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Com a Coronavac, o mundo começou a ver o Butantan, diz diretora de inovação do instituto

Pesquisadora no centro paulista há 34 anos, Ana Marisa Chudzinski-Tavassi fala sobre construção de nova fábrica e de pesquisa com soro para tratamento da covid

23 fev 2021 - 13h01
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O Instituto Butantan completa 120 anos nesta terça-feira, 23, em momento de profunda transformação. O desenvolvimento da vacina Coronavac durante a pandemia colocou a entidade como ator global no combate ao coronavírus, segundo a diretora de inovação do Butantan, Ana Marisa Chudzinski-Tavassi.

A expectativa agora é de que o instituto paulista deixe de ser apenas referência bibliográfica em estudos sobre veneno e se torne mais reconhecido pelas pesquisas sobre imunizantes. Uma nova fábrica deve ser inaugurada até o fim do ano e possibilitará ao Butantan se tornar independente no desenvolvimento dos imunizantes, da elaboração do insumo ao envase. Hoje, a Coronavac é feita em parceria com a Sinovac e o antígeno, importado da China.

Pesquisadora há 34 anos do instituto, Ana Marisa hoje coordena uma área com outros 34 pesquisadores e cerca de 200 funcionários. Ao Estadão, ela diz que no momento suas atenções estão todas voltadas ao desenvolvimento de um soro para o tratamento de pacientes de covid-19. O medicamento se mostrou seguro no teste em animais e deve ser apresentado nos próximos dias para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Se aprovado, iniciará os testes clínicos em infectados.

Leia a entrevista:

Ana Marisa Chudzinski-Tavassi, diretora de inovação do Butantan
Ana Marisa Chudzinski-Tavassi, diretora de inovação do Butantan
Foto: Instituto Butantan/ Divulgação / Estadão

Quando o Butantan completou 100 anos, no livro comemorativo, a então diretora Hisako Gondo Higashi lamentava que a produção científica do instituto não tinha visibilidade pública nem política. Houve mudança de patamar internacional com a Coronavac?

O Butantan sempre foi mais conhecido na literatura pelo que publica em relação a veneno, em biologia animal. Sobre a vacina, é real que pouco produziu com referência bibliográfica até recentemente. Com a pandemia, claramente começou uma série de projetos relacionados à vacina muito mais diversificados. O Butantan agora é um novo player no combate ao coronavírus. O mundo começou a ver o Butantan. A última coisa que se trabalhou relacionado à transferência de tecnologia foi no desenvolvimento da vacina da dengue, que também serviu para colocar o Butantan em um patamar diferente. Hoje usamos mais ou menos a mesma tecnologia para o coronavírus, se olhar a cultura de célula, a infecção de célula por vírus. É a mesma base. O Butantan tem expertise, tem infraestrutura para produzir isso, sabe como conduzir.

O que pode ser dito para as pessoas que desconfiam da vacina do Butantan?

Aprendemos na pandemia a importância de montar equipes coesas para buscar soluções rápidas. Foi feita em tempo recorde, mas usamos critérios de gestão e organização. O Butantan tem uma parceria com a Sinovac e está fazendo o que faz rotineiramente... ensaios pré-clínicos, clínicos. Ninguém pulou etapas. As agências regulatórias também trabalharam com brevidade. Aprendemos que dá para diminuir o tempo.

O investimento para pesquisa, produção e desenvolvimento da vacina também aumentou. Ao longo dos 120 anos é recorrente o problema da falta de financiamento em pesquisa científica no instituto. Como está essa situação hoje?

Nós pesquisadores sempre recorremos a agências de fomento para tocar os projetos. A área de desenvolvimento foi incentivada nos últimos anos para buscar parcerias público-privadas. No Butantan hoje há centros de excelência frutos dessa parceria. São projetos de longo prazo, que buscam financiamento de cinco anos, e depois renova por mais cinco. Coordeno o Centro de Excelência em Novos Alvos Moleculares (CENTD), financiado pela Fapesp, GSK (companhia farmacêutica) e Butantan. Na 1ª etapa, foram investidos R$ 22 milhões. Agora houve a renovação pelo mesmo valor. É uma pesquisa básica, focando um assunto que a empresa tem interesse, o desenvolvimento de novas drogas. O investimento é importante porque também cria infraestrutura com equipamentos de altíssima performance. Não é uma infraestrutura só para aquele projeto. Tanto é que dentro dessa estrutura existe projeto de coronavírus também.

Falta investimento público?

Há essa discussão de como se investe. A Fapesp é uma grande parceira. Às vezes, não tem grandes editais. Mas agora, com o coronavírus, houve editais. Ganhamos um projeto para construção de laboratório NB3 (destina-se ao trabalho com agentes de risco microbiológico) para poder trabalhar com vírus com grau de segurança necessário. Se a ciência passar a propor discussões mais centralizadas, focando aquilo que precisa para o País, será mais fácil ter investimento direcionado.

O que falta ao Butantan hoje?

Faltam algumas estruturas que nos deixam pouco competitivos. Por exemplo, para trabalhar com coronavírus, preciso desse laboratório NB3. Se não tenho para poder fazer os testes, deixo de ser competitivo, mesmo que tenhamos competência. Antes de começar a pandemia, o Butantan já havia entendido que deveria focar no desenvolvimento de vacinas virais e tem focado nisso. A área de pesquisa também tem movimento para juntar mais as áreas, para as pessoas trabalharem mais juntas e criar uma disciplinaridade maior. Hoje estamos divididos em prédios e às vezes existe duplicidade de equipamentos pela falta de conexão. A diretoria está trabalhando para unificar.

O Butantan será capaz de produzir a vacina do coronavírus do início ao fim, sem precisar importar insumo da China?

O insumo é o antígeno, que vai ser transformado para virar vacina. Quem faz isso é o laboratório NB3. O Butantan tem um laboratório NB3, mas é dedicado à vacina da influenza. Você não pode descobrir um santo para cobrir outro. Não tem como parar a vacina da influenza. Tivemos ao longo desse período duas brechas em que começamos a produzir o antígeno do coronavírus para produção do soro. Até o final do ano vamos ter esse novo laboratório para ajudar no coronavírus e no desenvolvimento de outras vacinas também.

E a nova fábrica que está sendo construída?

Dentro dessa fábrica terá condição de produzir o insumo. A vacina que chegou por transferência de tecnologia faz com que a gente precise ter só a infraestrutura. O Butantan está investindo para ter a cadeia inteira. No máximo em um ano tudo deve estar pronto.

O Butantan vem desenvolvendo um soro que pode ajudar no tratamento de pacientes com coronavírus. Como está essa pesquisa?

Está tudo pronto. Esse é um exemplo de como é bom ter estrutura e um grupo de experts que sabem do processo do começo ao fim. São 120 anos do Butantan, há 120 anos fazemos soro. Dá para fazer tudo, salvo o biotério (local onde animais são isolados para pesquisas científicas). Isso a gente teve de fazer em parceria. Diferentemente da Coronavac, que o antígeno é da China, aqui o vírus foi isolado no laboratório da USP (Universidade de São Paulo) e utilizamos a brecha no NB3 da influenza e produzimos o vírus em grande quantidade. Os vírus foram inativados por radiação para poder circular em outros laboratórios sem risco. Fizemos análise bioquímica, caracterizamos o vírus, as proteínas, se era capaz de produzir anticorpos, se eram capazes de neutralizar o vírus ativo. Isso tudo feito.

Quando que começou esse estudo?

Fizemos o processo em seis meses. O último teste demorou mais por falta de estrutura. Imunizamos os cavalos da fazenda do Butantan, o plasma desses animais veio para a unidade do instituto onde foi feito o processamento. Esse produto foi envasado e analisado pelo setor de qualidade. Fizemos os testes pré-clínicos, em duas espécies de animal, camundongo e coelho. Vimos que o produto era seguro. Apresentamos para a Anvisa em novembro. A Anvisa pediu um teste de desafio, que é produzir a doença em um animal, tratar e ver o benefício. Partimos para colaboração novamente com a USP. Mas havia uma fila para usar e desenvolver seus projetos. Conseguimos desenvolver o teste no início de fevereiro. E está feito. Os resultados são muito bons.

O soro é capaz de reduzir a carga viral em um ser vivo?

Em hamster, sim. Um dia depois do tratamento vimos que havia reduzido a carga viral dos pulmões. Pelas análises, vimos que esse soro é capaz de preservar muito a estrutura do pulmão e reduzir o processo inflamatório. Isso constituiu o restante do documento que será apresentado para a Anvisa. Vamos marcar uma reunião ainda nesta semana para pré-submissão. Se entender que está ok, faremos a submissão, eles analisam e decidem se estamos aptos a utilizar o ensaio clínico.

Ou seja, existe a possibilidade de resolver o problema da doença?

Quem vai dizer isso é o ensaio clínico. Por isso a necessidade de fazer o mais rápido possível. Os modelos que temos em animais ainda não dão para dizer isso.

Qual seria a capacidade de produção desse soro se aprovado pela Anvisa?

O soro você não precisa produzir para população mundial, só para pessoas infectadas. O soro a gente faz em cavalo. Você imuniza o cavalo, tira o sangue, o animal não sofre. Você dá o antígeno, ele produz mais soro e assim vai. Começamos com dez cavalos, podemos adquirir mais. Com dez cavalos, fizemos cerca de três mil ampolas. Esses mesmos cavalos foram reimunizados. Agora está para envasar uma nova remessa. Uma vez aprovado, vamos moldar o esquema de produção de acordo com a necessidade. Não precisa de uma fábrica. A fazenda está lá, há mais cavalos.

Estadão
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