Script = https://s1.trrsf.com/update-1734630909/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Como proposta no Congresso reduz autonomia da Anvisa e da ANS - e por que entidades são contra

Proposta de parlamentar prevê que edição de atos normativos, hoje sob responsabilidade das agências reguladoras, passaria para conselhos com membros do Executivo, o que abriria brecha para interferências políticas

14 fev 2023 - 19h10
(atualizado às 21h16)
Compartilhar
Exibir comentários

Emenda proposta pelo deputado federal Danilo Forte (União-CE) e que pode tirar a autonomia das agências reguladoras federais está agora na mira de entidades de saúde, que veem riscos graves às políticas e normas sanitárias do País caso a regra seja aprovada e passe a impactar as atividades da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

O texto foi apresentado pelo parlamentar como emenda à Medida Provisória 1.154/2023, editada pela gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro dia de governo para reorganizar atribuições de órgãos e ministérios. A MP tem validade de 60 dias, renováveis por mais 60, prazo que tem para tramitar e ser aprovada pelo Congresso.

Na esteira da MP, porém, Forte apresentou uma emenda que determina que a edição de atos normativos, hoje sob responsabilidade das agências, passe a ser atribuição de conselhos ligados aos ministérios e secretarias de órgãos federais.

Tais conselhos seriam compostos por representantes do ministério ao qual se relaciona a atividade (no caso da ANS e Anvisa, seria o da Saúde), da agência, dos setores regulados da atividade econômica, da academia e dos consumidores, aprovados pelo Congresso Nacional. Na prática, as agências perderiam independência e suas decisões estariam mais sujeitas a interferências políticas.

Fazem parte da atribuição da Anvisa e poderiam, portanto, ser afetados pela emenda atos como a emissão de registro de medicamentos e outros produtos farmacêuticos, a aprovação de estudos clínicos, a suspensão e recolhimento de produtos que coloquem o consumidor em risco e a definição de medidas sanitárias visando o interesse coletivo, como o uso obrigatório de máscaras em aeroportos e aviões.

No caso da ANS, toda a regulação do mercado dos planos de saúde poderia ser impactada, incluindo medidas como a fixação de índices de reajuste dos planos individuais, definição de procedimentos cobertos pelas operadoras e aplicação de sanções a empresas descumpridoras de regras.

Na justificativa da emenda, o deputado argumenta que sua proposta, ao redistribuir funções, cria mecanismos para um "melhor relacionamento e execução de tarefas na administração pública" e que o modelo de conselhos possibilitaria "maior interação entre os componentes, de modo a discriminar funções reguladoras e julgadoras, com maior transparência, responsabilidade e participação democrática". Para Forte, a atuação de um conselho garantiria "o controle e a vigilância de um poder sobre o outro em relação ao cumprimento dos deveres constitucionais."

Aprovação da emenda colocaria em risco a população, dizem entidades

Nesta terça-feira, 14, representantes do setor saúde divulgaram manifesto contrário à aprovação da emenda e em defesa das agências reguladoras. O texto é assinado por 30 entidades, entre elas as principais associações de hospitais, farmacêuticas, laboratórios, operadoras e indústrias de equipamentos médicos do País.

No manifesto, as instituições argumentam que a emenda "fere a ordem jurídica constitucional e legal, que consagra a independência administrativa, a estabilidade de dirigentes, a autonomia financeira, e, consequentemente, a independência decisória e política dessas autarquias", e ressalta que as agências possuem especialistas no assunto a ser regulado de forma a garantir decisões de caráter técnico.

Em relação ao argumento do autor da proposta de que a mudança na legislação traria "maior transparência e participação democrática", as entidades afirmam que as leis vigentes já preveem "mecanismos de controle e participação social, tais como tomada de subsídios e consultas públicas, que garantem a legitimidade das decisões das agências."

Os representantes do setor lembram ainda que a Anvisa e a ANS "são responsáveis por todo arcabouço técnico-regulatório que garante a segurança e a eficácia dos produtos e serviços disponibilizados para população brasileira", com decisões tomadas "com base em evidências, à revelia de pressões externas, o que aumenta sua credibilidade e sua confiança perante a sociedade em defesa da saúde, a exemplo do vivenciado na pandemia de covid-19?.

Durante a pandemia, a agência chegou a ser pressionada pela gestão Jair Bolsonaro (PL) contra a aprovação de vacinas e a adoção de medidas sanitárias como a obrigatoriedade do uso de máscaras. O governo do ex-presidente também defendeu medicamentos ineficazes contra o vírus, como a hidroxicloroquina.

"As agências são autônomas, não podem ter a sua atividade impactada pelas visões e decisões políticas. Vejam o que aconteceu durante a pandemia. Mesmo em um governo com todo o seu autoritarismo, a agência, tendo em vista sua responsabilidade, postura e empoderamento, fez o que era certo para o nosso País. Não podemos admitir que haja um retrocesso", afirma o médico Francisco Balestrin, presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (SindHosp), uma das entidades signatárias.

Segundo Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), outra apoiadora do manifesto, a emenda também prejudicaria o desenvolvimento do setor. "Você perde a segurança jurídica e a previsibilidade, que são as matérias-primas para o desenvolvimento da área de saúde de qualquer País. Precisamos garantir a autonomia independentemente do governo. As agências são organismos de Estado", afirma.

Para Tacyra Valois, diretora executiva do Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (CBEXs), também signatário do manifesto, as agências, ao estabelecerem regras para o mercado, garantem ao cidadão "condições mínimas de segurança" para a utilização dos serviços de saúde. "A perda de autonomia significaria perda do poder de definir as normais de funcionamento e segurança nas suas áreas de atuação."

Para as instituições, a aprovação da emenda levaria ao "desmonte do arcabouço regulatório brasileiro", acarretando elevada insegurança jurídica para o setor saúde e prejudicando a previsibilidade de ações e investimentos no País, além de colocar em risco a população. "A transferência da competência regulatória da Anvisa para um conselho representará um retrocesso nas políticas de regulação e controle sanitário", diz o texto.

Para Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), as agências reguladoras precisam de mais autonomia, e não o contrário. "Com certeza a perda de autonomia dos colegiados com mandato aumentaria ainda mais os riscos, que já existem, de uma agência agir em favor daqueles que ela regula. É preciso aumentar ainda mais a independência e autonomia para se ter critérios mais técnicos e menos políticos na escolha de dirigentes de agências e mais rigidez diante de servidor público ou diretor de agência que assumem cargo no setor privado, por exemplo", afirma.

Procuradas pelo Estadão, a ANS e a Anvisa não se posicionaram sobre a emenda nem detalharam os impactos que a norma teria em suas atividades caso seja aprovada.

Em nota, o deputado Danilo Forte afirmou que a "emenda cria mecanismos efetivos para dar isonomia de tratamento aos consumidores, que têm sido ignorados pelas agências em detrimento de uma benevolência excessiva em relação às empresas reguladas. Com a criação dos conselhos, haverá efetiva participação da sociedade civil no processo regulatório, sempre de forma técnica, com indicação via lista tríplice a ser aprovada pela Câmara e pelo Senado. O mesmo se aplica para a Agência Nacional de Saúde (ANS) e para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)".

Ainda de acordo com o parlamentar, "o que ocorrerá, na prática, é o fortalecimento da regulação a partir da prestação de contas das agências à sociedade, como já ocorre em outras esferas da administração pública. Propomos, portanto, não a extinção desses órgãos, mas o aprimoramento de suas regras de governança".

Estadão
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade