importante. Ponto final. Caso contrário, novos casos e transmissão comunitária podem levar à transmissão em larga escala que se amplia rapidamente", ", diz à BBC News Brasil Joshua Weitz, professor de Ciências Biológicas da Universidade Georgia Tech, nos Estados Unidos. "Sem medidas fortes para reduzir essa transmissão, a covid-19 se espalha e os números de casos aumentam, alguns dos quais resultarão em hospitalização, tratamento em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e morte."
Weitz criou um modelo matemático que mostra a probabilidade de infecção em diferentes tipos de aglomerações, dependendo do número de casos em um país.
Nos Estados Unidos, por exemplo, que se tornou o novo epicentro da pandemia mundial, com quase 1 milhão de casos confirmados da doença, a chance de ser infectado atualmente por covid-19 em uma reunião de dez pessoas - um jantar ou uma festa - varia entre 2% a 10%. Esse número supera 90% em uma aglomeração de mais de 10 mil pessoas, como um jogo de futebol.
Weitz lembra contudo que essas proporções tendem a ser muito maiores do que inicialmente calculou, devido ao grande número de subnotificações, ou seja, casos não registrados da doença.
Casos pelo mundo
Multiplicam-se pelo mundo casos de rápido contágio entre pessoas que participaram de aglomerações, independentemente de seu tamanho, muitas das quais resultaram em fatalidades.
A própria Pugliesi teria contraído covid-19 em março deste ano durante o casamento da irmã, a influenciadora digital Marcela Minelli, na Bahia. Em entrevista recente à BBC News Brasil, a cantora Preta Gil, que se apresentou na cerimônia, também disse achar ter sido infectada no evento. Na ocasião, ela contou que perdeu o olfato e o paladar por causa da doença e, mesmo depois de se recuperar, não recobrou integralmente as funções.
No Uruguai, uma socialite que viajou a Milão, então uma das áreas mais afetadas pelo novo coronavírus na Itália, foi apontada como a "super-disseminadora" da doença no país. Ela teria infectado direta e indiretamente mais de 50 pessoas.
Já na Coreia do Sul, o surto da doença teria começado
, apontada como local de origem do novo coronavírus.
No Brasil, a situação não foi diferente. No início de abril, a BBC News Brasil
.
Autoridades em vários países também vêm aumentando o cerco contra aglomerações, mesmo em eventos particulares.
Há duas semanas, a Polícia de Berlim, na Alemanha, publicou em seu Twitter: "Quando uma garota comemora 16 anos com 31 convidados, e sua mãe aparentemente aluga um apartamento para esse fim, infelizmente não lhe demos os parabéns. Todos os 32 estão agora sendo investigados por infrações penais e administrativas sob a Lei de Proteção contra Infecções. A mãe e o proprietário do apartamento também vão ser investigados".
No Brasil, a festa de Pugliesi despertou críticas de famosos, como a atriz e apresentadora Tatá Werneck. Ela escreveu em sua conta no Instagram: "Gabriela, vc vai me achar uma babaca depois desse comentário. Mas eu acho menos importante isso do que alertar as pessoas. Tão pedindo caminhão nos hospitais. Pq tá um caos. Minha prima médica (que pegou) chega chorando em casa. Pq eles JÁ têm que escolher sem salvar. Você já teve. Está teoricamente 'imune'. Eu acho essa atitude, ainda mais para um monte de gente que te segue e se inspira na sua vida saudável, inadmissível".