Conheça a publicitária que voltou a ouvir depois de 23 anos
"Desculpe, não ouvi". Este é o título do blog da publicitária Lak Lobato, 33 anos, e diz muito sobre a história de vida dela. História essa, que estamos acostumados a ver em cinemas ou novelas, mas que também existem na vida real.
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Lakshmi Lobato nasceu sem nenhum problema de saúde, como a maioria das crianças. Continuou assim até os dez anos de idade, quando sua vida se deparou com uma doença que lhe traria grandes mudanças.
A caxumba ainda era um problema de saúde pública nesta época, e fez da jovem Lak mais uma vítima, deixando como sequela a perda de audição. "Eu deixei de ouvir aos dez anos, por sequela de caxumba. Naquela época, não era muito comum as pessoas perderem a audição por este motivo. Eu perdi a audição dos dois lados, não ouvindo praticamente nada", disse a publicitária.
Nos primeiros anos, Lak procurou cerca de 18 médicos e nenhum deles soube confirmar diagnóstico como sequela da caxumba, o que deixou a família ainda mais desamparada. A busca pelas respostas só terminaram anos depois, quando já haviam ocorrido outros casos similares.
Lak se viu em uma situação completamente inusitada. "A primeira reação que tive foi de susto, pois eu era muito pequena. Por sorte, quando perdi a audição, percebi que era capaz de fazer leitura labial. Com perda auditiva profunda, sem a leitura labial, a possibilidade de perder a fala era grande, especialmente por conta da idade", disse.
Essa decisão de se comunicar através de leitura labial fez com que Lak conseguisse uma inserção maior na sociedade e, após alguns anos, quando completou 18 anos de idade, a utilização de uma prótese ajudou um pouco nesta adaptação a um mundo completamente novo, quase sem som. "Cheguei a experimentar aparelhos antes disso, mas só me adaptei a eles aos 18 anos", afirmou.
Como Lak não perdeu completamente a audição, a prótese ampliava um pouco do som residual que ela ainda recebia. "Como o nível da minha audição é muito baixo, sem a ampliação eu não consigo ouvir e só escuto algumas frequências."
Apesar de a prótese proporcionar um ganho auditivo, Lak ainda não conseguia ouvir com clareza - justificando o nome do seu blog (Desculpe, não ouvi), que foi criado exatamente para tratar de assuntos tão pouco abordados pela mídia. Lak sempre foi uma pessoa comunicativa e, apesar das dificuldades impostas por uma sociedade com tão pouca inclusão, decidiu trabalhar com fotografia e hoje é arte-finalista em uma das maiores empresas de publicidades do Brasil.
Ela percebeu que tinha uma facilidade enorme para escrever e passou a retratar um pouco do seu cotidiano em sua página na web. Através dela, amigos e internautas acompanharam o processo da publicitária para conseguir um implante coclear, que, se desse certo, retornaria um ganho auditivo próximo ao ideal.
Lak possuía o perfil e se inscreveu no programa de implante coclear. No ano passado, ela realizou a cirurgia e começou uma vida nova, assim como há 23 anos, quando perdeu a audição. "Minha vida vem mudando bastante, pois eu me abri para um universo sonoro que não imaginava mais. Desse tempo pra cá eu descobri muita coisa. Por exemplo, eu não lembrava que quando se colocava a água para ferver ela fazia barulho, agora não preciso mais ficar olhando para água enquanto ela ferve." ri.
O implante
O implante coclear é um dispositivo eletrônico de alta tecnologia, também conhecido como ouvido biônico, que estimula eletricamente as fibras nervosas remanescentes, permitindo a transmissão do sinal elétrico para o nervo auditivo, a fim de ser decodificado pelo córtex cerebral.
O funcionamento do implante coclear difere do Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI). O AASI amplifica o som e o implante coclear fornece impulsos elétricos para estimulação das fibras neurais remanescentes em diferentes regiões da cóclea, possibilitando ao usuário, a capacidade de perceber o som.
Nova vida
Pequenas experiências como essa são vividas diariamente, e a maioria é compartilhada com um número incalculável de pessoas através do blog e do Twitter. Como era uma criança quando perdeu a audição, Lak agora está construindo um mundo novo totalmente baseado em informações sonoras e, como não poderia deixar de ser, está formando um gosto musical.
No primeiro momento, ela prefere sons instrumentais e música clássica, pois ainda ficam menos confusos. Esse tipo de preferência pode ser atribuído às características da música instrumental, que possuem sons mais discriminados e fáceis de separar. "O cérebro dela está reconstruindo esta percepção e aos poucos ela vai conseguir diferenciar entonações e falas", disse a fonoaudióloga Aline Pessoa, responsável pela reabilitação auditiva de Lak.
Para Aline, o prognóstico para a publicitária é de uma recuperação excelente, podendo escutar tudo. Felizmente, histórias como a de Lak estão se repetindo no Brasil, pois o poder público cobre a despesas da cirurgia para pessoas selecionadas. Porém, manutenção e terapias complementares são de responsabilidade do próprio paciente, especialmente no que se refere a pacientes adultos.
O caminho é longo, mas a esperança é de que, um dia, o título do blog da publicitária Lakshmi Lobato deixe de fazer sentido para ela e para milhões de outros que passaram pela mesma experiência.